Jornal Estado de Minas

ECONOMÊS EM BOM PORTUGUÊS

Aproximação da COP26: último suspiro global


Ceticismo parece ser a palavra mais adequada para definir as recentes manifestações de alguns ativistas e especialistas em clima com a proximidade da COP26 - Conferência 2021 sobre Mudança Climática, promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU) -,  a realizar-se em Glasgow, na Escócia, entre os dias 31 de outubro e 12 de novembro próximos. 





Enquanto o mundo parou na pandemia, ocorrências de animais se aproximando das cidadescéu limpo e silêncio dominando cenas em todo o mundo, vivíamos a ilusão de que a pandemia traria recuo no desequilíbrio climático mundial. O último Painel Internacional sobre a Mudança Climática da ONU trouxe perspectiva assustadora:  o aumento da temperatura global já está em 1,1º Celsius (ºC) em relação aos níveis pré-Revolução Industrial e não apresenta sinais de arrefecimento. 
 
Ao contrário, estima-se que, a partir de 2050, o nível de aquecimento global deva ficar entre 1,5ºC e 2,0ºC caso não haja forte redução das emissões de gases de efeito estufa. O pior, e não menos importante cenário, é aquele em que os países não tomarão decisões contundentes nas próximas décadas, podendo o mundo alcançar aumento da temperatura média de 4,4ºC, provocando desastres ambientais cada vez mais graves e incontroláveis.
 
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Para se ter ideia dos impactos de um aquecimento da ordem de 2ºC, a cartilha da COP26 estima que um terço da população mundial estaria continuamente exposta a calor severo, seria destruída a maior parte dos recifes de coral de água quente e o gelo do mar Ártico estaria sujeito a derreter ao menos um verão a cada dez anos. 

Os reflexos sobre atividade econômica, condições habitacionais e saúde são ainda mais preocupantes. 
 
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O esforço das Nações Unidas para promover mudanças drásticas nas formas de produção econômica e, sobretudo, no auxílio financeiro dos países desenvolvidos às economias emergentes e em desenvolvimento, embora demonstrado em diversas frentes, será posto à prova na próxima COP26. A bem da verdade, vem sendo posto à prova há décadas, mas o evento deste fim de outubro será determinante.

No prefácio da cartilha elaborada pelo anfitrião da próxima COP26, o Reino Unido, seu presidente designado, Alok Sharma, escreveu: "(...) não há nenhum caminho viável para as emissões líquidas zero que não envolva a proteção e restauração da natureza em uma escala sem precedentes. Se estamos comprometidos em manter a elevação da temperatura em 1,5oC e em nos adaptarmos aos impactos da mudança climática, devemos mudar o modo como tratamos nossos mares e terras e como cultivamos nosso alimento. Isso também é importante se quisermos proteger e restaurar a biodiversidade do mundo, da qual toda a vida depende."





Na semana passada, dois importantes eventos antecederam a COP26: o Youth4Climate - Driving ambition e a Pre-COP26. O primeiro teve a participação de 400 líderes globais jovens, entre 15 e 29 anos de idade, e Greta Thumberg fez breve discurso em tom contundente e repleto de sarcasmo: "blá blá blá" era a maneira como a ativista se referia às palavras de impacto, porém descompromissadas, dos líderes mundiais. 

A tomada de consciência pela sociedade parece ser caminho mais eficaz para atacar, de fato, o problema, conforme avaliado no recente artigo, datado de 24 de setembro, do professor José Eli da Veiga: a crise climática é considerada séria por 93% dos europeus, dois terços dos estadunidenses e três quartos dos chineses. Infelizmente, as pautas nacionais têm dado muito mais espaço às questões políticas e menos às econômicas, dentre as quais a discussão climática é das mais importantes.

A discussão sobre clima perpassa várias áreas com destaque para a matriz energética do país, a matriz produtiva, com ênfase nas atividades extrativas e agropecuárias, assim como na diversidade da pauta exportadora, o conhecimento dos serviços ecossistêmicos - benefícios que o ambiente fornece para a sociedade por meio dos seus processos naturais - e patrimônio cultural - proteção e restauro dos ecossistemas que fazem parte do acervo cultural regional. 





Especificamente, no caso brasileiro, a atual crise hídrica está nos mostrando que, embora nossa matriz energética seja 82,9% renovável, sua concentração em energia hidrelétrica (57,95%) está sofrendo severos impactos da crise climática. Essa, por sua vez, também sofre impacto de efeitos retroalimentados com lavouras específicas.

Estudo recém-publicado na Revista Nature, encabeçado pela pesquisadora Luciana Gatti, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - INPE -, aponta que, entre os anos 2010 e 2018, o desmatamento florestal na região amazônica reduziu razoavelmente a capacidade de absorção de gás carbônico da atmosfera. Esse efeito se deu de forma mais contundente na Amazônia brasileira, mais especificamente nas regiões do sul do Pará e do norte do Mato Grosso, esta última conhecida pela intensificação de suas atividades ligadas ao agronegócio. 

A COP26 se aproxima e o governo brasileiro poderá se deparar com pressões para criar metas e cronogramas para zerar o desmatamento e as queimadas na região Amazônica, o que propiciaria à floresta absorver e reduzir as emissões de carbono. Atrelado a isso, conseguiríamos aumentar o índice de chuvas, reduziríamos a temperatura média e assim abriríamos espaço para um ciclo autoalimentado de sustentabilidade. 

Esse cenário otimista dificilmente será promovido pelo atual governo brasileiro, que quando da saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris, promovida pelo ex-presidente Donald Trump, cogitou fazer o mesmo. Os líderes internacionais sabem que estarão negociando, dentre outros, com o atual ministro do Meio Ambiente - antigo braço direito daquele que gostava de passar a boiada! -, e a ministra da Agricultura, ex-líder da bancada ruralista. Ambos não são adeptos ao "blá blá blá".




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