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Estado de Minas DIREITO E INOVAÇÃO

Decreto do governo coloca em xeque aplicação da Lei do Superendividamento

Mínimo existencial de R$ 303 gera revolta entre entidades de defesa do consumidor


04/08/2022 08:43

calculadora e contas sobre mesa de madeira
(foto: Pexels)
Em texto publicado, há alguns meses, nessa coluna tratamos da Lei do Superendividamento (lei 14181/21) e das discussões sobre a definição de mínimo existencial previsto nela. Como vimos, o legislador havia deixado a regulação desse conceito para um momento posterior.

Naquela oportunidade apontamos a divergência existente entre instituições financeiras e entidades de defesa do consumidor acerca do critério a ser utilizado para se estipular um patamar que represente este mínimo.

Só para lembrar, a Lei 14.181/21 tem por objeto prevenir e tratar do superendividamento dos consumidores. Uma das medidas previstas, por exemplo, é a repactuação de dívidas que deve ser realizada sem que os novos valores das parcelas ajustadas comprometam esse mínimo existencial. Ou seja, o propósito da lei é garantir que o consumidor superendividado consiga cumprir um novo acordo e, também, pagar suas demais despesas básicas, sem que precise, em um futuro próximo, recorrer a mais empréstimos.

Em geral, as propostas de especialistas para regularem o mínimo existencial são no sentido de que deve-se preservar um percentual entre 60 e 70% da renda do consumidor para que ele consiga sair do superendividamento.

A regulação do mínimo existencial veio na semana passada com a publicação pelo governo federal do decreto 11.150/22, que entrará em vigor 60 dias após sua publicação.

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Segundo seu texto, considera-se mínimo existencial a renda mensal do consumidor pessoa natural equivalente a vinte e cinco por cento do salário mínimo, o que corresponde, atualmente, a R$ 303,00.

Como não poderia ser diferente, a reação dos órgãos de defesa do consumidor foi imediata. Para o IDEC (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), o decreto, ao estipular tal valor, coloca a população brasileira abaixo da linha da pobreza.

A Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos também se posicionou por meio de uma nota: “Como é possível de algum modo afirmar que a estipulação do mínimo existencial no valor atual de R$ 303,00 (trezentos e três reais) cumpre a vontade da Lei? É desnecessário lembrar que o Decreto Presidencial tem a função de regulamentar a Lei (art. 84, IV, da CF), de dar-lhe eficácia, e toda vez que contraria seus dispositivos, princípios e a própria ratio legis se revela norma não escrita, pois não pode e não tem essa função”

De fato, se o valor estipulado pelo decreto for, realmente, implementado, podemos afirmar, como se diz no meio jurídico, que a Lei do superendividamento virará letra morta.

Imagine um consumidor que ganhe um salário de R$ 2.000,00 e que esteja superendividado, ou seja, que é incapaz de pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, sem comprometer seu mínimo existencial. 

De acordo com a lei do superendividamento, ele pode apresentar em juízo para seus credores um plano para renegociação de suas dívidas. 

Qualquer acordo, deverá reservar para ele uma renda mínima para o pagamento de suas despesas pessoais e de sua família. Segundo o texto do decreto, esse valor deverá ser de R$ 303,00. E o mesmo valor valerá para o consumidor endividado que ganha R$ 1212,00 e para aquele que ganha R$ 10.000,00. 

Resumindo, os bancos e financeiras poderão utilizar quase toda a renda do consumidor para o pagamento de dívidas e juros relativos a eventuais renegociações.

O decreto desvirtua, totalmente, a lei, pois acaba fomentando ainda mais o endividamento das famílias brasileiras. Será, com certeza objeto de contestação judicial, não só em razão do valor estipulado para o mínimo existencial, mas por ter ampliado o rol de dívidas previsto na lei que não se sujeitam a renegociação, como, por exemplo, dívidas já renegociadas, anteriormente e despesas condominiais. 

Segundo a nota da associação dos defensores públicos acima citada, o decreto não possui validade, juridicidade e eficácia, pois jamais uma regulamentação pode contrariar a lei que é subordinada.
 
O autor desta coluna é Advogado, Especialista e Mestre em Direito Empresarial. É sócio-fundador do Escritório Ribeiro Rodrigues Advocacia e da Tríplice Marcas e Patentes

Sugestões e dúvidas podem ser enviadas para o email lfelipe@ribeirorodrigues.adv.br


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