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Estado de Minas DIREITO E INOVAÇÃO

Afinal, seremos julgados por robôs?

Utilização da inteligência artificial cresce no judiciário e gera debates


07/07/2022 06:00 - atualizado 07/07/2022 08:51

Mão de robô
(foto: This Is Engineering/Pexels)


Em um definição simples, inteligência artificial pode ser entendida como a capacidade de determinadas máquinas realizarem tarefas, simulando a inteligência e o comportamento humanos. A presença dela no nosso dia a dia é notória. Basta pensarmos nos chatbots ou nas assistentes virtuais como a famosa Alexa, da Amazon.

Sua utilização vem crescendo também em áreas, digamos, mais tradicionais, como a medicina, ao facilitar diagnósticos e tratamentos após o processamento de dados de pacientes.

No meio jurídico, podemos dizer que o grande símbolo do uso da inteligência artificial é a jurimetria, sistema de aplicação da estatística ao direito. Ela pode ser utilizada por escritórios de advocacia que, por meio de algoritmos contidos em alguns softwares conseguem prever os possíveis resultados para uma ação judicial, antes mesmo de ser proposta. A jurimetria serve também de subsídio para pesquisas e levantamentos mais amplos no campo jurídico, como aqueles realizados pela Associação Brasileira de Jurimetria, entidade formada por pesquisadores de diversas especialidades do direito.

Iniciativas de implementação da inteligência artificial também vêm crescendo nos tribunais, como continuidade de uma transformação digital ocorrida nos últimos anos e acelerada pela pandemia.

O Conselho Nacional de Justiça criou no ano passado o Programa Justiça 4.0, que busca impulsionar a transformação digital e o uso de inteligência artificial no judiciário. Em levantamento recente, o órgão identificou que de 2021 para 2022 houve um aumento de 171%  na utilização de inteligência artificial pelas cortes brasileiras.

A pesquisa confirma uma percepção de quem atua na área, já que alguns sistemas já são bem conhecidos de advogados juízes e servidores. Citemos, por exemplo, os robôs Victor e Athos utilizados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Superior Tribunal de Justiça  (STJ). Desenvolvidos já, há alguns anos, eles foram criados com o propósito de tornar mais célere e eficiente o funcionamento desses tribunais.

Não há dúvidas de que a adoção de qualquer medida para a superação ou diminuição da hiperjudicialização e do congestionamento de processos no nosso país é bem-vinda.  

O problema surge, porém, quando pensamos em possíveis impactos da utilização da inteligência artificial no processo decisório. 

Segundo o Ministro do STJ, Luis Felipe Salomão em artigo publicado no site consultor jurídico, “Não há nenhum projeto de juiz robô no Judiciário brasileiro — e não existe, até o momento, tecnologia capaz de substituir juízes por robôs na experiência mundial. A definição de juízes robôs, inspirada nas mais visionárias histórias de ficção científica, se refere a máquinas aptas a tomarem as principais decisões em processos judiciais, sem revisão por um juiz humano".
 
De fato, não estamos diante de uma delegação do ato de julgar a uma máquina. Os sistemas de inteligência artificial presentes em nosso judiciário desempenham, a princípio, apenas tarefas acessórias das atividades judicial e jurisdicional. Peguemos os dois robôs aqui citados. O Victor tem como função dar apoio aos ministros do STF na análise do recebimento ou não de recursos levados ao tribunal. O Athos faz a identificação e o monitoramento de temas repetitivos que chegam ao STJ e facilita a identificação de peças processuais.

A ideia que predomina, portanto, é de que a implementação da inteligência artificial limita-se a oferecer um suporte à atividade do julgador. A máquina não estaria realizando interpretação de leis ou de julgados anteriores, mas, simplesmente, fornecendo dados estatísticos para a prestação jurisdicional. E sempre sob a supervisão humana.

Mas há quem identifique riscos nesta inserção tecnológica. O principal deles tem a ver com a utilização da inteligência artificial para o desenvolvimento de uma justiça preditiva. O que é isso? É, em síntese, a análise por um algoritmo de um histórico de julgados que poderá servir de base para prever o resultado de uma decisão futura. 

Seu uso é válido para apontar a probabilidade de sucesso ou não de uma determinada demanda e para evitar que um potencial litigante sofra os custos decorrentes da perda de uma ação. Justifica-se também para favorecer a realização de acordos extrajudiciais.

Contudo, discute-se a possibilidade de sua adoção gerar um engessamento do sistema de precedentes que é cada vez mais presente em nosso judiciário. A aplicação do algoritmo pode desconsiderar circunstâncias específicas de um caso levado aos tribunais superiores. Com isso, a identificação de uma distinção entre o caso concreto e um precedente poderia ficar prejudicada. Não haveria, então, nenhum julgamento de acordo com aquele caso concreto dotado de peculiaridades, nem alteração do precedente.

Outro ponto sempre destacado em relação à inteligência artificial e a justiça preditiva refere-se aos “vieses” que não raramente estão contidos nos algoritmos utilizados. Não esqueçamos que os dados que os alimentam decorrem de intepretações humanas que podem conter, por exemplo, tratamento discriminatório e injusto à determinada situação analisada. Se não houver uma adequação desta interpretação a novos valores reconhecidos pela sociedade, a utilização da tecnologia poderá ferir direitos fundamentais.

Há que se lembrar ainda que o processo decisório de um software tem um caráter lógico-matemático, nem sempre condizente com a natureza dialética do Direito. Assim, o método baseado em informações de experiências pretéritas nem sempre será o mais adequado. 

Enfim, podemos afirmar que não seremos jugados por robôs, pelo menos, diretamente, mas a utilização da inteligência artificial pelo judiciário deve ter certas premissas, pois do contrário não será um mero instrumento para o exercício da jurisdição, mas uma maneira de redimensioná-la.

O autor desta coluna é Advogado, Especialista e Mestre em Direito Empresarial. É sócio fundador do escritório Ribeiro Rodrigues Advocacia

Sugestões e dúvidas podem ser enviadas para o email lfelipe@ribeirorodrigues.adv.br

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