PRODUTO DE EXPORTAÇÃO

Cachaça ganhará certificação de qualidade e reconhecimento internacional

Processo está sendo conduzido pelo Centro de Referência em Análises da Qualidade da Cachaça (CRAQC), da Universidade Federal de Lavras (UFLA)

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A cachaça está prestes a dar mais um passo para “ganhar” o mercado internacional. O Centro de Referência em Análises da Qualidade da Cachaça (CRAQC), da Universidade Federal de Lavras (Ufla), iniciou um processo de certificação pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), o que vai permitir a emissão de laudos reconhecidos internacionalmente.

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Apesar do CRAQC ter sido inaugurado em 2024, a contribuição da Ufla para a cadeia produtiva da cachaça é muito anterior. Em 1997, há 28 anos, Maria das Graças Cardoso foi convidada para estruturar um laboratório voltado ao álcool combustível. “Eu disse que álcool eu não faria. Mas cachaça, se me dessem oportunidade, eu faria”, relembra a pesquisadora. Nascia ali uma história que mudou o destino da cachaça, que, aos poucos, foi saindo da marginalidade, ganhando qualidade e a confiança dos consumidores.


O feito mais recente do CRAQC, publicado em meados de 2025, foi um estudo sobre a origem do carbamato de etila, um contaminante carcinogênico presente na cachaça que impedia as exportações. O estudo durou cerca de 14 anos, e descobriu que a substância indesejada estava no ponteiro da cana, parte superior da planta onde se concentram aminoácidos específicos, bastando retirá-lo para eliminar o problema. “Quando descobrimos, foi um orgulho imenso. Significou segurança, qualidade e exportação”, relatou Maria das Graças.


Do Laboratório de Análises de Qualidade de Cachaça (LAQC), ainda na fase pré-CRAQC, também saíram soluções que asseguram qualidade e segurança para a bebida, e foram assimiladas por produtores de todo o país. O controle de metanol é um bom exemplo. Desde o início das pesquisas, nos cursos iniciais, a professora afirmava que a presença do contaminante em cachaça estaria relacionada a duas partes da cadeia produtiva da bebida.


A primeira é a filtragem do caldo de cana para eliminar os bagacilhos (pequenos fragmentos da cana-de-açúcar), que sofrem influência das enzimas pépticas, que formam o metanol. A segunda etapa seria fazer corretamente o “cortes” das frações durante a destilação. “O processo de destilação da cachaça de alambique é feito em três fases. A primeira fração é conhecida como ‘Cabeça’, onde saem os compostos com uma temperatura inferior ao etanol e o carbonato básico de cobre (azinhavre), oriundo do material dos alambiques. A segunda fração, é o ‘Coração’, o corpo, a alma da bebida. Esta é a cachaça. E a última é a ‘Cauda’, que sai no final. Se o produtor separar a ‘Cabeça’ e a ‘Cauda’, não vai ter metanol”, explicou a pesquisadora.


Outro contaminante que o LAQC conseguiu eliminar da cachaça foi o cobre. Ele é essencial para a cachaça de alambique (que é feito em cobre), já que transforma compostos sulfurados em compostos agradáveis, como os aldeídos. No entanto, se o produtor fizer a assepsia adequada do alambique e eliminar a “Cabeça”, não vai ter cobre na sua cachaça.


INVESTIMENTO DE QUASE R$ 5 MILHÕES


O CRAQC está instalado em uma área com aproximadamente 300 metros quadrados, onde funcionam três laboratórios totalmente equipados (com cromatógrafos e espectrômetros), área de destilação e anfiteatro. O investimento de quase R$ 5 milhões feito neste Centro de Referência veio de políticas públicas e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), com os recursos gerenciados pela Fundação de Desenvolvimento Científico e Cultural (Fundecc) da Ufla.


A conclusão do processo de acreditação do CRAQC junto ao Inmetro está sendo aguardada para o fim de 2026. Apesar do Centro já estar registrado junto ao Conselho Regional de Química (CRQ), para Maria das Graças, o crivo do Inmetro vai agregar valor real à cachaça brasileira e fortalecer o produtor, ao permitir a emissão de laudos oficiais reconhecidos internacionalmente para exportação.


Desde sua inauguração, em 2024, o Centro já analisou mais de 400 amostras vindas de Minas, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco, Santa Catarina, Paraná e outros estados. Antes mesmo do CRAQC, o laboratório do Departamento de Química da Ufla já recebia amostra de cachaça, fazia as análises necessárias e emitia um laudo para o produtor mostrando se a bebida estava dentro ou fora dos padrões exigidos. Se algum parâmetro estivesse fora, o produtor era orientado sobre como corrigir o produto. Esse serviço é gratuito e continua em atividade. “Esta é uma forma de devolver para a sociedade o que foi investido na gente”, resume a pesquisadora.


PAIXÃO PELA CIÊNCIA


Nascida em Abreus, distrito do município de Alto Rio Doce, na Zona da Mata mineira, Maria das Graças se graduou em Viçosa, se especializou em Belo Horizonte e obteve o pós-doutorado em Portugal. Apesar de tantos resultados vencedores, a pesquisadora não se esquece dos desafios dessa trajetória, como o de se desenvolver e sobressair em um “ecossistema” amplamente masculino. “Eu gosto de salientar que esse trabalho não é meu. Esse trabalho é de um grupo de professores, junto com a professora Graça e com vários alunos. Eu valorizo muito mesmo a minha matriz, que são os produtores, os meus alunos e o nosso grupo aqui da Ufla, porque, sem eles, nós não faríamos nada”, ressaltou a pesquisadora.


O “tempero” exótico dessa história é que a pesquisadora reconhecida no Brasil como a “Mulher da Cachaça" não tem o costume de consumir bebidas alcoólicas. “O meu negócio é mais a ciência. O nosso grupo de pesquisa demorou 14 anos para elucidar a origem do carbamato. Isso que é gratificante”, explica Maria das Graças, já antecipando que agora pretende inserir um parâmetro para identificar Hidrocarbonetos Policíclicos Aromáticos (HPAs) nas análises do CRAQC, um contaminante proveniente do uso de cana queimada (o que não é permitido para a produção de cachaça), do tratamento inadequado dos barris ou da interação do álcool com recipientes plásticos (como bombonas de armazenamento). O CRAQC também está desenvolvendo uma pesquisa de blends de cachaça.


De 15 a 17 de abril de 2026, o Campus da Ufla receberá dois eventos importantes sobre a bebida: o 3º Simpósio Brasileiro de Cachaça de Alambique, quando será lançada a quinta edição do livro “Produção de Aguardente de Cana-de-Açúcar”, considerado a bíblia dos produtores; e o 7º Seminário Mineiro de Cachaça de Alambique. Os interessados em participar podem entrar em contato pelo e-mail mcardoso@ufla.br.

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