Estudo revela falta de informação entre pais de prematuros
Relatos de famílias e profissionais revelam impactos da prematuridade e a importância de orientação adequada no calendário vacinal
compartilhe
SIGA
O Brasil está entre os dez países com maior número de nascimentos prematuros no mundo, com cerca de 340 mil partos, antes das 37 semanas, por ano, o equivalente a 931 bebês que chegam antes do previsto diariamente.
Entre eles estão José e João, gêmeos que nasceram no Mater Dei Santo Agostinho, localizado na região Centro-Sul de BH, em fevereiro deste ano. Embora tenham nascido com 36 semanas, seguiram trajetórias distintas: José recebeu alta rapidamente, enquanto João permaneceu 86 dias na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN), devido a pulmão imaturo e pneumonia necrotizante.
A coordenadora da UTIN, pediatra e neonatologista Wania Calil Nicoliello, explica que a prematuridade tem origem multifatorial. “A prevenção depende de um pré-natal de qualidade, com consultas regulares. Hoje temos diversos métodos para diagnosticar, tratar e reduzir riscos”, afirma. Ela ressalta que quanto menor a idade gestacional e o peso ao nascer, maiores são os riscos de complicações e a necessidade de suporte intensivo.
Leia Mais
A mãe dos gêmeos, Gislaine Carvalho, lembra o período de internação. “Foram dias de medo e dor, mas também de esperança. João lutou bravamente, e eu vi de perto a força de cada bebê daquela unidade”, diz. Ela conta que, mesmo tendo experiência prévia com maternidade, sentiu alívio ao observar a resposta aos tratamentos após semanas de instabilidade. João segue em evolução, utiliza traqueostomia e recebe suporte multiprofissional.
A neonatologista orienta que os pais estejam atentos a sinais de alerta. “A vigilância dos pais, aliada ao acompanhamento multiprofissional, garante que possíveis dificuldades sejam detectadas e tratadas precocemente”.
Vivências das famílias e impacto emocional
A experiência das famílias com a prematuridade é marcada por medo, preocupação e expectativa. A pesquisa “A Proteção aos Prematuros no Brasil”, realizada pelo Datafolha a pedido da Sanofi, ouviu pais e mães de crianças de 0 a 5 anos que nasceram prematuras. A pesquisa entrevistou 200 pais e mães de todas as regiões do país.
Cerca de 70% dos respondentes eram mulheres; 43% tiveram parto pelo SUS; 92% dos bebês passaram por UTI neonatal. O estudo investigou percepções de saúde, barreiras no acesso, orientações recebidas e entendimento sobre o calendário vacinal específico.
Os dados foram apresentados em novembro, mês dedicado à conscientização sobre prematuridade, em evento no Parque Villa-Lobos, em São Paulo, ao lado da Roda Rico, maior roda gigante da América Latina, iluminada em roxo, cor símbolo da causa.
Os resultados mostram que o trauma da internação, somado à fragilidade do bebê e à falta de informações consistentes, influencia diretamente a adesão ao calendário vacinal. Segundo o estudo, 65% dos pais consideram a vacinação uma experiência de estresse moderado a intenso. Muitos relatam medo de reações adversas, ansiedade ou culpa.
O evento foi mediado pela jornalista e apresentadora Nadja Haddad, mãe dos gêmeos José e Antônio. Em abril, ela deu à luz prematuramente e perdeu um dos bebês poucas semanas depois. José permaneceu internado por seis meses na UTI neonatal.
“Vencemos essa batalha graças a Deus, à ciência e à medicina. Agora ele está em casa, vencendo a prematuridade ao longo dos dias com todas as terapias necessárias e com as vacinas devidamente tomadas. Eu entendo o quanto é importante orientar mais sobre as vacinas, e confesso que até hoje carrego algumas dúvidas”, afirmou.
Para o infectologista pediátrico Daniel Jarovsky, a reação emocional é compreensível. “Os pais de prematuros carregam uma memória de fragilidade intensa. Quando chega o momento da vacinação, muitos revivem aquele período crítico. Mas é justamente por terem maior risco de infecções graves que os prematuros precisam ser vacinados no tempo certo”, pontua.
A pesquisa mostra ainda percepções equivocadas que podem atrasar a proteção: um em cada quatro pais prefere adiar a imunização até que o bebê “fique mais forte”, embora evidências indiquem a importância da proteção precoce. Além disso, 36% acreditam que prematuros seguem o mesmo calendário de bebês nascidos a termo.
Entre as recomendações específicas está a vacina hexavalente acelular, indicada pela Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm). Disponível no SUS para bebês nascidos antes de 33 semanas ou com menos de 1,5 kg, e na rede privada para todos os bebês, ela protege contra seis doenças em uma única aplicação.
Acesso, informação e serviços especializados
O estudo ainda aponta que 75% das famílias enfrentam algum tipo de barreira prática para vacinar seus filhos, como falta de vacinas, filas longas ou ausência de orientação adequada. Sobre as informações recebidas na maternidade, 24% dos pais consideraram as explicações confusas ou insuficientes.
A desinformação também foi um tema central da pesquisa: 43% já ouviram orientações contraditórias sobre vacinação de prematuros, e 28% relataram ter encontrado profissionais inseguros. O levantamento também indica desconhecimento sobre os Centros de Referência para Imunobiológicos Especiais (CRIEs). Apenas 39% dos pais sabem o que são esses serviços, embora 85% daqueles que os conhecem tenham conseguido orientações ou vacinação no local.
Em Belo Horizonte, o CRIE funciona no bairro Santa Efigênia, região Leste de BH, dentro do CEM IPSEMG, e atende pacientes vindos de qualquer município que necessitam de imunobiológicos especiais ou apresentam risco aumentado para complicações de doenças imunopreveníveis.
Denise Suguitani, diretora executiva da ONG Prematuridade.com, reforça a importância da orientação adequada. “Os bebês prematuros têm necessidades de saúde específicas e urgentes, e isso inclui a imunização no tempo correto. Quando quase metade das famílias recebe orientações contraditórias, fica evidente a necessidade de protocolos unificados”, afirma. Segundo ela, “informação clara, transmitida com empatia e consistência, transforma a vacinação em uma etapa de confiança”.
A escritora Adriana Rampazio, autora de "Mamãe de Piticos", também descreveu sua trajetória com os gêmeos Diogo e Lucas. “Eles nasceram de 25 semanas, pesando 680g e 530g”, relata. Ela lembra a rotina dentro da UTI: “Não fazia diferença se era sábado, segunda-feira ou Natal”.
Os bebês permaneceram internados 106 e 158 dias, respectivamente, enfrentando diversas intercorrências. “Um dos principais pesadelos dos pais de prematuros são as intercorrências durante a internação e as sequelas. Após a alta, o acompanhamento continuou com múltiplos especialistas e terapias”, afirma.
O documentário lançado pelo TV Saúde Brasil Net, com apoio da Sanofi, reúne informações sobre graus de prematuridade, riscos e avanços da neonatologia, além de relatos de famílias. A produção está disponível gratuitamente no YouTube. Entre as histórias apresentadas, Denise Suguitani e Kelly Gadelha de Oliveira Diniz compartilham vivências sobre a rotina de cuidados e acompanhamento contínuo.
Para Guillaume Pierart, diretor-geral de vacinas da Sanofi, o engajamento coletivo é fundamental. “É preciso uma aldeia inteira para educar uma criança”, disse, destacando que o medo de vacinar prematuros é comum, mas que “vacinar é um ato de cuidado”.