
A inveja dos otimistas
A máxima "os ignorantes são mais felizes" tem seus limites
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O otimista é alguém que leu pouco. Algumas vezes por falta de oportunidade, mas, na maioria dos casos, por opção mesmo. E não há crime maior contra a inteligência do que a opção pela ignorância. É simplesmente impossível continuar acreditando no lado positivo da realidade enquanto o mundo e a humanidade marcham em fila indiana rumo ao colapso — e sem nem o consolo de uma banda tocando no convés, como no Titanic. O otimista se tornou uma espécie de analfabetismo funcional.
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Vive melhor quem ousa não saber? A eterna discussão das mesas de boteco, hoje o ambiente mais acadêmico da atualidade (até porque qualquer coisa parece mais acadêmica do que alguns programas de pós-graduação). Mas será que a ignorância, esse edredom quentinho contra a dura realidade, é mesmo tão confortável assim?
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Convenhamos, tem coisas que vale a pena ignorar: as minúcias do poder político, a eleição do Senado, as discussões intermináveis dos artigos acadêmicos (que só os autores leem, e nem sempre até o final) e o significado das siglas utilizadas no mundo corporativo (se CEO significa “Cara Esperto que Oprime”, para que aprender o resto?).
Porém, a máxima “os ignorantes são mais felizes” tem seus limites. Por exemplo, duvido que você gostaria de trabalhar em uma empresa onde o valor do seu contracheque fosse uma surpresa mensal — uma espécie de Kinder Ovo do capitalismo. Ou que aceitasse, com leveza de espírito, o fato de que seu companheiro ou companheira anda por aí desfilando afetos com mais liberdade do que bolsonarista em Santa Catarina. A verdade é que somos seres desejantes de saber. É da constituição humana, já diria Aristóteles, que, caso vivesse hoje, certamente estaria bloqueado no Twitter por alguma facção digital.
O otimista, no entanto, ignora esses detalhes. Ele transborda a confiança do desavisado, a certeza da burrice lacradora de quem acredita ter a receita universal para os males do mundo. Da extrema-direita à esquerda-woke, os otimistas estão sempre prontos para mapear a felicidade e apontar quem está impedindo a humanidade de alcançá-la — normalmente, alguém que discorda deles. E, confesso, às vezes dá até inveja.
Identificamos um otimista a quilômetros de distância. Ele caminha com passos confiantes na direção de um abismo que só ele não vê. Suas convicções são inabaláveis e servem para tudo: analisar a economia global, a crise ambiental, a desigualdade social e, claro, os problemas do condomínio. Sempre citando algum pastor, líder espiritual, guru tecnológico ou influencer engajado em evitar a extinção das piabas cristalinas que desovam no final do arco-íris.
Agora, atenção ao Bingo dos Otimistas:
Linha 1: Lugar de fala, desconstrução, representatividade, apropriação cultural e empoderamento.
Linha 2: Sinergia, fora da caixa, escalar o negócio, proatividade e mindset.
Linha 3: Trend, engajamento, criador de conteúdo, close certo e storytelling.
Fique atento! Ao longo do dia, no trabalho, na roda de amigos, na faculdade ou no ponto de ônibus, há uma boa chance de você completar as três linhas. Só resta saber se o prêmio final é um pouco de dinheiro ou apenas a dolorosa consciência de que estamos todos condenados.