'Ai de você se não responder. Em alguns minutos passa de herói a vilão - médico insensível, irresponsável, não me responde. Eu vi, ele recebeu e ignorou!' -  (crédito: Stocksnap/Pixabay)

'Ai de você se não responder. Em alguns minutos passa de herói a vilão - médico insensível, irresponsável, não me responde. Eu vi, ele recebeu e ignorou!'

crédito: Stocksnap/Pixabay

“Oi, Afonso! Bom dia. Você mais uma vez tomou recuperação em glicemia. Vai ter que recuperar com o nariz grudado na parede e a boca fechada. A supervisão será de um(a) endocrinologista, que rima com reducionista - um ser horripilante que lhe cortará quase todas as liberdades individuais.


Mas, você o(a) amará e seguirá até o final dos seus dias. Afinal, ele(ela) livrá-lo-á de um sofrimento maior causado pelas garras da execrável Diabetes. Deusa das guloseimas e dos exageros, chega de mansinho, quase sem ser percebida. Parece marido fujão chegando em casa depois da noitada.


Diabetes é amante frenética e insaciável. Quanto mais lhe oferecem prazeres, mais te desafia a satisfazê-la. Nesse jogo mortal, aos poucos lhe tirará a visão, o tesão, a sensibilidade dos pés, os rins e, por fim, a lucidez. Além da carteira e do conteúdo dela, claro!


Como seu médico, amigo e fiel escudeiro, vou te contar um segredo mitológico escondido a sete chaves por Gaia. Diabetes é fruto de uma escapulida noturna de Urano. Humilhada, Gaia a entregou para ser criada por Cronos e Eunomia. Portanto, dizem as más línguas das carpideiras de Ibiá, que Diabetes é irmã torta das Erínias e de Afrodite.

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Diabetes é uma das três Moiras. Pronto! Te contei o segredo máximo do Olimpo. Quem me contou foi Prometeu. Coitado do Prometeu. Linguarudo como só, tá pagando com o próprio fígado pela indiscrição.
Pra te lembrar, as Moiras são responsáveis por fiar, medir e cortar o fio da existência humana. De todos os humanos, inclusive do Afonso!


As Moiras, originalmente, se chamam Cloto, Láquesis e Átropos. Mas, conforme me confidenciou Prometeu, Láquesis, quando estava com tensão pré-menstrual, era chamada também de Diabetes (filha pequena do diabo). Mal-humorada, era o cão chupando manga.


Você deve estar se perguntando quem é quem nessa trinca, então vamos lá.


A fiandeira que segura a roca é Cloto. Láquesis (Diabetes) é a que trança o fio. Átropos, a que tem a tesoura. Ela é a que corta o fio, e que, por isso, era tida como uma fúria cega, já que era quem decidia até onde o fio ia, por mais que os deuses se opusessem.


Te aconselho a não se colocar nas mãos de Átropos. A mulher é decidida pra valer.

 

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Por mais que Zeus seja o Deus mais importante e chefe do Olimpo, as Moiras exercem poder até mesmo sobre os deuses, incluindo ele.


Incluindo eu e você.


Tome juízo e pague a sua segunda época sem reclamar. Segue o contato da endocrinologista. Dra. Cida, minha colega e amiga de décadas.


Você vai amá-la para sempre.

Abraço,
Carlos”

A mensagem acima é real. Mandei para um amigo e paciente essa semana pelo Zap. Me diverti ao escrevê-la em plena madrugada. Entretanto, nem sempre esse cabresto eletrônico é tão amigável.

Na realidade, o WhatsApp é o terror dos médicos. Depois do advento desse "pombo-correio" eletrônico, nossos pacientes nos alcançam em qualquer lugar do mundo. Da privacidade do banheiro de casa ao aeroporto de Singapura, não há como escapar. Ai de você se não responder. Em alguns minutos passa de herói a vilão - médico insensível, irresponsável, não me responde. Eu vi, ele recebeu e ignorou!


Estudos mostram que se o médico der o número do celular para o paciente, a probabilidade de ele ligar, mandar um recado, uma pergunta, ou o resultado do exame solicitado é de 100%. Ou seja, o celular e o Zap se transformaram no PA (pronto-atendimento) 24 horas, não remunerado e não contabilizado como retorno. Operadoras de planos de saúde e pacientes não gostam muito de conversar sobre o valor do tempo e da vida do médico. Afinal, medicina não é sacerdócio?! Ajoelhou, agora reza.