A estratégia adotada por Paula Speranza, pesquisadora de pós-doutorado em engenharia de alimentos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), começa com a união das propriedades de diferentes frutos. “Usamos dois óleos, que, ao se fundirem, criam uma mistura que tem mais qualidade, um produto melhor em propriedades fisioquímicas”, explica a especialista.
Para sua tese, Speranza realizou duas misturas: óleo de buriti com gordura de murumuru, e óleo de patauá com estearina de palma. Os líquidos, que foram fornecidos pela Universidade Federal do Pará (UFPA), ainda tiveram as propriedades e características físicas modificadas com enzimas produzidas pela pesquisadora, por meio de um processo chamado interesterificação enzimática. “O mais difícil desse processo é criar enzimas que consigam fazer essa modificação. Essa técnica já é antiga, mas as enzimas são novas e não é fácil criá-las de forma que atuem na fermentação (dos compostos)”, esclarece.
Esses componentes são fundamentais para iniciar as reações químicas que levam à modificação biotecnológica dos óleos, ampliando as propriedades antimicrobianas. “Utilizamos a mistura dos óleos em emulsões e conseguimos observar um efeito bactericida contra diversos patógenos, como Bacillus cereus (bactéria que vive no solo) e Escherichia coli (bactéria que habita o intestino), algo que não conseguimos com os óleos não modificados”, destaca a autora.
EFEITOS DESCONHECIDOS
Uma das motivações de Speranza para seu projeto de modificação de óleos da Amazônia foi a carência de pesquisas sobre esses produtos. “Vi que era uma área que podia ser mais explorada. Alguns trabalhos já mostravam o potencial desses óleos, mas não haviam cogitado mudar a sua composição para ressaltar esses valores”, conta.
Para Gustavo Graciano Fonseca, professor do curso de engenharia de alimentos da Universidade Federal de Grandes Dourados em Mato Grosso do Sul (UFGD-MS), o trabalho da pesquisadora da Unicamp se destaca pela técnica utilizada e pelo foco na otimização dos efeitos benéficos dos frutos brasileiros. “É um trabalho bastante inovador, apesar de ela aplicar uma técnica comum, combinando as propriedades de mais de um óleo, realizando uma junção de valor, semelhante ao que ocorre no processo de criação da manteiga de cacau”, destaca o especialista.
Fonseca, que não participou do estudo, concorda que a pesquisa de Speranza ajude a indústria nacional a desenvolver produtos que usem os óleos como matéria-prima. “Ao ressaltar certas características, você consegue pegar algo da natureza e aumentar suas armas de combate a bactérias, fornecendo um material importante para indústrias”, diz.
MAIS BENEFÍCIOS
Segundo o especialista, muitos estudos brasileiros têm se empenhando em pesquisas na área de alimentos, mas com o foco voltado mais para a produção de combustíveis. “O Brasil tem se preocupado muito com a questão de criar recursos para a produção de biodiesel, mas a área farmacêutica precisa de novos compostos bioativos como esses. Na Região Centro-Oeste, por exemplo, temos muitos frutos com propriedades ricas e que ainda são pouco explorados pela ciência. Trabalhos que trazem esse tipo de conhecimento podem abrir um leque muito grande de novos produtos otimizados”, acrescenta.
Paula Speranza já entrou com um pedido de patente dos óleos produzidos. O trabalho terá continuidade, buscando incorporar mais benefícios aos óleos estudados. “Como próximo passo, vamos estudar o potencial de outros óleos, que tenham atividade antioxidante e também anti-inflamatória. Acredito que teremos resultados promissores”, adianta.