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Estado de Minas

Estudo inédito mostra que nem todo doente com TDAH precisa usar a droga da obediência

Estudo inédito feito pela USP, Unicamp e outras duas entidades em 18 estados mostra que de 459 crianças e jovens diagnosticados com TDAH, 23,7% tinham o distúrbio e, dos 128 medicados, apenas 27,3% precisam da droga


postado em 06/07/2012 08:17 / atualizado em 06/07/2012 08:37

Aos 35 anos, Letícia Ceolin, com a filha, de 4: 'Foi difícil conviver com a minha hiperatividade'(foto: MARCOS VIEIRA/EM/D.A PRESS)
Aos 35 anos, Letícia Ceolin, com a filha, de 4: 'Foi difícil conviver com a minha hiperatividade' (foto: MARCOS VIEIRA/EM/D.A PRESS)
Um dos maiores estudos feitos no Brasil em 2011, com cerca de 6 mil crianças e adolescentes, mostrou que de 459 diagnosticados anteriormente com transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) apenas 23,7% eram realmente portadores do distúrbio e, dos 128 meninos e meninas medicados, 27,3% precisavam dos remédios. O levantamento foi feito por psiquiatras e neurologistas da Universidade de São Paulo (USP), Unicamp, do Instituto Glia de Pesquisa em Neurociência, de Ribeirão Preto (SP), e do Albert Einstein College of Medicine (EUA). Questionado pelo Estado de Minas se os outros 72,7% tomavam a medicação sem necessidade, já que a pesquisa indicou que apenas 27,3% precisavam das pílulas, o consultor do estudo e professor de psiquiatria da infância e adolescência da USP, Guilherme Polanczyk, explicou não ser essa a interpretação. “É evidente que há taxa de diagnósticos errados, mas não temos a precisão disso. Nesse estudo, o que pode ter ocorrido é que, como estão sendo tratados, esses pacientes, no momento do questionário, não precisavam mais das doses, mas 27% necessitavam de mais pílulas por ainda apresentar os sintomas do transtorno”, argumentou.

A análise, ainda não publicada e apresentada no 3º Congresso Mundial de TDAH, na Alemanha, no ano passado, reforça o que a série do EM vem mostrando desde segunda-feira, e termina hoje: as muitas interpretações para o uso e abuso das medicações para tratar do transtorno, que sequer é consenso na medicina. Tendo como base o princípio ativo cloridrato de metilfenidato, as medicações mais conhecidas como Ritalina e Concerta para alguns especialistas se tornaram epidemia no país e um risco à vida de milhares de crianças, uma vez que o consumo saltou de 71 mil caixas em 2000, para 2 milhões em 2009. No entanto, esse mesmo dado é visto por médicos como baixo e é um alerta para a falta de tratamento de muitos casos. “Esses 2 milhões de caixas é pouco, já que estimamos que 5% da população juvenil sofra da disfunção. Há muitas crianças que não estão sendo tratadas”, comenta Polanczyk.

Diante da polêmica levantada pela série de reportagens, a Sociedade Brasileira de Psiquiatria, com sede no Rio de Janeiro, procurou ontem o jornal, depois de receber cerca de 150 e-mails de associações de familiares e pacientes preocupados. “O TDAH é um assunto sério, que precisa ser tratado adequadamente e bem diagnosticado. Hoje, qualquer profissional pode receitar medicamentos para o problema. Mas, trata-se de um transtorno mental e, como tal, será melhor avaliado por um psiquiatra”, defende o presidente da entidade, Antônio Geraldo da Silva. Segundo ele, para saber se o paciente sofre do mal é preciso, primeiro, um diagnóstico para o TDAH, feito por meio de uma entrevista médica centrada em diversas informações. “Não são necessários exames. É feito também um diagnóstico diferencial, em que se procuram outras doenças psiquiátricas, já que o paciente pode ter quadro de depressão, transtorno bipolar e outros. Não é simples. Se não tratada, a criança pode caminhar para as drogas, não se formar na escola e não chegar a cursar nada”, diz Silva, acrescentando que o tratamento não é terapia. “Isso é ilusão. Trata-se o mal com remédios, que não têm tanto efeitos colaterais. Todo portador do distúrbio precisa deles”, frisa.

Letícia Santos Ceolin, de 35 anos, é uma delas. Aos 5, ela foi diagnosticada com déficit de atenção e, na época, sua mãe decidiu por não medicá-la. “Convivi com a minha hiperatividade durante todo esse tempo. Tive sérios problemas no estudo, formei-me no ensino médio à base de supletivo. Não consegui terminar o ensino superior. No meu emprego, tomo advertência por falta de atenção e isso é péssimo. Queria ter sido medicada e, por isso, vou me consultar com um psiquiatra para tomar as medicações. Se a minha filha, de 4 anos, apresentasse sintomas de TDAH, certamente lhe daria os remédios, não quero que ela passe pelo o que eu passei”, desabafa.

Reconhecendo que deve haver muitos casos em que as medicações sejam pertinentes, a psicanalista e mestre em saúde da criança e do adolescente pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Silvia Grebler Myssior, que trabalha há 30 anos com consultório, diz que os casos que necessitam de remédios são raros. “De todas as crianças medicadas que vieram me procurar nenhuma precisava estar tomando as drogas.” Em 2008, em parceria com a psicanalista e membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano em BH, Zilda Machado, Silvia fez uma pesquisa sobre o assunto no mundo e concluiu, a partir de discussões pelo planeta, que há determinadas síndromes criadas pelos laboratórios apenas com fins econômicos. “A cada momento, surgem novos procedimentos com a finalidade de ministrar medicação psicotrópica a crianças de todas as idades. Medicadas, elas não têm chance de serem ouvidas em seus sintomas e esse é um assunto que preocupa os psicanalistas, já que é preciso trabalhar a causa dos sintomas, e não os efeitos”, comenta.

No artigo das especialistas, elas afirmam que muitos pais têm buscado no saber médico formas de controlar o filho, de educá-lo, adequá-lo ao esperado pela sociedade. “Em 2004, a Sociedade Americana de Pediatria organizou um estudo sobre o índice de possibilidade de atos impulsivos e suicídios em crianças e adolescentes. Em inúmeros trabalhos se afirma que o cloridrato de metilfenidato não deve ser usado em crianças depressivas ou psicóticas, pois sua administração exacerba comportamentos perturbados”, cita o estudo das psicanalistas. E Silvia conclui: “Mais do que hiperativas, as crianças estão hipermedicadas.”

PERSONAGEM DA NOTÍCIA
. Hélio magri filho
. Psicólogo, de 42 anos
“Isso me custou vários casamentos”
Diagnosticado com TDAH e dislexia aos 42 anos, depois de sofrer com a falta de indicação de tratamento durante toda a vida, tendo reflexos desde a idade escolar até em seus relacionamentos conjugais na fase adulta, o psicólogo Hélio Magri Filho, conta que a vida de quem tem o transtorno é difícil. “Isso me custou vários casamentos. Fui chamado de burro por muitos. Cheguei a tomar Ritalina e, sinceramente, acho sem graça ficar focado em uma coisa só. Então parei. Faço terapias, exercícios físicos e ioga para tentar me concentrar. Mesmo assim é difícil. Mas uso uma série de estratégias para isso”, relata Hélio, que hoje é professor de pós-graduação em neurociência e psicanálise aplicada em educação da Faculdade São Camilo, em Belo Horizonte, dá palestras sobre o assunto e escreveu o livro Sou disléxico... E daí?, contando sua vida com os diagnósticos de dislexia, TDAH, discalculia e Síndrome de Irlen, todos transtornos mentais.

QUESTIONÁRIO
O estudo foi feito por psiquiatras e neurologistas da Universidade de São Paulo, Unicamp, do Instituto Glia de Pesquisa em Neurociência e do Albert Einstein College of Medicine e contou com questionários completos de 5.961 pais de crianças e jovens, de 4 a 18 anos, em 87 cidades e 18 estados brasileiros, incluindo Minas Gerais. Os autores aplicaram questionários em pais e professores para identificar a ocorrência do transtorno, tendo como base os critérios do DSM-4 (manual americano de diagnóstico em psiquiatria).

 


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