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Estado de Minas

Sociedade reage à forma abusiva de indicação dos remédios da obediência

Remédio, apesar de necessário em muitos casos, tem sido prescrito em excesso


postado em 05/07/2012 07:48 / atualizado em 05/07/2012 07:59

Preocupados com o rumo que o excesso de indicação de medicamentos para colocar um freio em crianças inquietas e desatentas tem tomado no país e, principalmente, em Minas Gerais, entidades de classe do estado, pais, pesquisadores e órgãos públicos começam a se manifestar e abrir ainda mais a discussão para a polêmica, que saiu do silêncio e passou a fazer barulho. Assim como vem mostrando a série de reportagens publicadas no Estado de Minas desde segunda-feira, as reações são divergentes: há os que alertam sobre os riscos do excesso de uso das medicações Concerta e Ritalina (à base de cloridrato de metilfenidato) e os que querem provar a importância que as pílulas têm para quem sofre do transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) e temem um alarde da população diante dos questionamentos colocados pelos especialistas ouvidos na série. Mesmo com a repercussão do tema, um dos órgãos que deveria se manifestar, a Secretaria de Estado de Saúde (SES), não se pronunciou sobre assunto.

As reportagens provocaram reações dos envolvidos quando se fala no distúrbio. O tema preocupou o Conselho Regional de Psicologia – Seção Minas Gerais que já articula ações para sensibilizar a sociedade tanto para os abusos na indicação de Concerta e Ritalina, quanto para a overdose de diagnósticos mal feitos. “Já tem um tempo que esses excessos estão preocupando nossos profissionais e impressionando o conselho. Sabemos que as vendas dos medicamentos estão altíssimas e os laboratórios escondem isso. Estamos preocupados com o discurso de que é possível ter uma medicação para que as crianças obedeçam. Os pais estão se rendendo a isso e, muitas vezes, tem havido mais danos do que benefícios”, destaca o membro da diretoria do conselho, Celso Renato Silva, que diz que os psicólogos estão se unindo para sensibilizar os pais de filhos com TDAH da importância de um tratamento bem estruturado. “Não somos contra a medicação, mas a banalização dela pode trazer consequências graves”, alerta.

Depois das matérias divulgadas, a Associação Médica de Minas Gerais registrou uma alta procura de pais de crianças e adolescentes por respostas, o que levou a Associação Mineira de Psiquiatria a enviar uma carta ao EM e aos leitores, esclarecendo que o tratamento medicamentoso não causa dependência química, “como é capaz de proteger contra isso”. “Há uma vasta literatura científica mostrando que as pessoas com TDAH tratadas com metilfenidato têm menor potencial de desenvolver uso de drogas e comportamento antissocial em relação às pessoas com TDAH não tratadas. Os benefícios na esfera acadêmica, emocional e até mesmo física são evidentes”, diz o texto assinado pelo psiquiatra e membro da entidade Arthur Kummer.

O barulho também motivou o Fórum Sobre Medicalização da Educação e da Sociedade, composto por mais de 40 entidades, entre profissionais da educação, assistência social e saúde, a criar, ainda este ano em Belo Horizonte, um núcleo local, já presente em São Paulo, Bahia e Rio de Janeiro. A polêmica também despertou pesquisadores a mostrar novos números. Defendendo a medicação como uma forma de proteger as novas gerações, a doutora em gestão do conhecimento e coordenadora do curso de pós-graduação em neurociência e psicanálise aplicada em educação da Faculdade São Camilo, Lucília Panisset, trouxe para a discussão dados que, segundo ela, são mais preocupantes do que os de consumo de Ritalina e Concerta no país, que passou de 71 mil caixas em 2000 para 2 milhões em 2009, colocando o Brasil como o segundo maior consumidor do mundo desses medicamentos, como mostrou a primeira reportagem da série.

“De 75% a 85% dos detentos da Europa e dos Estados Unidos foram diagnosticados com TDAH e não se trataram ou receberam o diagnóstico mais tarde. Outra pesquisa dos EUA mostra ainda que dos 3 mil infratores de lá, 60% tinham problemas com aprendizagem decorrentes do TDAH”, aponta Lucília. A especialista está fazendo um estudo sobre a prevalência do distúrbio em menores infratores em Minas Gerais. De acordo com ela, de modo geral, 13% das crianças estão propensas a repetir o ano escolar. “Com TDAH, esse percentual passa para 45%. Em um universo em que 40% dos menores roubam, com TDAH esse percentual sobe para 55%, motivados pela forte impulsividade. Por isso, a população tem que estar ciente da importância do tratamento dessa disfunção”, diz.

Alvo de polêmica
Um dos pontos que mais chamaram atenção na série Geração controlada foi a declaração da professora titular de pediatria da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e membro-fundadora do Fórum de Medicalização, Maria Aparecida Affonso Moysés, na matéria publicada segunda-feira, quando a especialista disse que a Ritalina e o Concerta são derivados da anfetamina e da cocaína. A Associação Médica de Minas Gerais (AMMG) diz que a especialista foi sensacionalista e causou pânico e medo na sociedade. “Esses medicamentos não são derivados da cocaína”, informou a AMMG. Procurada novamente ontem, Maria Aparecida rebateu, atestando que a informação está na literatura farmacêutica. “É o mesmo mecanismo de ação sim. A discussão está no mundo todo. Se minha declaração irritou os médicos é porque abalou o autoritarismo deles. Eles passaram a ser questionados. A ciência tem que ser sempre discutida. É um serviço para a população.”

(foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
(foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
Depoimento - F., de 9 anos - aluno do ensino fundamental

“Sempre tive boas notas, mas faço bagunça e não gosto muito de estudar. Odeio fazer dever de casa. Eu sempre questiono muito os professores e, por isso, eles disseram que eu era doente. Questionava porque não estava entendendo a matéria, mas acho que quem tem dúvida tem que perguntar, não é? Quando estou na sala presto atenção no recreio lá fora e no barulho do cortador de grama. Mas, com o remédio, prestei mais atenção na professora e parei de questioná-la. Fiquei mais quieto e na minha. Mas tinha dor de cabeça, enjoos e dor na barriga. Com isso, só conseguia ir na aula e não podia mais brincar. Não gosto das matérias da escola, prefiro a hora do recreio. Hoje, sem a medicação, estou mais feliz e continuo bagunceiro.”

Alerta a professores e farmacêuticos

O Conselho Regional de Farmácia de Minas Gerais quer, a partir da série do Estado de Minas, orientar farmacêuticos do estado sobre os riscos e benefícios das medicações. “Existe, sim, um uso exacerbado desses remédios e isso nos preocupa. Como essas medicações estão sendo dispensadas?”, questiona o vice-presidente do conselho, Claudiney Ferreira. Uma outra orientação, também com tom de preocupação, vem da Secretaria de Estado de Educação, que, por meio de nota, diz que os professores devem estar sempre atentos às dificuldades de aprendizagem ou comportamentais dos alunos, que podem ter causas diversas. “Não é papel do professor realizar diagnósticos, mas buscar identificar possíveis problemas e orientar os pais para que procurem auxílio médico ou psicológico para seus filhos. Diante de um diagnóstico positivo, o professor deve orientar-se com um especialista para saber como lidar com aquele caso específico. Caso não se confirme o problema de saúde, cabe ao professor e a escola buscarem alternativas para solucionar as dificuldades apresentadas pelo aluno”, diz o texto.

O alerta da Sociedade Mineira de Pediatria está para os diagnósticos bem feitos. “O mal existe e é importante que se façam exames corretos. Ao se ter a suspeita do distúrbio de TDAH, são vários testes a serem feitos: um para o TDAH e outros para avaliar a existência de outros transtornos associados. Somente um terço dos pacientes sofrem somente com o TDAH. Há os que têm problemas depressivos, de ansiedade, entre outros. As medicações são seguras, mas é preciso serem prescritas com responsabilidade”, comenta Marli Marra de Andrade, presidente do comitê de neuropediatria da entidade.

PAIS Muitos pais procuraram o jornal, por meio de telefonemas e e-mails, dando seus relatos. Uma dessas mães, muito preocupada com as reações dos medicamentos, quis que seu filho, F., de 9 anos, que tomou Ritalina por dois meses, mas parou por causa dos efeitos, contasse ao EM a sua história.

 


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