(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

Bigamia entra na pauta do Supremo

STF está perto de firmar jurisprudência sobre os direitos de cônjuges e de amantes em casos de benefícios previdenciários


postado em 30/03/2014 06:00 / atualizado em 30/03/2014 08:48

Renata Mariz

Brasília – As juras de amor exclusivo não resistiram ao tempo. Ao longo do casamento com Romilda Ribeiro de Amorim, Walter Coutinho de Amorim manteve, por 20 anos, uma relação paralela com Shirley da Penha, com quem conviveu de forma pública e chegou a ter uma filha. O ato de infidelidade pôs as duas moradoras de Vitória em choque depois da morte de Sebastião, em 2004. Em 2006, elas iniciaram uma batalha judicial pelo direito de receber a pensão do falecido. A última decisão determinou o rateio do benefício entre mulher e companheira. Mas o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), que faz o pagamento, apelou ao Supremo Tribunal Federal (STF), alegando ser impossível reconhecer a união estável de Walter com Shirley, já que ele viveu ao lado de Romilda, com quem era casado, até o fim da vida.

Do triângulo amoroso capixaba sairá uma decisão definitiva para processos semelhantes no país, pois o STF declarou repercussão para o caso, cujo relator é o ministro Luiz Fux. Mais do que dar um fim ao drama vivido pelas mulheres, o posicionamento da mais alta Corte colocará em xeque o princípio constitucional da monogamia no Brasil. Se o STF considerar como regra o rateio da pensão entre viúva e companheira, revolucionará a jurisprudência já produzida, admitindo relacionamentos simultâneos. Embora controverso, o tema é cada vez mais recorrente nos tribunais, o que levou o Supremo a decidir pacificar o entendimento sobre o assunto por meio do recurso movido pelo INSS, ainda sem data para ir a julgamento.

Levantamento feito pelo Estado de Minas nos tribunais de todo o país apontou a existência de pelo menos 107 ações — julgadas desde a Constituição de 1988 — envolvendo direitos da viúva e de uma segunda mulher, quase sempre chamada de concubina ou amante nos processos, sobre a questão previdenciária. Mas foi a partir do novo Código Civil, em vigor desde 2002, que equiparou a união estável ao casamento, que os casos começaram a surgir com mais frequência. Do total de 107 processos apreciados pelo Judiciário, cerca de 50% são do Nordeste.

A tendência tem sido negar os direitos da parte que se apresenta como companheira. Para Rodrigo Pereira da Cunha, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam), apesar de o ordenamento jurídico vetar uma segunda relação a quem é casado, há uma barreira moral nessas questões. “Os moralistas dizem que acabar com a monogamia é imoral. Só que o direito não pode ter moralismo. Se aquela segunda família ocorreu, há direitos. Acima do princípio da monogamia está o da dignidade da pessoa humana”, diz Cunha. Membro também do Ibdfam, o advogado Luiz Kignel tem opinião contrária. “É converter o adultério, um ato ilícito, em direito. Reconhecer duas uniões em que as parceiras tinham conhecimento uma da outra seria institucionalizar a bigamia”, comenta Kignel.

* Nomes fictícios

Ponto crítico
A Justiça deve reconhecer as uniões simultâneas para garantir direitos das duas partes?

SIM

Maria Berenice Dias
desembargadora aposentada e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam)

A Justiça não tem o condão de alterar a vida como ela é. Essa é uma realidade: homens mantêm famílias paralelas. Quer um casamento e uma união estável, quer duas uniões estáveis simultâneas. Ainda que infrinja os deveres do casamento, configure infidelidade e seja adultério — que nem mais crime é —, os homens assim agem. E os tribunais não podem ser conviventes com essa postura. Não podem livrá-los de quaisquer responsabilidades e punir quem, durante anos, acreditou em quem lhe prometeu amor exclusivo.
Mulheres que ficaram fora do mercado de trabalho, cuidaram de filhos, de repente se veem sem condições de sobrevivência. Ao bater às portas do Judiciário não podem ouvir um solene “bem feito!”. É o que ocorre toda a vez que se negam efeitos jurídicos a esses relacionamentos. Não há como deixar de reconhecer a existência de união estável sempre que estiverem presentes os requisitos legais de ostensividade, publicidade e continuidade.

NÃO

Rolf Madaleno
mestre em direito civil e diretor do Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam)

Como vige entre nós o princípio constitucional da monogamia, da relação exclusiva, evidentemente, penso que as relações em paralelo são relações ilícitas, que não geram direitos. Há quem considere essa visão simples demais, apenas calcada numa proposta de uma relação monogâmica, que seria hipócrita porque, na verdade, a relação paralela existiu, punindo a segunda família. Sem contar que essas uniões, muitas vezes, ocorrem com o conhecimento e a conivência dos envolvidos. Porque é difícil esconder uma relação concomitante durante anos, embora ocorra.
É um tema muito difícil, que tem dividido os tribunais. Não há como negar, entretanto, que adotamos o princípio da monogamia. A nossa eventual tolerância ou aceitação de uma pessoa que se vê envolvida com um homem que já é casado ou que mantém a relação, conhecendo a condição de casado ou correndo o risco de ele ser uma pessoa comprometida, é um custo que infelizmente a pessoa assume.

 


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)