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Estado de Minas O FLAGELO QUE NÃO QUER CALAR

Documento com mais de 7 mil páginas mostra as atrocidades cometidas contra os índios no Brasil

Material serviu de base para o recém-descoberto Relatório Figueiredo


postado em 28/04/2013 07:00 / atualizado em 28/04/2013 09:53

Página do Relatório Figueiredo(foto: Marcelo Zelic/ Divulgacao )
Página do Relatório Figueiredo (foto: Marcelo Zelic/ Divulgacao )
Encontrado recentemente depois de 45 anos em que se imaginava perdido ou destruído pela ditadura, o Relatório Figueiredo é a prova irrefutável de que a pátria mãe não foi nada gentil com os índios brasileiros no século 20. Depois de mostrar com exclusividade em uma série de reportagens os detalhes das 68 páginas que compõem o relatório, o Estado de Minas mergulhou no extenso inquérito com mais de 7 mil páginas que serviu de base para elaboração do documento e traz hoje um dossiê das violências e desmandos praticados por fazendeiros, empresários e agentes do Serviço de Proteção aos Índios (SPI) contra tribos de todo o país. As descrições contidas nele lembram requintes de crueldade somente dignos de campos de concentração nazistas da Segunda Guerra Mundial –, inclusive, muito provavelmente, enquanto partidários de Hitler seviciavam judeus inocentes, agentes do estado brasileiro torturavam índios igualmente inocentes.

O retrato pormenorizado dessa realidade até então inédito foi feito a mando do Ministério do Interior, em plena ditadura, e assinado pelo procurador Jader de Figueiredo Correia em 1968. A intenção do ministério era verificar denúncias de corrupção nos 130 postos do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) espalhados pelo país. Ao final do trabalho, em meio a 7.376 páginas produzidas, o que acabou vindo à tona, junto com relatos de desmandos administrativos, foi a situação de horror vivida pelos índios. Ele revela uma realidade pouco conhecida no país, na qual o indígena, diferentemente do negro, que teve a escravatura abolida por lei em 1888, era tratado como animal e sem a menor compaixão pelo menos até o fim da década de 1960.

Muito provavelmente, segundo afirma a coordenadora do núcleo que trata das lutas pela terra na Comissão Nacional da Verdade ao Estado de Minas, Maria Rita Kehl, os horrores contra índios continuaram e se tornaram sistemáticos. Além da importância das descrições de terras usurpadas – que podem subsidiar inúmeras ações para reaver terrenos em todo o país – as descrições de casos de massacres e genocídios contidas no documento devem motivar investigações da Comissão da Verdade, como informou Maria Rita.

A própria visão pejorativa da figura do índio que imperava naquela época abria espaço para que as tribos fossem exploradas e usurpadas. Na página 1.248 do inquérito de Jader de Figueiredo, por exemplo, a diretora da chamada missão Caiuá, Loide de Andrade, reclama: “Se o índio rendesse divisas e fosse eleitor, talvez a situação fosse diferente”. Sob o pretexto de trazer dividendos para os postos indígenas, que deveriam ser rentáveis pela concepção vigente naquele momento histórico, crueldades inimagináveis foram praticadas. Além de escravizados, os índios tinham seu patrimônio roubado por agentes gananciosos do estado. Páginas intermináveis redigidas cuidadosamente por Jader de Figueiredo – que percorreu grande parte dos 130 postos do SPI nos quatro cantos do país para produzir seu relatório – tratam de usurpação de diamantes, gado, cassiterita, madeira, e de trabalho.

Prática comum e descrita sem grande destaque no relatório, a escravidão dos índios é relatada na página 1.515, por exemplo, pelo chefe da 5ª Inspetoria do SPI, sediada em Cuiabá, José Baptista Ferreira Filho. Ele sustenta que o fazendeiro Flávio de Abreu possuía oito índios em sua fazenda e faz uma relação de 17 índias que foram “afastadas” de onde moravam por castigo, para ser “empregadas (sem remuneração)”. O texto diz: “Fora a índia Maria, que quando retirada da residência da sogra do Flávio apresentou-se com alguma roupa, as demais, sem roupas, sem saldos, doentes, apanhadas (sic) além de outros castigos de não saber notícias de suas famílias”. Uma das índias da lista, “Mariinha”, teria ficado longe de sua aldeia por quatro anos, trabalhando como escrava em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro durante esse tempo.

(Colaborou Alessandra Mello)


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