(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

Aos 80 anos, mulher interpreta Charlie Chaplin e leva alegria em Brazlândia

Maria José Dias Gonçalves surpreende as pessoas com seu espírito jovial


postado em 27/02/2012 10:24 / atualizado em 27/02/2012 11:43


A transformação ocorre diante do espelho. Aos poucos, Maria José Dias Gonçalves, 80 anos, deixa de ser ela mesma: mãe de três filhos adultos, com cinco netos e um bisneto. Incorpora o personagem. Maquiagem, bengala, terno, gravata borboleta vermelha, sapatos masculinos de bico fino e chapéu são alguns dos itens necessários. Mas não os mais importantes. A emoção estampada nos olhos de Maria é o principal. Cheia de vontade, ela se apresenta vestida como o ator Charlie Chaplin, eternizado em personagens como Carlitos (veja Para saber mais). Assim, arranca sorrisos não importa onde passe, sem cobrar nada em troca.

Maria nasceu em Lagoa dos Gatos, em Pernambuco. A cidade, com pouco mais de 15 mil habitantes, até hoje não tem um cinema. A televisão demorou a chegar, assim como a energia elétrica. A senhora não se lembra de como conheceu a imagem de Charlie Chaplin. Sabe apenas que ele está presente na memória. “É meu artista preferido. Sempre gostei do poder de interpretação dele. Sem dizer uma palavra, ele se expressava intensamente para o mundo.”

Ela se recorda, porém, de quando teve a ideia de vestir-se como o artista. Foi em 2005, quando já morava no Distrito Federal havia 21 anos. Tinha ficado viúva havia pouco tempo. Procurava alguém a quem doar o terno do marido morto. Uma ida ao sapateiro mudou tudo. “Cheguei lá e vi dois quadros em preto e branco, na parede. Em um, Chaplin estava com um cachorro (do filme Vida de cachorro). No outro, ao lado de um menino (em cena de O garoto). Na hora, eu pensei: ‘Já sei o que fazer com o terno’.”

Depois desse dia, ela passou a se apresentar em aniversários de amigos e em festas da cidade em que mora, Brazlândia. É lá que mostra toda sua graça no grupo de convivência de idosos do qual faz parte, a Obra Social Santa Isabel. Ali, idosos fazem ginástica, capoterapia, natação e participam de oficinas de bordado, dança, música e teatro, esta sob comando de Maria José. Não satisfeita em somente frequentar o local, ela passou a transmitir seu saber.

Dublagem
Maria imita o característico jeito de andar de Chaplin. Tem também o olhar melancólico enquanto vive a fantasia. “Quando me visto assim, eu não sou mais eu. É ele quem está aqui, vibrando comigo. Chaplin não morreu”, diz. A imitadora carrega consigo um CD, com áudio da narração de poesias atribuídas a Chaplin. Assim, é possível fazer a dublagem. Há músicas também. Entre elas, Luzes da ribalta, da trilha sonora do filme homônimo, no qual Chaplin é a estrela.

Vestida como o ídolo, Maria sempre tira alguém do público para dançar, espalhando alegria. “Aqui (na obra social), a gente ri muito. A vida é boa por isso. Temos um lema: existir não é o suficiente, é preciso viver”, explicou. Maria sempre gostou de representar. Começou a encenar sozinha, no internato onde passou a infância e a adolescência. A arte a salvava do tédio. Nas férias, quando voltava para visitar a família, reunia todos para ver o show. Cantava e dançava, além de recitar poesias. O pai não apoiava. “Onde já se viu menina direita dançar desse jeito?”, perguntava. Ainda assim, Maria não se intimidou.

O gosto pela arte cresceu com o tempo. Maria nunca entrou em escolas de teatro. Tem segundo grau completo e trabalhou como professora. O talento é instintivo. “Minha mãe me deu o nome errado. Eu não devia me chamar Maria José, mas Maria Aparecida, porque adoro aparecer, me mostrar.” Também faz parte do grupo de dança formado só por mulheres com mais de 60 anos, o Garotas Atrevidas. “Somos atrevidas porque não temos medo da felicidade”, resume.

Boa forma
Em 19 de março, ela completará 81 anos. Aparenta menos. “Tenho um ferro de passar especial lá em casa. Antes de sair, retiro todas as minhas rugas”, brinca. Sua filha apoia o passatempo da mãe. Já os rapazes não emitem opinião, o que, para ela, tanto faz: “Eles têm vergonha. Mas eu não ligo não. Sou muito feliz. Minha filha diz: ‘Vai em frente, mãe’. E eu vou”.

O principal motivo pelo qual Maria carrega sempre consigo terno deixado pelo marido é nobre: vontade de alegrar quem estiver perto. “Tenho muito amor pelas pessoas. A melhor parte de tudo é olhar para a plateia e ver gente sorrindo, batendo palmas.” Em dias de calor, como ontem, Maria resiste à temperatura em nome da arte. Engana-se quem pensa que a idade atrapalha. Em Brazlândia, todos a conhecem por suas andanças.

Dessa maneira, Maria ganha admiradores. A boa forma física e a saúde chamam a atenção. Não há quem deixe de reparar no espírito jovial da octogenária. “Ela sempre tem uma mensagem positiva para repassar. É exemplo de vitalidade e alegria”, afirmou a secretária da obra social, Lucilene Carvalho, 45 anos. Maria faz questão de manter a sensibilidade à flor da pele. Deixa lágrimas correrem enquanto recita poemas. Assim, sente-se cada vez mais viva.

Inspiração franciscana
Em Brasília, a obra social existe há quase 50 anos. Tem sede no Plano Piloto e filiais em Brazlândia e em Valparaíso, no Entorno do DF. Mais de 200 idosos participam das atividades em cada uma das unidades. O local é administrado e mantido por religiosas da ordem franciscana.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)