(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

Moradores do Leste de Minas estão aterrorizados com os casos de febre amarela

Doença já provocou quatro mortes em Ladainha, 16 em Lapinha e ao menos 38 em Minas Gerais. Famílias relatam a dor de perder um parente e a importância de se imunizar


postado em 15/01/2017 06:00 / atualizado em 15/01/2017 08:00

Maria dos Anjos, de 58 anos, moradora da zona rural de Ladainha, chora a morte do filho, Gilson, de 38, ao lado da filha Rêuzia: 'É preciso vacinar', adverte(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
Maria dos Anjos, de 58 anos, moradora da zona rural de Ladainha, chora a morte do filho, Gilson, de 38, ao lado da filha Rêuzia: 'É preciso vacinar', adverte (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)

Ladainha – Ontem, noite de sábado, foi celebrada a missa de sétimo em intenção da alma de Gilson Rodrigues Lopes, de 38 anos, nascido e criado no distrito de Concórdia do Mucuri, a 20 quilômetros da sede do município de Ladainha, no Vale do Mucuri. Houve preces e reza do terço. Na declaração de óbito do homem, querido pela família e amigos, está escrito que a causa é “indeterminada, aguardando exames”, mas para os residentes na comunidade rural, cercada de mata fechada, o motivo não é outro: febre amarela silvestre. A doença que aterroriza a Região Leste de Minas já provocou quatro óbitos no local, o total de 16 em Lapinha e ao menos 38 no estado. Segundo a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG), a vacinação contra a doença continua hoje nas cidades que fazem parte da área de risco.



Na casa simples, com muitas plantas na janela e localizada a dois quilômetros do Centro do distrito, por estrada de terra, Maria dos Anjos Rodrigues Lopes, de 58, não se cansa de chorar a morte de Gilson, que ela considerava muito mais do que um filho. “Era meu companheiro de todas as horas, um amigo, um rapaz bom que gostava de ficar em casa, comigo, e sempre muito trabalhador. Não era de confusão”, diz Maria dos Anjos, mãe de seis filhos e agora amparada pelas filhas Rêuzia, Dilza e Adélia. Ao lado da casa, na comunidade do Açude, está em silêncio a marcenaria onde ele trabalhava com um dos irmãos, e, nos fundos da casa, a densa mata onde ele costumava arejar a cabeça ou ouvir o canto dos pássaros – os canários chapinhas voam em bandos neste canto do Vale do Mucuri.

Gilson não era vacinado contra a febre amarela, ao contrário dos irmãos e da mãe. “É preciso vacinar”, conta Maria dos Anjos, quase sem voz, enquanto examina a foto do filho na carteira de identidade. Sentada no sofá vermelho da sala, ela diz que os móveis foram retirados do lugar, na manhã de ontem, para que a equipe do fumacê fizesse seu serviço, com a intenção de matar os “milhões” de pernilongos que infestam a comunidade e, claro, os mosquitos Haemagogus, transmissores do vírus da febre amarela silvestre, mal de alta letalidade e atual inimigo público número um. Segundo os especialistas, os insetos são comuns em matas e vegetação existentes na beira dos rios e, quando picam um macaco doente, se tornam capazes de transmitir o vírus ao homem e a outros macacos.

As irmãs de Gilson, que era solteiro, também não escondem as lágrimas. “Nós nunca tínhamos ouvido falar em febre amarela silvestre por aqui. Nem nós, nem os mais antigos moradores. Também não imaginávamos perder um irmão tão querido dessa forma”, lamenta Adélia Rodrigues Almeida, de 40. Diante de situação tão grave, ela diz que as autoridades precisam tomar todas as providências para que ninguém mais precise passar pelo sofrimento que a família vive neste começo de ano.

'Nos últimos dias, minha vida tem sido ir a velórios. Velamos meu irmão aqui em casa, fica a saudade e uma tristeza. Espero que não tenha que ir a mais nenhum', conta Joana Alecrim de Souza, moradora de Concórdia do Mucuri, distrito de Ladainha(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
'Nos últimos dias, minha vida tem sido ir a velórios. Velamos meu irmão aqui em casa, fica a saudade e uma tristeza. Espero que não tenha que ir a mais nenhum', conta Joana Alecrim de Souza, moradora de Concórdia do Mucuri, distrito de Ladainha (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)

ROUPAS NO VARAL Não muito distante da casa de Maria dos Anjos, Joana Alecrim de Souza, de 74, se emociona pela perda do irmão Levino Alecrim de Souza, de 54, lavrador, que morava sozinho e ficou internado no Hospital Municipal Artur Rausch, em Ladainha, por dois dias. Na casa, ainda com um resto de decoração de Natal e fotos de antepassados, Joana mostra, penduradas no varal, as roupas com as quais o irmão chegou na semana passada. Estão sob o sol inclemente uma camisa descorada pelo sol e uma calça social um pouco rasgada nas pernas. “Ele disse que estava com muita sede e queria se deitar um pouco. Como morava sozinho, eu sempre me preocupava com sua saúde, seu bem-estar, gostava de oferecer um prato de comida”, conta a irmã.

“Ele trabalhava muito, ninguém igual para o serviço”, revela Joana, que já se vacinou para evitar qualquer doença. “Meu irmão não era vacinado, andava meio sozinho, mas já tinha morado junto”, diz Joana, ao lado marido, Artur Costa Barreiro, de 74. “Nos últimos dias, minha vida tem sido ir a velórios. Velamos meu irmão aqui em casa, fica a saudade e uma tristeza. Espero que não precise ir a mais nenhuma”, afirma.

Em cada canto, num bar, com homens a cavalo ou de moto, debaixo de uma mangueira carregada de frutos e generosa em sombras, o assunto em Concórdia do Mucuri é um só: a febre amarela silvestre e as mortes suspeitas e em investigação a cargo das autoridades epidemiológicas da Secretaria de Estado da Saúde (SES). “A cada momento a gente fica sabendo de mais um caso. Tá todo mundo traumatizado”, diz o presidente da Associação dos Agricultores da comunidade do Açude 2, Lélio Antônio Tavares Rodrigues.

Lélio foi o primeiro morador da comunidade do Açude 2 a encontrar macacos mortos na estrada. De imediato, informou a pessoas da região e depois viu ocorrerem a escalada de óbitos. “Nesses dias, perdi um tio, um primo e dois amigos”, afirma o presidente da associação, que já foi a seis velórios desde que eclodiu o surto de febre amarela silvestre em Ladainha, que tem também 43 casos notificados, embora sem definição e comprovação. Lélio lembra que foram encontrados muitos macacos mortos no caminho, os quais foram recolhidos para exames. “Aqui tem muitos desses animais, a gente os vê passando na estrada em direção à mata.”

MEIO AMBIENTE O prefeito de Ladainha, Walid Nedir de Oliveira (PSDB), aguarda as definições do governo estadual para ajudar os municípios onde o surto não dá trégua – na tarde de sexta-feira, em reunião no Clube Palmeiras, em Teófilo Otoni, o governador Fernando Pimentel (PT) destinou um investimento de R$ 26 milhões para os mais de 150 municípios das regionais da SES em Teófilo Otoni, Governador Valadares, Coronel Fabriciano e Manhumim. Mas o prefeito chama a atenção para um ponto “que ainda não tocaram”.

Na avaliação de Walid, é preciso que instituições como o Instituto Estadual de Florestas (IEF), biólogos e outros profissionais da área e demais órgãos ambientais façam um trabalho na região para pesquisar o que está ocorrendo, se há algum desequilíbrio ecológico. “Esta é uma Área de Preservação Ambiental (APA), uma das maiores de mata atlântica de Minas. Então, é preciso que haja estudos, respostas”, disse o prefeito.

 

Internações em BH

O surto de febre amarela silvestre no interior de Minas levou 20 pessoas, que moram nas cidades atingidas, a serem internadas no Hospital Eduardo de Menezes, no Bairro Bom Sucesso, na Região do Barreiro, em BH. Três delas estão no CTI da unidade, que é referência para tratamento de doenças infecciosas. Como o Aedes aegypti, transmissor da dengue, zika e chikungunya, também pode transmitir a febre amarela em áreas urbanas, amanhã a Prefeitura de BH continua as ações de combate ao vetor, com a instalação de telas com inseticidas nas alas onde estão os pacientes do interior.

Mais 4 morrem em Ladainha


Subiu para 16 o número de mortes suspeitas de febre amarela silvestre em Ladainha, no Vale do Mucuri, município mais afetado pelo surto da doença em Minas Gerais. Segundo o secretário de Saúde da cidade, Fábio Peres, mais quatro pessoas que estavam internadas em Teófilo Otoni, também no Vale do Mucuri, morreram entre sexta-feira e ontem com os mesmos sintomas.

Ainda segundo o secretário, já são 43 casos suspeitos notificados pela Prefeitura de Ladainha à Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG), mas nem todos estão contabilizados no boletim oficial da pasta. No último boletim, de sexta-feira, eram 29 casos suspeitos notificados. Segundo a secretaria, nova atualização só será disponibilizada amanhã.

Apesar de os números subirem a cada dia, apenas dois casos permanecem considerados prováveis em Ladainha, pois tiveram as primeiras análises compatíveis com a doença. Esses dois pacientes morreram. “Ainda temos 16 pessoas internadas em Teófilo Otoni e já registramos 11 altas”, afirma Fábio Peres.

Segundo a prefeitura, ainda faltam vacinar cerca de 3 mil pessoas – o município tem 17 mil habitantes. O objetivo era vacinar todo o público-alvo até amanhã, mas as chuvas dos últimos dois dias estão dificultando os acessos à zona rural e por isso o prazo pode se alongar. (Guilherme Paranaiba)


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)