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Estado de Minas

Além de punição rigorosa, educação patrimonial é fundamental para evitar vandalismo

Após pichação na Pampulha, população defende programas de educação patrimonial nas escolas, buscando maior conscientização sobre a importância dos monumentos para BH


postado em 04/04/2016 06:00 / atualizado em 30/01/2018 16:33

Estudantes da Escola Municipal Professor Pedro Guerra visitam o Museu de Artes e Ofícios: aproximação com acervo cultural é considerada fundamental para desenvolver a consciência, especialmente entre os mais jovens(foto: Gladyston Rodrigues/EM/DA Press)
Estudantes da Escola Municipal Professor Pedro Guerra visitam o Museu de Artes e Ofícios: aproximação com acervo cultural é considerada fundamental para desenvolver a consciência, especialmente entre os mais jovens (foto: Gladyston Rodrigues/EM/DA Press)
Um divisor de águas na preservação dos bens culturais, com programas de educação patrimonial, vigilância 24 horas dos monumentos e punição rigorosa para quem pichar casarões, igrejas, escolas e outros marcos históricos que guardam a memória e enriquecem a paisagem urbana da capital. Será possível? A lambança feita nos painéis e pastilhas da Igreja de São Francisco de Assis ou igrejinha da Pampulha, na madrugada de 21 de março, feriu os olhos – e os sentimentos – dos belo-horizontinos, que, alarmados com a agressão, cobram agora atitudes eficazes das autoridades e projetam os cenários ideais para garantir a integridade e trazer segurança.


“A educação patrimonial é a base de tudo, pois, sem conhecimento, não podemos valorizar o que temos”, assegura a presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB/Seção Minas Gerais), Rose Guedes. “O conjunto arquitetônico da Pampulha é uma joia rara, um privilégio para a cidade, e todos devem se orgulhar dele e respeitá-lo”, acrescenta a arquiteta e urbanista. Já o professor Flávio Carsalade, da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), está certo de que muitas lições poderão ser tiradas do episódio e, de antemão, crê na urgência e reforço dos programas de educação patrimonial nas escolas.

Se na prática tudo demora a acontecer, para a tristeza e preocupação dos defensores do patrimônio, algumas unidades de ensino fazem sua parte e se mobilizam para fortalecer a relação dos alunos com o acervo e aproximá-los sempre do patrimônio. O resultado se torna visível no rosto de cada um deles, conforme comprovou o Estado de Minas, durante a visita de uma turma da Escola Municipal Professor Pedro Guerra, de Venda Nova, ao Museu de Artes e Ofícios (MAO), no Centro de Belo Horizonte. “Quanto mais se conhece, mais se protege. Se você não vê, não sabe preservar”, acredita o professor de geografia Marcos Antônio Paulo, que acompanhava a turma do 9º ano, com o professor de história Elivelto Aparecido Guimarães.

Diante do prédio datado dos primórdios da construção de BH, onde se implantou a antiga estação ferroviária, os professores falaram sobre a necessidade de conservação, as agressões, como a pichação, e o cuidado permanente e necessário com os monumentos. À provocação do repórter, questionando se algum deles teria coragem de rabiscar com spray um lugar público, os alunos reagiram com veemência e consciência. “Pichação é crime, vandalismo”, respondeu o estudante Lucas Nunes Ferreira, de 14 anos, que fotografava o prédio com os colegas Keven Vitor Almeida Fonseca, Roberto Nogueira, Chrystian Santos Anacleto, Marcos Antônio Vieira Santana e Gabriel de Melo.

Rogéria Souza, de 14, mostrou que vem aprendendo muito sobre a cidade e se mostrava impressionada com a arquitetura do prédio da Praça Rui Barbosa, a conhecida Praça da Estação, embora visitasse o MAO pela segunda vez. João Vitor de Almeida Souza, também de 14, destacou a beleza da construção e fez coro à necessidade de preservação dos espaços históricos e culturais, enquanto o professor de geografia contava que trabalhou numa escola na qual a cantina foi depredada pelos alunos. “Sabe o que fiz? Passei a levá-los constantemente ao local, para ver as instalações, conversar com as cozinheiras e ver os equipamentos. Nunca mais ocorreu nada.”

Rogéria Souza, de 14 anos, se disse impressionada com arquitetura do prédio da Praça da Estação(foto: Gladyston Rodrigues/EM/DA Press)
Rogéria Souza, de 14 anos, se disse impressionada com arquitetura do prédio da Praça da Estação (foto: Gladyston Rodrigues/EM/DA Press)
BRIOS Na avaliação do coordenador da Promotoria Estadual de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico (CPPC), Marcos Paulo de Souza Miranda, o belo-horizontino ainda tem pouco envolvimento com seu patrimônio. “É preciso que os moradores se apropriem mais de seus bens”, afirma o promotor de Justiça, ressaltando que a pichação da Igrejinha da Pampulha mexeu com os brios da população. “Não se pode ver a Pampulha apenas como um local candidato a patrimônio da humanidade; é preciso  enxergar a importância desse conjunto arquitetônico e de outros tão essenciais quanto ele para a vida da cidade”, explica.

Marcos Paulo cita outros alvos de agressão, como a Serra do Curral, eleita símbolo da capital, que sofre invasões, tem partes desbarrancando e não visíveis do lado de BH e ainda não teve a delimitação de tombamento federal regulamentada. “Há muitos lugares abandonados. Daí a importância da comunidade, que é a melhor guardiã de seu patrimônio”, afirma. Reconhecendo a importância da educação patrimonial, o promotor de Justiça está certo de que não se podem depositar aí todas as esperanças, especialmente quanto à pichação. “Atos criminosos demandam punição exemplar e o Ministério Público trabalha nessa linha. Muitas quadrilhas estão envolvidas na pichação”, afirma.

Se causou comoção e espanto, o ato de violência contra a igrejinha serviu para mobilizar a população. “Houve um despertar de todos para a necessidade de preservação do patrimônio. As pessoas passaram a se preocupar com o bem projetado por Oscar Niemeyer (1907-2012), símbolo da cidade, e com os demais”, diz o presidente da Fundação Municipal de Cultura, arquiteto Leônidas Oliveira. Para ilustrar, Leônidas cita o “abraço” espontâneo, dado na segunda-feira ao monumento por atores, artistas plásticos, arquitetos, professores e estudantes do Colégio Pio XII, empresários do setor de gastronomia e gente que caminhava pela orla. “Não houve participação do poder público nessa iniciativa, e outros abraços de repúdio à pichação e de apoio à candidatura da Pampulha a patrimônio da humanidade estão programados”, afirmou.
Agressão à igreja da Pampulha, que levou município a gastar com a limpeza e causou revolta, chamou a atenção para a necessidade de conscientização(foto: Edésio Ferreira/EM/DA Press)
Agressão à igreja da Pampulha, que levou município a gastar com a limpeza e causou revolta, chamou a atenção para a necessidade de conscientização (foto: Edésio Ferreira/EM/DA Press)

DIÁLOGO A presidente do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha-MG), Michele Arroyo, vê outros aspectos da questão: “Há um lado que é a prevenção, a recuperação do bem cultural, a vigilância e a punição dos infratores, mas existe também a necessidade de políticas públicas de educação e de inclusão da população, em especial dos jovens, nos espaços públicos, de forma plural, coletiva e democrática”. Com a experiência de quem esteve à frente do setor de Patrimônio da Prefeitura de BH e da superintendência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Michele defende o diálogo para garantir a preservação e impedir agressões aos monumentos.

“O patrimônio é visto de muitas formas, sob vários olhares, daí a necessidade de compreensão dos valores de grupos sociais para os quais sua história é importante na vida da cidade”, diz a historiadora. Sobre a pichação na Igrejinha da Pampulha, Michele ressalta que há outros atos danosos ao monumento, entre eles, o de pessoas que fazem caminhada e se alongam apoiando o pé nas pastilhas do templo, os que jogam lixo na lagoa ou fazem eventos privados ao lado de um bem público.

DE TRISTE MEMÓRIA A pichação da Igreja de São Francisco de Assis, na Pampulha, ocorreu na madrugada do dia 21 de março, pelas mãos de Mário Augusto Faleiro Neto, de 25 anos, indiciado pela Polícia Civil por dano ao patrimônio público. A tinta azul do spray sujou o painel da via-sacra e de São Francisco, obra de Cândido Portinari (1903-1962), e as pastilhas dos mosaicos na lateral do templo modernista. Na quarta-feira, o presidente da Fundação Municipal de Cultura (FMC), Leônidas Oliveira, anunciou a implantação do programa Patrimônio Cultural Protegido, com vigilância 24 horas por dia nos monumentos da Pampulha e de outras regiões da cidade. Em julho, em Istambul, na Turquia, a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) dará o resultado sobre a candidatura da Pampulha a patrimônio cultural da humanidade.


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