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Estado de Minas

Capela de São Sebastião agoniza na zona rural de Pouso Alegre

Associação tenta recuperar templo dedicado ao mártir da Igreja Católica, erguido no século 19 em Pouso Alegre. Cercada de mato, construção em estilo mourisco corre o risco de ruir


postado em 26/02/2016 06:00 / atualizado em 26/02/2016 07:37

Escorada por pedaços de madeira, a capela construída em terras doadas ao santo por um fazendeiro espera por socorro(foto: Alexandre Guzanshe/EM/DA Press)
Escorada por pedaços de madeira, a capela construída em terras doadas ao santo por um fazendeiro espera por socorro (foto: Alexandre Guzanshe/EM/DA Press)
Paracatu – No lugar das flechas, esteios de eucalipto; em vez de missas, abandono completo; e no entorno, muito mato. A centenária Capela de São Sebastião está a própria imagem do seu padroeiro, mártir da Igreja Católica, protetor dos fazendeiros e santo poderoso contra a peste, a fome e a guerra. Localizado na zona rural de Pouso Alegre, a 34 quilômetros de Paracatu, na Região Noroeste, o templo erguido em 1860 sofre todo tipo de flagelo, como degradação, falta de ações de preservação e, principalmente, descaso das autoridades.


Quem olha a construção singela, em estilo mourisco, não deixe de compará-la à escultura de São Sebastião, que traz o corpo marcado pelo sangue das flechadas disparadas. No caso da capela dedicada a ele, vertem pedaços de reboco, despencam telhas e desaparecem lentamente partes de uma história escorada pela madeira. Um aspecto muito especial é que as terras onde se encontra a capela foram doadas ao santo, no século 19, pelo fazendeiro Imiliano Silva Neiva, um dos homens mais ricos do Noroeste mineiro. Hoje, o caso está na Justiça para retomar parte delas.

Há exatos 20 anos, a Associação dos Amigos da Cultura de Paracatu luta para recuperar a Capela de São Sebastião do Pouso Alegre, como é conhecida pela população. “Além da celebração de missas, realização de casamentos e outras cerimônias, o templo sempre foi o local de reunião de comunidades rurais, como Pouso Alegre, Sotero, Ribeira, Nova Divineia e Carapinas”, informa a presidente da entidade, Graça Jales, residente no Centro Histórico da cidade. “Nossa associação foi criada para tentar salvar a capela e pedir providências ao poder público, mas até hoje nada conseguimos, embora tenham sido apresentados muitos projetos”, afirma.

Em 1986, segundo a presidente da associação, foi apresentado um projeto ao Ministério da Cultura (MinC) e, conforme ela foi informada, houve acompanhamento do processo pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O imóvel não é tombado em nível federal, mas é o único bem sob proteção do município, desde 1958. “Até agora, não tivemos qualquer resposta. Tudo o que conseguimos foi com a colaboração de pessoas conhecidas, que elaboraram os projetos sem cobrar”, explica Graça. Diante da situação, tudo indica que somente o santo de casa poderá fazer milagre, contrariando o dito popular.

TERRAS DO SANTO
A estrada que conduz à comunidade de Pouso Alegre, no sentido Brasília (DF), tem oito quilômetros de caminhos vicinais, ladeados por extensas lavouras de soja. No fim do trajeto, é surpreendente ver a arquitetura da capela, com uma escada de madeira lateral, e um susto deparar com a penúria de um bem cultural e religioso morrendo à míngua no meio do mato. Num canto, há montes de tijolos de adobe, mas o mais assustador é ver as escoras de madeira para amparar a fachada do prédio. “Ela já se encontra em estado de emergência, pois a nave está se descolando da capela. É muito difícil preservar o patrimônio”, alerta a presidente da associação. De acordo com a Secretaria Municipal de Cultura, os projetos estão a cargo da associação, que busca os recursos no MinC.

Profundamente preocupada e, ao mesmo tempo, esperançosa de que a capela pertencente à diocese de Paracatu seja recuperada, Graça revela outro round na batalha pela preservação. Em 1860, ao construir a capela, o fazendeiro Imiliano Silva Neiva, que não deixou filhos, doou 350 hectares a São Sebastião, de quem era muito devoto. No início do século, no entanto, um bispo vendeu parte da gleba, ficando 45 hectares para o santo. Bem mais tarde, um fazendeiro pediu a retificação das terras, apropriando-se do terreno. “A diocese recorreu na Justiça e já ganhou em duas instâncias”, alegra-se a presidente da associação.

Segundo informações da Superintendência do Iphan em Minas, o projeto está em análise pela equipe técnica visando à captação de recursos, via lei federal de incentivo à cultura, do Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac). Faltam, de acordo com os técnicos, complementação de documentos e itens da planilha orçamentária para que, finalmente, sejam obtidos recursos e feita a obra. A expectativa é de que, ao ficar pronta, o templo volte a reunir as comunidades rurais e a ter seus cultos. “Ela sempre foi bem dinâmica”, resume Graça.

História e lendas

 

Todas as peças sacras, como as imagens, foram retiradas do templo, que já foi saqueado e está envolto em muitas lendas: alguns afirmam ter existido, no seu interior, uma imagem de São Sebastião de 1,5 metro. O certo mesmo é que, há alguns anos, foi encontrado um andor, virado, num canto da igreja. Ao colocá-lo na posição normal, os fiéis encontram um santo preso a ele, com o nome de Manoel Pereira Maia e o ano de 1883. Mesmo degradada, a capela é um dos ícones culturais de Paracatu, nascido no início do século 18, com o nome de São Luiz e Santana das Minas do Paracatu. O município de cerca de 84 mil habitantes tem sua história vinculada ao movimento das bandeiras que corriam a região em busca de ouro. Antes de 1730, já ocorria a povoação do primitivo arraial. De acordo com as pesquisas, foi em 20 de outubro de 1798 que um alvará da rainha de Portugal Dona Maria I (1734-1816) elevou o local à categoria de Vila de Paracatu do Príncipe. Já à de cidade se deu em 1840.


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