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Estado de Minas

Vítimas da tragédia de Mariana têm futuro incerto e ainda preso à lama

Quase dois meses após o rompimento da Barragem do Fundão, moradores de Bento Rodrigues e de Paracatu de Baixo permanecem sem saber como vão retomar suas vidas e temem o pior


postado em 03/01/2016 11:00 / atualizado em 03/01/2016 08:40

O produtor rural Livaldo aponta o local onde antes havia uma cachoeira no Rio Gualaxo do Norte(foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
O produtor rural Livaldo aponta o local onde antes havia uma cachoeira no Rio Gualaxo do Norte (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)

Mariana – “Passei o Natal e o fim de ano quebrado. Não sei o que vai acontecer”, lamenta o produtor rural Livaldo Marcelino, de 39 anos. Morador de Paracatu de Baixo – distrito de Mariana devastado pela lama de rejeitos proveniente da Barragem do Fundão, da mineradora Samarco, rompida há quase dois meses –, Livaldo não se mudou para um hotel nem para uma casa alugada, pois precisa cuidar dos sete porcos e nove vacas leiteiras que cria em um sítio em frente ao Rio Gualaxo do Norte e de onde tira seu sustento. “Perdi o chiqueiro, o curral, as cercas e uma represa cheia de tilápias”, lista parte dos prejuízos que teve. Livaldo perdeu também a vista que tinha da janela, uma bela cachoeira, cercada de pés de manga, e até uma praia fluvial onde as pessoas iam tomar banho. Tudo foi levado pela lama.

Livaldo acorda todo dia às 4h para tirar leite e luta para não perder a esperança, apesar de não saber como será seu futuro nem o que esperar deste ano. Assim como ele, moradores atingidos pela lama da Samarco vivem em uma espécie de limbo temporal. Tiveram o passado destruído e não conseguem planejar o futuro, pois não sabem quanto tempo permanecerão nas casas alugadas, se suas comunidades serão reconstruídas e se poderão recuperar suas memórias mais felizes. “O pessoal chamava aqui de Cachoeira do Raimundo da Ponte, que era o nome do meu avô”, lembra Livaldo, observando pela janela o cenário destruído pela lama.

A agente de saúde Cláudia de Fátima Alves, de 34, faz parte da comissão de 13 pessoas de Bento Rodrigues eleitas para representar a comunidade nas tratativas com a Samarco e com os entes do poder público. “Os moradores questionam que muitos cartões para a retirada da ajuda financeira mensal não chegaram”, explica Cláudia. Ela entende que algumas informações erradas passadas pelos moradores e cadastradas pela Samarco provocam a demora. O cartão dá direito ao benefício mensal de um salário mínimo por família, mais 20% para cada dependente.
Cláudia de Fátima hoje vive com mais quatro pessoas numa casa alugada pela mineradora Samarco(foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
Cláudia de Fátima hoje vive com mais quatro pessoas numa casa alugada pela mineradora Samarco (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)

Além disso, foi acertado, com a mediação do Ministério Público, que as famílias receberiam R$ 10 mil para poder recomeçar a vida e mais R$ 10 mil como adiantamento da indenização. As famílias que perderam parentes receberão R$ 100 mil. No total, foram 19 vítimas, com 17 mortos e dois desaparecidos. O prazo estabelecido para que esse dinheiro chegue aos moradores é 31 de janeiro.

Outra preocupação dos moradores, segundo Cláudia, é quanto aos automóveis que foram levados pela lama. “Muita gente precisa dos carros para trabalhar”, explica. Os moradores estão preocupados com a quitação do IPVA, DPVAT e taxa de licenciamento, impostos que precisam ser pagos agora em janeiro. “Foi orientado que eles fizessem um boletim de ocorrência para que a promotoria ajuíze uma ação coletiva para evitar que eles tenham que pagar os impostos”, detalha.

Cláudia e a família ficaram pouco mais de um mês morando em um hotel até se mudarem para uma casa de três quartos. Ela mora junto com o pai, a mãe, uma irmã e o sobrinho. Na casa onde viviam, em Bento Rodrigues, eram quatro quartos, além de um charmoso espaço externo, com uma varanda repleta de plantas penduradas em arranjos feitos com pneus, local onde realizavam as confraternizações da família.

RECONSTRUÇÃO A próxima reunião da comissão de moradores será na terça-feira – quando se completam dois meses do rompimento da barragem. Cláudia relata que a Samarco contratou uma empresa especializada em reconstrução de comunidades e na apresentação foi destacado que os moradores precisam participar ativamente. “O ideal, segundo eles falaram, é dividir em grupos de trabalho, com participação dos moradores. Para escolher sobre a arquitetura, o terreno e as indenizações. A comunidade tem que ajudar, pois, se não colaborarmos, vamos ficar 10 a 15 anos esperando em Mariana”, afirma.

O desalento, porém, vence a esperança de Romeu Geraldo, de 39. No último dia do ano passado ele perdeu o emprego, pois o contrato que tinha para trabalhar como mecânico montando correias de transporte de minério em uma empresa terceirizada na área de mineração da Samarco foi rescindido. Romeu não vai mais receber o salário de R$ 1,6 mil ao mês e somará ao prejuízo a casa que foi perdida, além da sorveteria da família, em Paracatu de Baixo. “Era toda arrumada. Tinha dois freezers, máquina de fazer sorvete e batedeira industrial”, descreve o local, que, segundo Romeu, garantia a maior parte da renda da família.

A casa, a sorveteria e o emprego de Romeu ficaram no ano passado. A angústia do pai de dois filhos – um de 14 anos e uma de 11 – é imensa e, morando em uma casa alugada até não sabe quando, ele não consegue vislumbrar um futuro feliz. “Passam mil coisas na cabeça. Não sei o que vai acontecer. É difícil demais. Tinha tudo e agora não tenho nada. Estamos morando de favor, mas não sabemos até quando”, reclama.


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