(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

Destruído há seis anos por um incêndio, casarão de 1884 é reconstruído em Venda Nova

Imóvel vai se transformar em centro de memória. Prédio anexo vai receber 440 crianças de Umei


postado em 16/05/2013 06:00 / atualizado em 16/05/2013 06:43

Reforma da casa, que custou R$ 5,5 milhões, termina em junho e reconstituiu padrões e estilo original da obra, anterior à inauguração da capital(foto: Marcos Michelin/EM/D.A.Press)
Reforma da casa, que custou R$ 5,5 milhões, termina em junho e reconstituiu padrões e estilo original da obra, anterior à inauguração da capital (foto: Marcos Michelin/EM/D.A.Press)

Um imóvel do fim do século 19, construído nos tempos de Curral del-Rei, renasce num dos pontos mais agitados da Região de Venda Nova, em Belo Horizonte. Chamado de Casarão, Casa Grande e mais recentemente de Casa Azul, o sobrado na Rua Boa Vista, nº 11, esquina com a Rua Padre Pedro Pinto e Avenida Álvaro Camargos, será inaugurado em julho para ser Centro de Referência da Memória, com exposições e acervo histórico, sala de reuniões e diretoria de uma unidade municipal de educação Infantil (Umei), construída num terreno anexo de 5 mil metros quadrados.

Destruído pelo fogo em 2007, o sobrado lembra em sua trajetória a mitológica fênix, ave grega que ressurgiu das cinzas e conseguia, com sua força, transportar cargas pesadas. Em tom bem mineiro, a moradora Lúcia César Santos, de 78 anos, que batalhou ao lado da comunidade para ter de volta o ícone arquitetônico, revela com alegria e alívio: “Ficou muito bonito, estou satisfeitíssima. Parece até mais belo do que antes e vai durar muito.”

O movimento é constante na obra, tanto no casarão, tombado pelo município há 10 anos, quanto na Umei Venda Nova, com previsão de término em 15 de junho. Operários plantam grama, dão retoques na pintura, soldam o coneplay, uma estrutura em forma de pirâmide metálica e marca registrada dessas unidades de educação, limpam as rampas de acessibilidade. Com projeto dos arquitetos da prefeitura Marcelo Amorim, Silvana Lamas e Daniela Mascarenhas, a recuperação da “fênix de Venda Nova” começou em outubro de 2011 e custou R$ 5,5 milhões aos cofres municipais.

A obra está sob comando da Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap), vinculada à Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura. “Com o incêndio, não restou nada. Tivemos de fazer um trabalho de reconstrução da casa baseado em fotografias e documentos, além de outros levantamentos. O objetivo foi ser totalmente fiel ao original”, afirma o arquiteto Marcelo Amorim, que esteve ontem na casa, de 120 metros quadrados, com sua equipe e acompanha a reta final dos trabalhos.

AZUL COLONIAL Residente há 62 anos em Venda Nova, a maior parte na Rua Boa Vista, Lúcia César não se considera nem historiadora nem pesquisadora. Em casa, debruçada sobre caixas com fotos, folhas amareladas pelo tempo, mapas do século 18, recortes de jornais e outros registros, ela diz com humildade: “Sou apenas uma juntadora de papéis. Estudei até o curso científico (ensino médio), não fiz faculdade de história”. Mas bastam dois minutos de prosa com a senhora simpática e despachada para ver que ela sabe tudo sobre Venda Nova e veste a camisa da região. “O memorial e arquivo vão ocupar duas salas no casarão. Já doei a maior parte do meu acervo fotográfico”, conta a moradora.

Lúcia César não entrava há mais de dois anos na Casa Grande, como prefere chamar a construção de paredes brancas e janelas no tom azul colonial, mesmo sendo ela tão próxima da sua residência. E fez isso ontem de bom grado. Para maior segurança, seguiu a orientação do engenheiro Marco Túlio Dornelas Araújo e usou um capacete branco. Caminhando com cuidado, apoiada numa bengala, ficou de olho em tudo e já foi logo perguntando pelos ladrilhos hidráulicos da varanda. Ao vê-los, abriu um sorriso e foi informada de que muitos foram reproduzidos, devido à degradação. Num cantinho, avistou um solitário e Marco Túlio explicou que a peça já tem lugar reservado no piso.


EM SEIS TEMPOS
1884 – O casarão da Rua Boa Vista é construído pelo mestre Luiz Daniel Cornélio da Cerqueira, político, professor e delegado de Curral del-Rei
1916 – Com a morte do mestre Luiz Daniel, o casarão teria ficado em poder de suas duas sobrinhas e depois vendido, tendo ao longo do século 20 várias serventias
2003 – Em 11 de março, o imóvel é tombado pelo Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município de Belo Horizonte. O tombamento definitivo é publicado no Diário Oficial do Município (DOM) de 20 de junho
2007 – Em 17 de julho, um incêndio destrói o casarão, deixando-o em ruínas. Na época, pertencia a particulares
2007 – Em 23 de novembro, é publicado decreto no DOM declarando o casarão de utilidade pública para desapropriação. O objetivo é sediar ali o Centro de Memória Regional
2011 – Em 18 de outubro, começam as obras de reconstituição do imóvel pela Sudecap, vinculada à Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura

Escada de pedra acolhe visitantes

Na entrada da casa, construída pelo mestre Luiz Daniel Cornélio da Cerqueira em 1884, foi mantida a escada de pedra e, aberta a porta, a visitante se surpreende com um pedaço da parede em pau a pique. Na verdade, segundo o arquiteto Marcelo Amorim, não se trata de algo remanescente da época da edificação, mas uma amostra do sistema de construção do fim do século 19. Piso de madeira, forro pintado de branco, grades trabalhadas e luminárias verdes dão mais charme ao espaço e valor à memória de Venda Nova, que tem mais de 300 anos e já pertenceu a Curral del-Rei, Sabará e até a Ribeirão das Neves.

O espaço da Umei Venda Nova, quase pronta para receber 440 crianças em horário integral, despertou na mesma intensidade o interesse de Lúcia César. Diante do coneplay – tradicionalmente, nas outras unidades, fica sobre a caixa-d’água, mas nessa, será para recreação –, ela observou os operários trabalhando na estrutura metálica e viu os brinquedos no interior da torre pontiaguda.

A unidade será composta por dois pavimentos, com área coberta para recreio, playground, estacionamento, cozinha, área de serviço, despensas, vestiários para funcionários, sanitários para o público, sanitários infantis, berçário, salas de atividades, repouso e de aulas, além de anfiteatro. De linhas modernas, faz um contraste harmonioso, sem impacto visual, com o prédio do fim do século 19. Da varanda da casa grande, vendo o movimento incessante de trânsito na Rua Padre Pedro Pinto, Lúcia César comentou: “Vi muitas transformações aqui, a região cresceu demais. Há, no bairro, mais duas casas anteriores à inauguração de BH, uma totalmente descaracterizada e outra bem conservada.”

(foto: Marcos Michelin/EM/D.A.Press)
(foto: Marcos Michelin/EM/D.A.Press)


MEMÓRIA: Ao som do piano
Nascida em 1934, no Bairro Calafate, Região Oeste de BH, viúva de um oficial da Aeronáutica e mãe de cinco filhas, Lúcia César (foto) tem na ponta da língua a história do casarão em estilo colonial, que foi sede da fazenda que deu origem ao primeiro loteamento da região. “O mestre Luiz Daniel Cornélio da Cerqueira era um homem de posses, muito importante em Curral del-Rei, onde foi delegado e professor. Favorável à mudança da capital de Ouro Preto, recebeu muito bem a comissão construtora de BH. Mas na hora da desapropriação dos imóveis, não concordou com a avaliação”, conta a moradora. A insatisfação foi tão grande que o homem resolveu comprar terras em Venda Nova e construiu a casa elegante, que tinha piano. Com a morte de Luiz Cornélio, em 1916, o casarão teria ficado em poder das sobrinhas e passado por vários donos. Na década de 1960, recebeu alunos do Grupo Escolar Santos Dumont, enquanto a escola era construída, depois foi um restaurante e voltou para as mãos de particulares, até pegar fogo, em 17 de julho de 2007, e ficar abandonado.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)