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Estado de Minas SOLIDARIEDADE EM FAMÍLIA

Pela primeira vez em 20 anos em BH, portador de síndrome de Down recebe rim doado pela mãe

Transplante ocorreu conforme previsto pelos médicos do Hospital Felício Rocho


postado em 24/10/2012 06:00 / atualizado em 24/10/2012 06:39

Keila Rose Vieira Gusmão acompanha o irmão, Cristiano, que recebeu um rim da mãe, Noeme (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press )
Keila Rose Vieira Gusmão acompanha o irmão, Cristiano, que recebeu um rim da mãe, Noeme (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press )


“Botou o rim?”, perguntou Cristiano Vieira Gusmão, apalpando o próprio abdômen. “Botou. Tá uma beleza! Você não vai mais precisar fazer diálise”, explicou o médico José de Resende Barros Neto, coordenador do Serviço de Nefrologia do Hospital Felício Rocho. Sonolento e fraco por causa dos sedativos, o paciente, de 23 anos, soltou um leve sorriso. Estava deitado em uma maca no Centro de Tratamento Intensivo (CTI), no início da tarde de ontem. Algumas horas antes, ele foi o primeiro portador de síndrome de Down a receber um órgão em Minas Gerais nos últimos 20 anos, pelo menos nas contas do MG Transplantes, central responsável por coordenar a política de transplantes de órgãos e tecidos no estado.

O novo rim de Cristiano foi retirado de sua mãe, Noeme Vieira Rocha Gusmão, de 57 anos. Desde junho, quando os médicos descobriram que o rapaz precisaria de um transplante para sanar sua insuficiência renal – os dois órgãos atuavam com menos de 10% do funcionamento normal –, mãe e filho se apressavam para realizar todos os exames prévios à cirurgia, como relatou o Estado de Minas em matéria publicada no dia 7 deste mês. Na manhã de ontem, tudo correu conforme o previsto, e os recém-operados passam bem. No entanto, os médicos ressaltam que Cristiano não foi curado: apenas começou um novo tratamento.

Cirurgia

No final da tarde de segunda-feira, Noeme e seu filho foram internados no quarto 432 da enfermaria do Felício Rocho e passaram a tomar medicamentos para evitar que o corpo do receptor rejeitasse o órgão que sua mãe lhe doaria. Cristiano estava tranquilo, mas queria saber qual seria o tamanho do corte que fariam em sua barriga. “Vai sair muito sangue? Vou sentir dor?”, perguntou. Durante a noite, ele passou por sua última diálise peritonial (pela barriga). Apesar do barulho da máquina que ajuda a filtrar seu sangue, conseguiu dormir à base de um calmante. Os olhos de Noeme, porém, quase não se cerraram. “Estou ansiosa”, explicou.

De manhã, antes de deixarem o quarto da enfermaria, os dois se abraçaram e beijaram. “Benza, mãe”, pediu Cristiano. “Estou doidinha para chegar logo o momento”, disse Noeme, empolgada. Foram levados em cadeira de rodas até o centro cirúrgico. No caminho, a mulher chorou. “É de alegria”, fez questão de esclarecer. Ficaram em quartos separados, mas vizinhos. Seriam operados por equipes diferentes, compostas por três cirurgiões e dois anestesistas. O procedimento em Noeme começou antes, por volta das 8h. Ela recebeu anestesia geral e adormeceu. Depois, os médicos fizeram um longo corte em seu abdômen e “limparam” o órgão dos tecidos à sua volta. Para extraí-lo, cortaram os três “tubos” que o prendiam ao corpo: a artéria e a veia renais, além do ureter, canal que transporta a urina à bexiga.

O rim, então, foi posto em um recipiente com uma solução gelada, usada para conservá-lo, e foi transportado até o quarto vizinho, onde estava Cristiano, sedado e desfalecido. A outra equipe médica já havia começado, por volta das 10h, a preparar a parte inferior da cavidade abdominal do rapaz, para acomodar o novo “morador”. “Anatomicamente, é uma região mais propícia. É mais fácil de ligar o rim à bexiga e de manipular os vasos, mais expostos”, explicou o cirurgião Ricardo Gontijo, coordenador do pessoal que, calmamente, como se apenas repetisse algo rotineiro, operou Cristiano. Os vasos a que se refere Gontijo são os ilíacos, que, após serem ligados ao órgão, fazem-no corar novamente, irrigado com sangue. Por último, o rim foi conectado à bexiga por meio do trecho de ureter trazido da doadora. Os rins “antigos”, inofensivos e quase inoperantes, continuaram onde sempre estiveram.

Novo tratamento

Ao meio-dia, a operação de Cristiano foi encerrada. Do lado de fora, duas pessoas ansiavam por notícias. A fisioterapeuta Keila Vieira Gusmão, de 29 anos, é a única mulher da prole de Noeme. Já Maria Aparecida Luiza Vieira, de 52, é irmã da doadora. “Essa noite eu nem dormi, de tanta preocupação. Os parentes ligam a toda hora”, disse Maria. De repente, uma maca saiu do centro cirúrgico. “Ai, ai. Tá doendo”, ouviu-se a voz de Cristiano. Diante do semblante aflito de Keila, o anestesista Leonardo Padovani explicou que não era dor que ele sentia, já que havia tomado morfina. É que ele sentia uma vontade irresistível de urinar, devido a uma estreita sonda ligada à sua bexiga por meio da uretra. Ao mesmo em que media a quantidade de urina produzida pelo rapaz, a sonda servia para deixar livre o fluxo do líquido e diminuir a pressão dele sobre a bexiga, evitando que os pontos do ureter se rompessem.

Cristiano foi levado ao CTI, onde ficaria por no máximo 24 horas, se tudo corresse conforme o esperado. Já Noeme foi transportada de volta ao quarto 432 da enfermaria. Segundo os médicos, ela deve receber alta amanhã. Já o rapaz fica no hospital por seis ou sete dias. A partir de agora, ele ficará tomando doses diárias de medicamentos imunossupressores pelo resto da vida, para reduzir as chances de o corpo rejeitar o novo rim. No primeiro ano pós-cirurgia, terá que realizar exames de sangue e urina uma vez por mês. No segundo ano, os exames passam a ser bimestrais. E a partir do terceiro ano, trimestrais.

Os médicos precisam se assegurar também de que, com o nível de imunidade mais baixa que o normal, o paciente não favoreça o desenvolvimento de infecções ou outros efeitos colaterais, como doenças cardiovasculares. “Depois do transplantes, alguns acham que se livraram do problema. Na verdade, é o início de outro tipo de tratamento, com mais expectativa de vida, tanto em quantidade quanto em qualidade”, observa Gontijo. Apesar de ter tomado sedativos, Noeme ainda sentia dores no final da tarde de ontem. O mais importante, porém, é que a vida do filho melhoraria dali em diante. Com lágrimas caindo lentamente pelo rosto, suspirou: “Estou aliviada demais”.


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