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Estado de Minas

Cinco vilas resistem como oásis à especulação imobiliária em BH

Sem tombamento pelo patrimônio histórico municipal, cinco vilas de Belo Horizonte são conservadas apenas por vontade de seus moradores, que recusam qualquer oferta


postado em 22/10/2012 06:45 / atualizado em 22/10/2012 07:09

Dona Yara e Liliane, vizinhas na Vila Beltrão, dizem que nada paga a tranquilidade que têm dentro do espaço:
Dona Yara e Liliane, vizinhas na Vila Beltrão, dizem que nada paga a tranquilidade que têm dentro do espaço: "Quando alguém viaja, a gente cuida das plantas, vigiamos a casa", diz Liliane (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)

De um lado, um prédio em construção que tampou a visão do relógio da prefeitura. De outro, uma fábrica de roupas que funciona até de madrugada. Na frente, uma faculdade de engenharia e carros que passam sem parar pela Rua Aquiles Lobo, no Bairro Floresta, em Belo Horizonte. Embaixo, um comércio movimentado, com oficina e lojas variadas. E ao lado está, tão escondida, uma escada escura fechada por portão de grade. Subindo os poucos degraus, chega-se, dentro da capital, a um lugar de tranquilidade. O barulho continua bem perto, nada ensurdecedor, mas o ar de interior impera na Vila Barbacena. São 13 casas, um corredor largo e uma área de convivência. Espaços como esse, onde famílias moram, jovens se relacionam fora das redes sociais, crianças brincam de bola sem medo dos carros, pássaros procuram descanso nas árvores, estão escassos, mas resistem por vontade dos habitantes.

Como a vila do Edifício Barbacena existem seis em Belo Horizonte – apenas uma é tombada –, segundo registros da prefeitura. Recentemente a capital perdeu duas de suas ilhas de calmaria, destruídas para a construção de prédios. Uma delas, a Vila Inhá, na Rua Floresta, tem a casa principal e o arco tombados pelo patrimônio. Hoje, eles são a entrada do Edifício Portal da Vila. Outra, a Gasparini, na Rua dos Otoni, 318, no Santa Efigênia, acabou há poucos meses. Ela não era protegida. Moradores do entorno contam que o lugar, tão aconchegante e muitas vezes aberto a visitação, era de uma única família. Com o tempo, as residências foram vendidas e logo os moradores decidiram se desfazer de tudo.

A mais famosa das vilas de BH é também a única tombada pelo patrimônio municipal: a Vila Werneck. Entre dois prédios grandes, em frente a uma academia de ginástica e ao lado de cursinhos pré-vestibulares, ela está bem no Centro da capital. Mas muitos que passam ali pela Rua Guajajaras não percebem que o portão do número 619 leva a um espaço peculiar. É só seguir a ruela de calçamento e chegar a um conjunto de 12 casas pintadas com cores vivas e uma praça. Os carros ficam na rua, sem riscos, cada um em frente à residência de seu dono. Não há garagem, as rodas ocupam o passeio, sem perigo de multa. Um pouco do tumulto do lado de fora chega lá dentro por meio dos estabelecimentos comerciais. Hoje, a Vila Werneck tem um consultório de psicanálise, uma agência de publicidade, um escritório de advocacia, um restaurante de comida macrobiótica e o escritório de uma empresa de telefonia.

Segundo Ismael Andrade, historiador da Fundação Municipal de Cultura (FMC), as vilas representam um modo de viver e uma organização social característica de uma época. Se os moradores quiserem a proteção por meio do tombamento, é preciso que eles enviem um pedido ao Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município de Belo Horizonte (CDPCM-BH). De acordo com Andrade, assim eles teriam benefícios como isenção do IPTU. “O tombamento garantiria uma força maior frente à especulação imobiliária e preservaria, de maneira mais consistente, as características dos imóveis”, afirmou. A mais antiga, para o historiador, é a Bracarense. A Gasparini, segundo ele, teve demolição aprovada pelo conselho por já estar bastante descaracterizada.

Cumplicidade
Selma Melo, de 65 anos, mora na Werneck desde 1972, quando veio de Montes Claros junto com o marido, Ivan, de 72. Na época, recorda, eram 19 crianças brincando na rua. Ao seu redor não tinha prédios como hoje. “Meus filhos brincaram muito aqui, a gente fazia festa de Natal, as famílias eram unidas”, lembra. O lugar foi criado em 1943 e em 1994 recebeu o título de patrimônio histórico e arquitetônico de Belo Horizonte. O tombamento inviabiliza a destruição das casas. Mesmo assim, a moradora conta que ninguém quer ver isso acontecer. “Sempre aparece gente querendo morar aqui, mas ninguém quer sair e ir para um apartamento, por exemplo”, disse. Lá na Barbacena, no Bairro Floresta, que não é tombada pelo patrimônio, Mônica Moreira Meniconi, de 54, gosta de se reunir com a vizinha Helena na escada. Elas se sentam no degrau, conversam sem ver o tempo passar e pretendem fazer isso por um bom tempo. Trabalham fora, andam a pé pela cidade, mas gostam mesmo é de bater papo na porta de casa. Mônica se sente no interior. “É um lugar privilegiado. Daqui eu via o relógio da prefeitura, acordava, saía na porta, olhava para o lado e via as horas. O prédio tampou a visão, mas aqui continua com esse clima gostoso de cidade pequena”, diz.

Bracarense

As casas foram construídas, segundo moradores, há uns 110 anos – apenas cinco anos a menos que a capital. A residência principal tem janelas para a Rua Sapucaí, no Bairro Floresta. Ao subir a rua estreita de calçamento, outras residências, uma grudada à outra. O barulho do Centro e da Avenida do Contorno, bem ao lado, não ficam só para fora. Ali, na Vila Bracarense, local indicado para tombamento, mas ainda sem qualquer proteção do patrimônio, está a história completa de uma família. São seis residências no total, duas alugadas e as restantes ocupadas pelos Bracarense. O terreno de 600 metros quadrados já foi avaliado em mais de R$ 2,5 milhões, mas são tantos herdeiros que fica difícil fazer qualquer divisão. Lá dentro, os primos Maria Eugênia, de 69, e João Luiz, de 74, se recordam da infância vivida em um local tranquilo e espaçoso. “No Dia de Santo Antônio minha mãe fazia uma fogueira no espaço em frente às casas para as crianças pularem.” “Aqui era muito tranquilo”, diz Maria Eugênia.

Vila Beltrão: um lugar sem preço

O pai de dona Yara Beltrão Campos, de 72 anos, chegou à Rua Padre Marinho, no Bairro Santa Efigênia, há mais de 80 anos, vindo de Caeté, na região metropolitana. Construiu uma casa grande para morar com a família e uma fábrica de cera ao lado para trabalhar. Aos poucos, ele fez outras sete casas para alugar. Com o dinheiro, conta Yara, ela e as irmãs iam para a escola, o Colégio Imaculada, de ônibus, um conforto na época. Os filhos foram crescendo e aos poucos ocupando as casas. São nove pela entrada da Rua Padre Marinho e mais cinco que têm acesso pela Rua dos Otoni, formando a Vila Beltrão.

O marido de Yara, o aposentado Júlio Campos, de 75, revela que o lugar tem 4 mil metros quadrados e no auge da valorização imobiliária em Belo Horizonte foram oferecidos R$ 10 mil para cada metro quadrado. Mesmo diante do alto valor, eles não abriram mão do aconchego. “Aqui não tem preço”, disse. A vila não está sob proteção do patrimônio histórico municipal nem é indicada para tombamento. “Pretendemos conservar do nosso jeito, não queremos que seja tombado. Tudo foi modificado e não é mais o original”, contou. “Tive uma infância inesquecível aqui. É uma tranquilidade que nem todo mundo tem”, conta Sara Soares Beltrão, de 67, irmã de Yara.

Antes de se mudar para a Vila Beltrão, há 12 anos, Liliane Torres Debrot, de 52, morou em um apartamento no Bairro Serra. Um dia, ela e o marido passaram em frente à vila, olharam, anotaram um telefone e, por sorte, conseguiram uma casa para alugar. Nunca mais saíram do aconchego. Ela e Yara são grandes amigas. Emprestam vasilhas uma para a outra, pedem ovos e açúcar emprestado, conversam muito na grama quando o sol se esconde. “Quando alguém viaja, a gente cuida das plantas, vigiamos a casa. Essa cumplicidade não existe mais na capital.”

AS VILAS DA CAPITAL:


Tombadas:
– Vila Werneck, na Rua Guajajaras
– Vila Inhá, na Rua Floresta (destruída, só restou o arco)

Indicadas para tombamento:
– Vila Bracarense, na Rua Sapucaí
– Vila Ivone, na Rua Hermilo Alves
– Vila na Rua Itapecerica
– Vila Gasparini, na Rua dos Otoni (destruída)

Não estão sob proteção do patrimônio:
– Vila Beltrão, na Rua Padre Marinho
– Vila do Edifício Barbacena, na Rua Aquiles Lobo

Fonte: Diretoria de Patrimônio Cultural da Prefeitura de Belo Horizonte


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