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Estado de Minas

Mulheres com doenças crônicas dão lição da incurável vontade de viver


postado em 16/07/2012 07:04 / atualizado em 16/07/2012 07:14

Faço questão de manter meu senso de honestidade e justiça. Sou até chata com isso. Quem está doente é o meu corpo, não sou eu - Arilma Alevato Sabino Alves, de 47, relações-públicas(foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
Faço questão de manter meu senso de honestidade e justiça. Sou até chata com isso. Quem está doente é o meu corpo, não sou eu - Arilma Alevato Sabino Alves, de 47, relações-públicas (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)

A relações-públicas Arilma Alevato Sabino Alves, de 47 anos, a artesã Cristina Lemos Lohner, de 39, e a pedagoga Gimeni Alkmim, de 47, moram em diferentes pontos do estado – Nova Lima, Passos, no Sul, e Belo Horizonte, respectivamente –, mas vivem um drama parecido. As três mulheres nasceram com uma espécie de bomba-relógio dentro do corpo, que pode explodir a qualquer momento. A primeira é portadora de esclerose múltipla; a segunda, de fibrose cística; e a terceira, de mieloma múltiplo. Todas são doenças crônicas, progressivas e, até agora, sem cura conhecida. Mas elas não se deixam abater pelo diagnóstico. Ao contrário. Guerreiras, demonstram vontade de vencer e dão uma verdadeira prova de coragem.

Portadoras de doenças raras, que acometem 1 em 1 milhão de pessoas no país, na média brasileira, Cristina, Arilma e Gimeni foram escolhidas na loteria da vida. Quando engravidou, no susto, Cristina Lohner era a segunda paciente no Brasil com fibrose cística a atingir a idade adulta e ser capaz de gerar filhos. Sua gravidez foi cercada de cuidados. Hoje com 10 anos, Alexandre explica o que a mãe tem: “Minha mãe nasceu com uma doença que afeta os pulmões (o gene defeituoso produz secreção espessa) e ela tem de visitar o médico diariamente. Às vezes eu a chamo para brincar comigo, mas ela não pode porque está fazendo inalação ou saindo para trabalhar. Mas ela sempre arranja tempo para mim.”

Cristina está prestes a completar 40 anos, marca delicada para a maioria das mulheres. Menos para ela, que havia sido desenganada na infância. “Na verdade, é bom a gente saber que está durando tanto. Minha irmã mais nova, que tinha a doença, morreu aos 25. Já estou com quase 15 anos a mais do que ela”, calcula. Ela não se preocupa em fazer festa de aniversário. “Meu médico comemora mais do que eu. Procuro levar as coisas de forma natural e nunca deixo a doença em primeiro plano. Senão você vive a doença em vez da vida. Tem de ter espaço para as duas”, ensina. Além das inalações diárias, ela faz fisioterapia respiratória três vezes por semana e controle médico a cada seis meses na capital, com baterias de antibióticos.

Até terapia me sugeriram. Quando finalmente descobri o que tinha, meu marido envelheceu 10 anos e eu fiquei aliviada. Disse a ele que agora haviam achado a causa e que eu iria ficar bem - Gimeni Alkmin, de 47, pedagoga(foto: Cristina Horta/EM/D.A Press)
Até terapia me sugeriram. Quando finalmente descobri o que tinha, meu marido envelheceu 10 anos e eu fiquei aliviada. Disse a ele que agora haviam achado a causa e que eu iria ficar bem - Gimeni Alkmin, de 47, pedagoga (foto: Cristina Horta/EM/D.A Press)


PARALISIA

Diagnosticada com esclerose múltipla em 2003, em grau avançado, Arilma percebeu os primeiros sinais da paralisia progressiva ao levar um tombo. Em curto espaço de tempo, passaria a usar muleta, depois duas muletas e já está avaliando a necessidade de andar sobre rodas. Está perdendo os movimentos, mas não o humor. Arilma costuma dizer que tem 47 anos, mas “com um corpinho de 67”. “Enquanto tiver a última sinapse de cognição no meu cérebro, vou continuar lutando. Enquanto puder raciocinar e tiver discernimento entre o que é certo e errado, não vou me deixar abater. Faço questão de manter meu senso de honestidade e justiça. Sou até chata com isso. Quem está doente é o meu corpo, não sou eu”, diz Arilma, se esforçando para manter um tom sério na conversa.

Arilma segue as recomendações de sua médica, a neurologista Elizabeth Regina Comini Frota, ex-presidente da Sociedade Mineira de Neurologia. Aos pacientes, que a tratam simplesmente por Beth, a médica se apresenta como aliada e repete para “nunca perder a esperança, para se manter ativa física e mentalmente, procurar sempre pensar no que pode fazer agora e nunca no que deixou de fazer e ter fé na ciência, porque nunca se pesquisou tanto em esclerose múltipla e outras doenças autoimunes como agora”.

Aos casos mais complexos, como o de Arilma, que é parte de 2 mil pacientes no mundo portadores de esclerose múltima em grau elevado, a doutora Beth oferece uma metáfora que pode ajudar nos momentos de maior aflição: “A doença é como se fosse um muro na vida dos pacientes. Se ficarem somente encostados nesse muro, pensando no que poderiam fazer se o muro não estivesse lá, eles nunca vão ver os caminhos possíveis para contorná-lo, nunca vão olhar para outros lados e ver outras belezas que ainda podem ver. Ou seja, a doença não deve ser o centro da vida deles. Na maioria das vezes isso é muito difícil, porque a doença e o tratamento são penosos, mas vejo muitas histórias bonitas de tentativas de superação, como a da Arilma”.

AJUDA

Aposentada por invalidez pelo INSS, com ganho mensal de dois salários mínimos, Arilma conta com a ajuda de bons amigos para se locomover pela cidade, onde compra briga com a Previdência, com os cartões de crédito, com as farmácias. Não desiste nunca. “Outro dia, decidi lavar as vasilhas em casa e faltava um copo para acabar. Meu corpo estava pedindo arrego, mas fui até o fim. No dia seguinte nem levantei da cama, mas consegui terminar”, comemora.

A mesma atitude persistente teve em relação ao tratamento indicado para a esclerose múltipla, que provoca focos de inflamação no cérebro e na medula espinhal, produzindo sintomas como paralisias, falta de sensibilidade e equilíbrio para andar. Em 2008, Arilma chegou a ser indicada para tentar o transplante de células-tronco em Ribeirão Preto (SP), que representa uma renovação do sistema imunológico e pode controlar a doença. Mas a logística para ir a SP foi muito difícil e ela não conseguiu providenciar a tempo. Agora, existem outros tratamentos de ponta que devem ser tentados. “Poderia ter um clone só para sentir as dores para mim. Com o resto eu me viro.”

É bom a gente saber que está durando tanto. Minha irmã mais nova, que tinha a doença, morreu aos 25. Já estou com quase 15 anos a mais do que ela - Cristina Lemos, de 39, artesã(foto: Arquivo Pessoal )
É bom a gente saber que está durando tanto. Minha irmã mais nova, que tinha a doença, morreu aos 25. Já estou com quase 15 anos a mais do que ela - Cristina Lemos, de 39, artesã (foto: Arquivo Pessoal )


Um café para fazer amigos

“Vivo como se tivesse uma adaga sobre a cabeça”, define a pedagoga Gimeni Motta de Alkmim Fernandes, portadora de mieloma múltiplo, câncer na medula óssea que afeta células do sangue. Embora faça sessões quase que diárias de quimioterapia, Gimeni encontrou tempo e disposição para organizar o Café & Acolhimento, que reúne amigos e familiares de pacientes para tomar um café e falar de medos, sonhos, tratamentos, morte, dor e alegrias. Os encontros mensais serão marcados pelo e-mail alegriasacolhimentomelomamultilo@yahoo.com.br.

Há três anos, Gimeni tem a certeza do seu diagnóstico. Desde os 22 anos, porém, sentia que havia algo errado no próprio organismo, que sentia cansaço exagerado, a ponto de precisar deitar ao voltar do supermercado antes de subir com as compras. Ela vivia gripada, com sinusite e dores de cabeça, que chegava a durar de três a quatro dias. Os médicos consultados suspeitaram primeiro de anemia, depois de medula preguiçosa, até detectar o câncer em 2009, quando a paciente estava com 44 anos.

“Até terapia me sugeriram. Quando finalmente descobri o que tinha, meu marido envelheceu 10 anos e eu fiquei aliviada. Disse a ele que agora haviam achado a causa e que eu iria ficar bem”, explica Gimeni, que conta com parceria incondicional do professor universitário Gounnersomn Luiz Fernandes , o Gou, de 50 anos. Com o apoio do marido, Gimeni fez o autotransplante de medula óssea em fevereiro de 2010. Em menos de um ano, porém, a doença voltou. Desde então, Gimeni está em quimioterapia intensa com medicamentos disponíveis no Brasil, mas o câncer continua em progressão.

A doença atinge a cada ano 18 mil brasileiros. Agora, ela e outros pacientes aguardam aprovação da gratuidade do medicamento Revlimid (lenalidomida), que custa R$ 23 mil por mês


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