A relações-públicas Arilma Alevato Sabino Alves, de 47 anos, a artesã Cristina Lemos Lohner, de 39, e a pedagoga Gimeni Alkmim, de 47, moram em diferentes pontos do estado – Nova Lima, Passos, no Sul, e Belo Horizonte, respectivamente –, mas vivem um drama parecido. As três mulheres nasceram com uma espécie de bomba-relógio dentro do corpo, que pode explodir a qualquer momento. A primeira é portadora de esclerose múltipla; a segunda, de fibrose cística; e a terceira, de mieloma múltiplo. Todas são doenças crônicas, progressivas e, até agora, sem cura conhecida. Mas elas não se deixam abater pelo diagnóstico. Ao contrário. Guerreiras, demonstram vontade de vencer e dão uma verdadeira prova de coragem.
Portadoras de doenças raras, que acometem 1 em 1 milhão de pessoas no país, na média brasileira, Cristina, Arilma e Gimeni foram escolhidas na loteria da vida. Quando engravidou, no susto, Cristina Lohner era a segunda paciente no Brasil com fibrose cística a atingir a idade adulta e ser capaz de gerar filhos. Sua gravidez foi cercada de cuidados. Hoje com 10 anos, Alexandre explica o que a mãe tem: “Minha mãe nasceu com uma doença que afeta os pulmões (o gene defeituoso produz secreção espessa) e ela tem de visitar o médico diariamente. Às vezes eu a chamo para brincar comigo, mas ela não pode porque está fazendo inalação ou saindo para trabalhar. Mas ela sempre arranja tempo para mim.”
Cristina está prestes a completar 40 anos, marca delicada para a maioria das mulheres. Menos para ela, que havia sido desenganada na infância. “Na verdade, é bom a gente saber que está durando tanto. Minha irmã mais nova, que tinha a doença, morreu aos 25. Já estou com quase 15 anos a mais do que ela”, calcula. Ela não se preocupa em fazer festa de aniversário. “Meu médico comemora mais do que eu. Procuro levar as coisas de forma natural e nunca deixo a doença em primeiro plano. Senão você vive a doença em vez da vida. Tem de ter espaço para as duas”, ensina. Além das inalações diárias, ela faz fisioterapia respiratória três vezes por semana e controle médico a cada seis meses na capital, com baterias de antibióticos.
PARALISIA
Diagnosticada com esclerose múltipla em 2003, em grau avançado, Arilma percebeu os primeiros sinais da paralisia progressiva ao levar um tombo. Em curto espaço de tempo, passaria a usar muleta, depois duas muletas e já está avaliando a necessidade de andar sobre rodas. Está perdendo os movimentos, mas não o humor. Arilma costuma dizer que tem 47 anos, mas “com um corpinho de 67”. “Enquanto tiver a última sinapse de cognição no meu cérebro, vou continuar lutando. Enquanto puder raciocinar e tiver discernimento entre o que é certo e errado, não vou me deixar abater. Faço questão de manter meu senso de honestidade e justiça. Sou até chata com isso. Quem está doente é o meu corpo, não sou eu”, diz Arilma, se esforçando para manter um tom sério na conversa.
Arilma segue as recomendações de sua médica, a neurologista Elizabeth Regina Comini Frota, ex-presidente da Sociedade Mineira de Neurologia. Aos pacientes, que a tratam simplesmente por Beth, a médica se apresenta como aliada e repete para “nunca perder a esperança, para se manter ativa física e mentalmente, procurar sempre pensar no que pode fazer agora e nunca no que deixou de fazer e ter fé na ciência, porque nunca se pesquisou tanto em esclerose múltipla e outras doenças autoimunes como agora”.
Aos casos mais complexos, como o de Arilma, que é parte de 2 mil pacientes no mundo portadores de esclerose múltima em grau elevado, a doutora Beth oferece uma metáfora que pode ajudar nos momentos de maior aflição: “A doença é como se fosse um muro na vida dos pacientes. Se ficarem somente encostados nesse muro, pensando no que poderiam fazer se o muro não estivesse lá, eles nunca vão ver os caminhos possíveis para contorná-lo, nunca vão olhar para outros lados e ver outras belezas que ainda podem ver. Ou seja, a doença não deve ser o centro da vida deles. Na maioria das vezes isso é muito difícil, porque a doença e o tratamento são penosos, mas vejo muitas histórias bonitas de tentativas de superação, como a da Arilma”.
AJUDA
Aposentada por invalidez pelo INSS, com ganho mensal de dois salários mínimos, Arilma conta com a ajuda de bons amigos para se locomover pela cidade, onde compra briga com a Previdência, com os cartões de crédito, com as farmácias. Não desiste nunca. “Outro dia, decidi lavar as vasilhas em casa e faltava um copo para acabar. Meu corpo estava pedindo arrego, mas fui até o fim. No dia seguinte nem levantei da cama, mas consegui terminar”, comemora.
A mesma atitude persistente teve em relação ao tratamento indicado para a esclerose múltipla, que provoca focos de inflamação no cérebro e na medula espinhal, produzindo sintomas como paralisias, falta de sensibilidade e equilíbrio para andar. Em 2008, Arilma chegou a ser indicada para tentar o transplante de células-tronco em Ribeirão Preto (SP), que representa uma renovação do sistema imunológico e pode controlar a doença. Mas a logística para ir a SP foi muito difícil e ela não conseguiu providenciar a tempo. Agora, existem outros tratamentos de ponta que devem ser tentados. “Poderia ter um clone só para sentir as dores para mim. Com o resto eu me viro.”
Um café para fazer amigos
“Vivo como se tivesse uma adaga sobre a cabeça”, define a pedagoga Gimeni Motta de Alkmim Fernandes, portadora de mieloma múltiplo, câncer na medula óssea que afeta células do sangue. Embora faça sessões quase que diárias de quimioterapia, Gimeni encontrou tempo e disposição para organizar o Café & Acolhimento, que reúne amigos e familiares de pacientes para tomar um café e falar de medos, sonhos, tratamentos, morte, dor e alegrias. Os encontros mensais serão marcados pelo e-mail alegriasacolhimentomelomamultilo@yahoo.com.br.
Há três anos, Gimeni tem a certeza do seu diagnóstico. Desde os 22 anos, porém, sentia que havia algo errado no próprio organismo, que sentia cansaço exagerado, a ponto de precisar deitar ao voltar do supermercado antes de subir com as compras. Ela vivia gripada, com sinusite e dores de cabeça, que chegava a durar de três a quatro dias. Os médicos consultados suspeitaram primeiro de anemia, depois de medula preguiçosa, até detectar o câncer em 2009, quando a paciente estava com 44 anos.
“Até terapia me sugeriram. Quando finalmente descobri o que tinha, meu marido envelheceu 10 anos e eu fiquei aliviada. Disse a ele que agora haviam achado a causa e que eu iria ficar bem”, explica Gimeni, que conta com parceria incondicional do professor universitário Gounnersomn Luiz Fernandes , o Gou, de 50 anos. Com o apoio do marido, Gimeni fez o autotransplante de medula óssea em fevereiro de 2010. Em menos de um ano, porém, a doença voltou. Desde então, Gimeni está em quimioterapia intensa com medicamentos disponíveis no Brasil, mas o câncer continua em progressão.
A doença atinge a cada ano 18 mil brasileiros. Agora, ela e outros pacientes aguardam aprovação da gratuidade do medicamento Revlimid (lenalidomida), que custa R$ 23 mil por mês