(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

Grande BH registra três crimes sexuais contra crianças em 14 horas

Proporção de pelo menos um ataque do tipo por dia assume ares de epidemia


postado em 08/05/2012 06:00 / atualizado em 08/05/2012 07:08

O ex-juiz Mário José Pinto da Rocha, de 65 anos, nos fundos da delegacia, e sua última vítima (abaixo, à direita): condenado a 12 anos por estupro, o réu ganhou direito de recorrer em liberdade e tempo para voltar a abusar(foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
O ex-juiz Mário José Pinto da Rocha, de 65 anos, nos fundos da delegacia, e sua última vítima (abaixo, à direita): condenado a 12 anos por estupro, o réu ganhou direito de recorrer em liberdade e tempo para voltar a abusar (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)

Ofertas de balas, chocolates, brinquedos logo deixam para trás a aparência inocente e tentadora para assumir, diante do criminoso, o aspecto do abuso, da coerção e da violência. A conversa mansa rapidamente se transforma e prende a vítima em uma rede de ameaças. Todos os dias, pelo menos uma criança ou adolescente é vítima de crime sexual em Belo Horizonte e região metropolitana, segundo as estatísticas da polícia. E, desde a noite de domingo, em apenas 14 horas três famílias da Grande BH conheceram o lado sombrio desses números: entre as 18h de anteontem e as 8h de ontem, BH e Santa Luzia registraram três casos de abuso contra crianças, um dos quais terminou de forma trágica, com a morte de uma garotinha de 11 anos. Outro chamou a atenção por envolver um ex-juiz, que já havia sido condenado por crime semelhante.

De acordo com a Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds), somente nos dois primeiros meses deste ano foram 62 ocorrências, sendo 23 contra crianças com até 11 anos e o restante contra adolescentes de 12 a 17 anos. Em 2011, foram registrados 505 casos na Grande BH, número muito alto, embora inferior ao do ano anterior, quando foram constatados 798 crimes. De acordo com a Lei 12.015, de 7 de agosto de 2009, são considerados crimes de violência sexual estupro, assédio, favorecimento da prostituição, entre outros.

O presidente da Comissão de Assuntos Penitenciários da Ordem dos Advogados do Brasil em Minas Gerais (OAB-MG), Adilson Rocha, acredita que os dados sejam subnotificados. “Na maioria das vezes, é um crime que ocorre muito no âmbito doméstico e, por isso, não ganha publicidade. O agressor consegue intimidar a vítima, por causa da proximidade”, afirma. Para o advogado, a questão ultrapassa os limites do direito: “Um cidadão que comete um crime desses é mais doente que um bandido, pois não consegue controlar seus impulsos. É uma compulsão. Mas ele é considerado imputável, pois a doença não retira a capacidade de discernir: o autor sabe direitinho o que está fazendo e, por isso, é responsabilizado”.

Punição é exatamente o que esperam os familiares das vítimas do ex-juiz e advogado Mário José Pinto da Rocha, de 65 anos, já condenado a 12 anos de prisão por estupro. Enquanto aguardava recurso em liberdade, teve tempo para cometer mais crimes. Ele foi preso em flagrante domingo à noite, em seu apartamento no Bairro Santa Amélia, na Região da Pampulha, depois de denúncia anônima. A equipe da Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente (Depca) encontrou um menino de 11 anos escondido embaixo da cama do acusado.

Bastante assustada e muito envergonhada, a criança confirmou ter sofrido abuso sexual pouco antes da chegada do policiais. Contou ainda que a situação ocorria havia algum tempo e que, a cada encontro, recebia de Mário Rocha entre R$ 10 e R$ 15. No apartamento, foram recolhidos preservativos, lubrificantes, luvas, toalhas e lenço de papel usados. A delegada Andréa Aparecida Alves da Cunha Soares informou que o menino passou por exame de corpo de delito e a previsão é de que o laudo fique pronto em 30 dias. A polícia sabia havia pelo menos um mês que uma criança frequentava a casa do ex-magistrado. Rocha foi autuado em flagrante por estupro de vulnerável e poderá responder ainda pelo crime de exploração infantil.

Livre

A primeira condenação do ex-juiz ocorreu em 17 de junho de 2011, mas o réu conseguiu o direito de responder em liberdade na fase de recurso. O que foi tipificado como “crimes contra os costumes” foi, na verdade, o estupro sistemático de dois irmãos, entre outubro de 2007 e maio de 2008. Na época, os meninos tinham 9 e 10 anos. De acordo com o processo, Mário Rocha se valeu da condição de advogado para molestar as crianças, com a promessa de ajudar a mãe dos meninos, que estava presa.

O réu teve prisão temporária decretada em 18 de julho, mas foi liberado em 1º de setembro de 2008. Como o crime ocorreu antes da mudança da lei, em 2009, o julgamento se baseou na antiga legislação, mais branda que a atual . Agora, ele responderá por crime hediondo inafiançável.

Acusação e assassinato

Além do episódio de abuso envolvendo um homem cuja profissão se baseia na defesa das leis, dois outros casos chocaram famílias ontem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Em um deles, o suspeito foi preso, mas liberado em seguida. No outro, a identidade do responsável pela violência ainda é um mistério.

No Bairro Jaqueline, na Região Norte de BH, o dono e instrutor de uma escola infantil de futebol, A.M.L.R., de 55 anos, foi denunciado à Polícia Militar pela mãe de um menino de 12 anos. A.C.S., de 27, disse que ficou sabendo apenas no domingo que o filho estava sendo assediado sexualmente havia pelo menos 15 dias. O acusado teria perguntado ao garoto se ele “não queria ser dele” e ainda feito várias promessas caso a “oferta” fosse aceita.

O homem teria também pedido ao menor para sentar em seu colo e tentado beijá-lo. “Meu filho não me contou nada, com medo de represália, mas se abriu com a minha mãe. Fui atrás do instrutor e o acusei de pedófilo. Ele apenas sorriu e disse que era para eu provar. Pela manhã, voltei à casa dele e chamei a PM. Ele assedia as crianças, chamando-as para tomar sorvete”, acusou a mulher.

A delegada Andréa da Cunha ouviu ontem a criança, a mãe e o suspeito, que prestou depoimento e foi liberado, já que não houve flagrante. A Polícia Civil prometeu continuar as investigações e verificar se há outras vítimas do instrutor.

O que diz a lei

Pedofilia é toda ação que envolve desejo sexual em relação a criança ou adolescente, sem contato físico: pode se dar por meio de fotografias, vídeos ou qualquer cena pornográfica.

Quando há contato físico, passa a ser estupro, considerado crime hediondo. Pela Lei 12.015, de 7 de agosto de 2009, qualquer contato íntimo, seja ato libidinoso ou conjunção carnal, com menores de 14 anos caracteriza estupro de vulnerável, com base no artigo 217 do Código Penal.

A pena varia de 8 a 15 anos de reclusão. Para crimes contra maiores de 14 anos, a punição é de 6 a 10 anos de prisão.

Com a reformulação do Código Penal, em 2009, acabou a caracterização de atentado violento ao pudor, ato libidinoso e de tudo que não envolva penetração. Todo abuso é considerado estupro.

Outra mudança é que, antes, apenas a mulher era vítima do crime definido como estupro. Agora, o homem também pode ser vítima se coagido a cometer um ato de natureza sexual.
Abuso e morte Chegaram ontem ao fim, de forma trágica, as buscas pela menina Bianca dos Santos Faria, de 11 anos, que saiu de casa na manhã de sábado, no Bairro Cristina, em Santa Luzia, para ir à padaria e desapareceu. O corpo da criança foi encontrado em um matagal, a um quilômetro e meio de distância da casa onde ela vivia com a mãe, o padrasto e três irmãos. Peritos da Polícia Civil constaram que Bianca foi estuprada e depois morta por estrangulamento. O crime teria ocorrido durante a madrugada de ontem.

A mãe da menina, a dona de casa Márcia dos Santos Fonseca, passou mal quando soube da notícia. A mulher foi levada em estado de choque para a Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) do São Benedito. “Não sabemos quem pode ter cometido uma covardia dessas. Tínhamos um bom relacionamento com a vizinhança. A Bianca era uma menina tranquila, estudiosa. Costumava fazer companhia para uma vizinha, já de idade. No sábado, saiu para comprar pão e disse que depois iria para a casa dessa idosa”, contou o padrasto, o balconista Carlos José da Silva, de 43. Até ontem, nenhum suspeito havia sido identificado.

Palavra de especialista

Sylvia Flores, psicóloga e professora de Criminologia do Centro Universitário Newton Paiva

“Quando falamos que pedofilia é uma doença, não estamos isentando o pedófilo da responsabilidade jurídica e criminal. É apenas uma explicação para a atitude, mas nada justifica a violência contra uma criança, uma mulher, um idoso. Pessoas com esses distúrbios podem ter dois inícios. Um deles é a partir da genética, que afeta mais homens que mulheres. Sendo uma doença, um dos tratamentos é a castração química, porque essa pessoa sente desejo e não o controla. É preciso acabar com todo e qualquer tipo de libido, pois o desejo sexual é o gatilho para uma ação inadequada. Se deixar o criminoso solto, ele vai continuar abusando. Há também o início por meio da violência sexual. É o caso da pessoa que, na infância, sofreu abuso e, na tentativa de sair da posição de vítima, assume a de carrasco. Normalmente, o problema se manifesta cedo: logo na adolescência já há curiosidade em relação aos mais novos. A pessoa vive uma vida inteira e, quando é descoberta, já tem todo um histórico de abuso de muitos anos.”


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)