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Estado de Minas

Penitenciária José Maria Alkmin completa 75 anos e preserva origens agrícolas

Os detentos trabalham na lavoura cuidando do gado. O prédio faz história, o cartunista Henfil nasceu lá


postado em 07/04/2012 07:15 / atualizado em 07/04/2012 08:36

Hoje, 1,25 mil presos estão encarcerados na penitenciária. A maioria trabalha. Inaugurado em 1938, presídio foi tombado pelo Conselho Municipal do Patrimônio Histórico de Ribeirão das Neves (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
Hoje, 1,25 mil presos estão encarcerados na penitenciária. A maioria trabalha. Inaugurado em 1938, presídio foi tombado pelo Conselho Municipal do Patrimônio Histórico de Ribeirão das Neves (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)

Grades, muralhas e portões que privam os condenados da liberdade também guardam, a sete chaves, parte importante da história de Minas. A primeira penitenciária do estado, a José Maria Alkmim, completa 75 anos de funcionamento em 2012 com uma coleção de fatos e episódios que vão muito além da sua trajetória carcerária. O presídio foi berço de personalidades de renome do país, como o cartunista, jornalista e escritor Henrique de Souza Filho, o Henfil; e o jogador de futebol Wilson Piazza, craque em duas Copas do Mundo na década de 1970. Com pavilhões de arquitetura modernista inspirados em estabelecimentos penais da Inglaterra e da França, a penitenciária é protegida por tombamento municipal, aprovado pelo Conselho de Patrimônio Histórico e Cultural de Ribeirão das Neves.

Construída a partir de 1927, a mando do então presidente da República Washington Luís, a primeira penitenciária de Minas foi instalada na zona rural de Contagem, numa localidade conhecida como Fazenda das Neves, com 925 hectares. O isolamento da região fez com que os operários abrissem uma estrada de terra para acesso ao local e fossem obrigados a construir casas no entorno do presídio para viver com as famílias no período das obras, que se arrastaram por 10 anos. Em 1937, a Lei 968 criou a Penitenciária Agrícola de Neves, com quatro pavilhões, 200 casas para funcionários e nada menos que 300 mil pés de laranjas.

“O presídio só foi inaugurado em 1938, porque o presidente Getúlio Vargas não tinha agenda para participar da cerimônia antes disso. Muitos comentavam que, no discurso, Vargas falou da honra de criar a primeira penitenciária autossustentável do continente sul-americano e ela se manteve como um modelo para o sistema carcerário no Brasil por muitas décadas”, lembra o funcionário mais antigo da unidade, Salvador Thomé da Silva, de 76 anos. Trabalhador e morador da penitenciária desde 1959, ele fala com orgulho da época em que os presos cultivavam lavoura, criavam gado e eram operários de fábricas de calçados, uniformes, brinquedos e tijolos – tudo instalado dentro dos muros da prisão.

A vocação agrícola e industrial fez da José Maria Alkmin uma penitenciária pioneira no Brasil no incentivo ao trabalho para recuperação de detentos. A grande produtividade dos velhos tempos, quando o presídio chegou a manter uma loja em Belo Horizonte para comercializar frutos do serviço dos presos, ficou no passado. Mas hoje a unidade ainda faz questão de manter traços da época: cerca de 80% dos 1.250 presos suam a camisa diariamente. Segundo o diretor-geral Igor Tavares, 890 deles vão para as ruas trabalhar em parceria com a iniciativa privada e 80 prestam serviço dentro do presídio na manutenção da unidade ou em atividades agrárias.

“Mantemos a vocação para o trabalho e incentivamos a profissionalização dos presos. Os que cumprem pena em regime mais flexível vão para a rua diariamente, sem vigilância direta, atuar na construção civil e em obras importantes, como a reforma do Mineirão. Dentro da unidade, outra turma cultiva horta, tira leite, faz a limpeza e manutenção dos pavilhões e trabalha em fábricas instaladas dentro do presídio. Temos empresas de beneficiamento de alho, de fabricação de tijolos e blocos de cimento e todo o pão consumido na Secretaria de Estado de Defesa Social é feito pelos detentos. Além disso, 315 deles estudam, sendo que quatro fazem faculdade a distância”, explica Igor Tavares.

Familiar

Se nos pavilhões o clima é tenso, com a vigilância constante de agentes armados e cães farejadores, a poucos dos muros impera uma atmosfera familiar. A penitenciária é cercada por 64 casas – todas da época da construção –, onde ainda vivem funcionários da unidade. Numa delas, a de número 21, nasceu Henfil, em 5 de fevereiro de 1944. Na época, o pai do cartunista, Henrique de Souza, trabalhava como chefe do almoxarifado da penitenciária, a convite do diretor da unidade, o político José Maria Alkmin, primo de segundo grau da família. Na moradia de telhado alto na Vila Esplanada, cercada por palmeiras-imperiais e um exuberante gramado, os Souza viveram até 1945, quando se transferiram para a capital.

Atual morador da casa de Henfil, Rizzini Edson Peixoto, de 60, conta histórias da família Souza. “Vi fotos deles na casa e soube que aqui nasceram dois filhos – Henfil e Maria da Glória. Tenho orgulho de ajudar a cuidar deste patrimônio”, diz Rizzini, que se aposentou como coordenador do serviço jurídico da penitenciária. Em outra casa do presídio, a de número 46 da Vila Cacique, nasceu o jogador de futebol Piazza. Também filho de um funcionário do presídio, o craque viveu ali parte da infância até despontar nos gramados como craque do Cruzeiro e da Seleção Brasileira, tendo ajudado na conquista do tricampeonato na Copa do Mundo do México, em 1970.

Almoço para JK


Trecho do livro O rebelde do traço – A vida de Henfil, de Dênis de Moraes: “Dos oito filhos de dona Maria e seu Henrique, os quatro primeiros nasceram em Bocaiúva e dois – Maria da Glória e Henrique – em Neves. Vista de longe, a penitenciária parecia um colossal castelo, fincado em meio a laranjais. Os Souza ocupavam uma casa de telhado alto na vila número 21. Os próprios detentos cuidavam de plantações e hortas, inclusive a plantada nos fundos da residência do almoxarife. (…) Um domingo por mês, Alkmin reunia caciques políticos para almoços preparados pela prima Maria. Um dos que se deliciaram com o seu frango ao molho pardo foi Juscelino Kubitschek, então prefeito de Belo Horizonte. Henfil veio ao mundo em 5 de fevereiro de 1944.”

Linha do Tempo

1927: Início da construção da primeira penitenciária de Minas, na antiga Fazenda das Neves, num terreno pertencente ao município de Contagem
1937: A unidade foi oficialmente criada pela Lei 968. Antes mesmo da inauguração da Penitenciária Agrícola de Neves, chegam os primeiros detentos
1938: Penitenciária é inaugurada pelo então presidente Getúlio Vargas, em 18 de julho
1943: Em 25 de fevereiro, nasce Wilson da Silva Piazza, na casa de número 46. O pai do jogador era funcionário da unidade e a família vivia numa das residências da Vila Cacique
1944: Em 5 de fevereiro, nasce Henrique de Souza Filho, o Henfil, na casa de número 21. O pai de Henfil era chefe do almoxarifado da unidade na época e a família morava numa das casas da Vila Esplanada
1948: Primeira rebelião na penitenciária. Funcionários foram feitos reféns por cinco dias
1998: Rebelião mais violenta da história da penitenciária. O movimento durou uma semana e o corpo de um dos detentos mortos foi pendurado no mastro, na entrada do prédio. Em 2001, ocorre a última rebelião
2007: O Conselho de Patrimônio Histórico e Cultural de Ribeirão das Neves aprova o tombamento municipal da penitenciária


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