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Estado de Minas

Músico com síndrome de Down faz sucesso em conjunto de samba


26/11/2011 08:13

Em março, Eduardo Gontijo, o Dudu do Cavaco, realizou um sonho antigo: tocar Como é grande o meu amor por você, de Roberto Carlos, para Chico Buarque de Holanda. E isso no campinho do mestre da MPB, no Rio. De quebra, autógrafo no instrumento, que ele, entusiasmado, exibe como verdadeiro troféu: “Este cavaco é de ouro! Vale muito!”. Mais ainda em ação pelas mãos do músico, capaz de tocá-lo com maestria até apoiado nas costas. Não é só com o “cavaco do Chico” que Dudu impressiona. Além de dominar as quatro cordas, o moço manda bem na percussão: dá show no pandeiro e no repinique. Não é por sorte que, desde 2005, é integrante do Trem dos Onze, nova formação do grupo de samba Zumberê. Não bastasse a música no coração, Dudu também tem o teatro nas veias e é ator do espetáculo Atrás do arco-íris, montagem do Grupo Crepúsculo. Portador da síndrome de Down (PSD), Dudu, aos 22 anos, vive seu momento mais pleno como artista.

Tamanho sucesso tem explicação: o amor e o respeito da família. Parte de tanto carinho está impressa nas 170 páginas do livro Mano Down – Relatos de um irmão apaixonado, lançado no aniversário de Dudu, em setembro. Presente de seu “segundo pai”, Leonardo Gontijo. Advogado e engenheiro, o professor, de 32 anos, decidiu homenagear e compartilhar a experiência de conviver com garoto tão especial. “Digo sempre: ‘Ele é meu professor de vida’. Esse amor todo é uma troca. É até desleal, porque ele nos dá bem mais do que a gente tem para oferecer”, diz. Paixão notável na casa dos pais no Bairro São Bento, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte. São abraços e beijos com a chegada de Dudu, que passou 12 dias em Brasília, na casa da irmã e “melhor amiga” Paula Gontijo. E os dois estiveram juntos no fim de semana para o batizado da sobrinha Maite. “É saudade demais, né Du?”, pergunta Leo, enlaçado. “Muita saudade”, responde feliz, cheio de mimos, de barba feita para a foto.

Mano Down é livro bem escrito, editado pela São Jerônimo, com bom acabamento e CD do Grupo Zumberê na contracapa, em conjunto. Um testemunho exemplar de superação e amor sem limites à “alegria da casa”. Leonardo reuniu depoimentos de professores, médicos, amigos e familiares, além de informações técnicas sobre o distúrbio genético e seus desdobramentos – síndrome que atinge um a cada 1 mil nascimentos. “É uma porta de entrada. Um diálogo com todas as famílias como a nossa.” O autor considera limitada a literatura sobre o assunto, “especialmente sobre a questão da sexualidade”. Em Mano Down, Leonardo traz a questão sem amarras: “Temos de ficar atentos para não confundir as coisas e decretar que uma capacidade intelectual inferior pode resultar em uma inabilidade para controlar os instintos.” O professor defende a importância de maior autonomia possível ao PSD, para que ele possa ter “uma vida mais plena”.

Identidade

“Insistimos para que o Dudu saiba exatamente quem ele é. É muito importante que ele aprenda a lidar com a realidade. Que conheça os seus limites até para tentar superá-los. Aceitação é isso”, afirma. Leonardo diz que muitos pais simplesmente escondem seus filhos, impedindo que eles sejam quem realmente são. “Queremos que o Dudu seja o que ele quer ser e não o que a gente acha que ele é”, ressalta.

E foi na música que Dudu se encontrou. Em 2003, aos 13 anos, na companhia do irmão, ele começou a frequentar os shows do Trem dos Onze, na época Zumberê, perto de casa. Começou na brincadeira, levando o pandeiro e dando uma “canja” vez por outra. Pouco a pouco, passou a encarar a música para valer e, em 2005, aprendeu a tocar cavaquinho. A partir daí, não parou mais e passou a integrar a companhia, que tem no repertório, entre outras, sucessos de Cartola, Demônios da Garoa, Noel Rosa, Paulinho da Viola, Gonzaguinha, Beth Carvalho e Zeca Pagodinho.

Teatro abre portas para o namoro

O teatro é um capítulo à parte na vida de Dudu do Cavaco. Nos palcos, o encontro e o namoro com Mariana Garcia, atriz de 26 anos, integrante do Grupo Crepúsculo e principal intérprete de Atrás do arco-íris, dirigida por Clóvis Domingos, destaque no Festival Estudantil de Teatro (Feto), de 2011. Amor declarado por Mariana, também PSD, em carta de próprio punho, datada de 2 de agosto: “Queria dizer dentro do coração que sente todo amor por você, do que mais quero aproximar e falar coisas tão lindas: que esse momento é de muita alegria e de felicidade”. Reservado, ele retribui: “Gosto muito dela. Vou encontrar com ela amanhã”. Saudades, Du? “Muitas”. Leonardo é fã da cunhada e só quer a felicidade dos dois: “Ela é legal demais. E muito boa atriz também. É emocionante o trabalho deles na peça”.

Nem tudo são flores. Narrados com liberdade, trechos de Mano Down reconhecem o impacto da notícia daquele 19 de setembro de 1990. “Eu ainda era uma menina e tinha pensamentos de menina. Logo fomos informados que nosso irmãozinho tinha SD. Levei um susto. Não conhecia ninguém com aquela ‘doença’. Apesar de nova, eu já tinha certo preconceito e não gostei da novidade. Por que na nossa família?”, quis saber Paula Gontijo, na época com 14 anos. A advogada mesma, hoje aos 35 anos, responde: “A todos que estão lendo sobre o assunto, que têm filhos ou familiares com SD ou trabalham com eles, digo que vocês foram abençoados”. Paula escreve: “Ah, se todos fôssemos diferentes como ele, o mundo iria ser belo, mágico e encantado”.

A transformação é refletida em Leonardo, que, depois de também rejeitar a condição do irmão, faz questão de ressaltar, além das páginas de sua homenagem, a firme convição de que a humanidade seria melhor com mais da pureza de pessoas como Dudu e Mariana. Os pais de Dudu, Marcelo Fábio Gomes e Marina Valadares Gomes, passado o choque inicial, viram a família se unir ainda mais para lidar com a situação. Emocionados, reconhecem que os três filhos mais velhos fazem de tudo pela felicidade do caçula. Encantador, Dudu do Cavaco agradece.

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Shows aos sábados


Dudu do Cavaco se apresenta aos sábados com o conjunto Trem dos Onze, às 16h, no Observatório, na Rua Senador Milton Campos, 230, no Vale do Sereno, em Nova Lima, na Grande BH. Mano Down, o livro, pode ser encontrado em várias livrarias; pelo site www.editorasaojeronimo.com.br/manodown ou pelo telefone 9613-9566, ao preço de R$ 25.

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Saiba mais: distúrbio genético


Síndrome de Down ou trissomia do cromossoma 21 é um distúrbio genético causado pela presença de um cromossomo 21 extra total ou parcialmente. Recebe o nome em homenagem a John Langdon Down, médico britânico que a descreveu em 1862. A sua causa genética foi descoberta em 1958 pelo professor Jérôme Lejeune, que encontrou uma cópia extra do cromossoma 21. A síndrome é caracterizada por uma combinação de diferenças maiores e menores na estrutura corporal. Geralmente, está associada a algumas dificuldades de habilidade cognitiva e desenvolvimento físico, assim como de aparência facial. A síndrome de Down é geralmente identificada no nascimento. Pessoas com síndrome de Down podem ter uma habilidade cognitiva abaixo da média, geralmente variando de retardo mental leve a moderado. Um pequeno número de afetados tem retardo mental profundo. É o distúrbio genético mais comum, estimado em 1 a cada 1 mil nascimentos. A síndrome de Down é um evento genético natural e universal, estando presente em todas as raças e classes sociais.


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