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Estado de Minas

Animais trocam as matas pela cidade e se adaptam ao mesmo habitat do homem

No novo ambiente, eles escapam dos predadores, mas encontram outros inimigos, como carros velozes e vidraças fechadas


09/10/2011 08:36 - atualizado 09/10/2011 10:47

Na orla da Pampulha, capivaras dividem espaço com ciclistas e adeptos da caminhada
Na orla da Pampulha, capivaras dividem espaço com ciclistas e adeptos da caminhada (foto: Jorge Gontijo/EM/D.A Press)


Não só de homo sapiens vivem as grandes cidades como Belo Horizonte. Na selva de pedra habitam diversas espécies de animais, como micos, ouriços, corujas, cobras e lagartos. Trocaram cipós por fios de energia, árvores por arranha-céus e lagoas por fontes luminosas. Assim como o bicho-homem, descobriram as facilidades de se ter comida disponível 24 horas por dia nas sobras dos restaurantes e lixeiras reviradas em cada esquina.

Em nova tese, defendida por especialistas como o veterinário Daniel Vilela, analista ambiental do Ibama em Minas, metrópoles assistem à criação de uma “fauna urbana”, formada por animais silvestres que estão ocupando as cidades. Outra vantagem de mudar de endereço é escapar do inimigo. Mas nas áreas urbanas o perigo é outro. Em vez de fugir de predadores como a onça, os bichos aprendem a desviar de carros, a não trombar nas vidraças, a atravessar a rua. “É um processo de seleção diferente.”

Não é preciso ir longe para flagrar as novas espécies de animais urbanos. Basta marcar um minuto no relógio, olhar para o céu e observar gaviões sobrevoando o Centro da cidade, na altura da Praça Sete. Se der sorte, ou tiver paciência, é possível avistar uma família de macacos-pregos atravessando a Avenida Afonso Pena, principal corredor de tráfego do Centro da capital. “Esses micos não fugiram de nenhuma reserva, nem moram no Parque Municipal. Eles são de lá mesmo, da avenida. Nasceram e cresceram na Afonso Pena”, garante Vilela.

Cerca de 90% da fauna urbana é constituída de aves que se adaptam melhor aos desafios do ambiente das cidades. Explica-se: os pássaros se deslocam mais facilmente pelo ar e usam a estrutura dos prédios para fazer ninhos. Segundo estudos, algumas espécies estão aprendendo a piar mais alto, como forma de sobressair ao som da buzina dos carros, ao ronco dos motores e ao toque dos celulares. Só assim vão conseguir se reproduzir ou marcar território no ambiente da cidade grande. “Penso que muitas espécies fazem a cidade de refúgio, pois são expulsas das matas pela pressão ambiental ou saem em fuga do habitat original em função das queimadas”, afirma o ornitólogo Gustavo Pedersoli, vice-presidente do Ecoavis.

BH conta com 346 espécies de pássaros, segundo inventário inédito da Ecoavis, organização não governamental com fins ambientais formada por cinco voluntários que fazem a observação de aves na capital mineira. Além das espécies totalmente adaptadas, como bem-te-vis, pardais, rolinhas e pombas, a capital tem outras mais raras, como o urubu-rei e um casal de águias-chilenas que habita o paredão da Serra do Curral mas já foi visto dando seus voos na região da Savassi.

Capturas

A convivência entre homem e animal nem sempre levanta a bandeira da paz. Este ano, até setembro, o Ibama recolheu 700 animais na Região Metropolitana de BH a pedido de moradores preocupados com ferimentos no bichos ou falta de alimentos para eles. Em 2010, foram 500 animais. Neste ano, só de urubus foram 50 chamados até agora. Esta semana, um bem-te-vi quase teve a perna amputada pela linha de cerol de uma pipa em Contagem. “Ele perdeu de duas a três gotinhas de sangue. É muito para um bem-te-vi. Não sei se vai resistir”, alerta o veterinário Fernando Pinto Pinheiro, voluntário da Polícia Civil e da Polícia Militar que já acolheu mais de 5 mil animais em 19 anos de clínica veterinária em Contagem.

Em suas andanças, voltando à noite de uma festa, Daniel Vilela já fotografou um filhote de raposa no Bairro Buritis. Segundo ele, há registros no Ibama da existência de espécies em extinção, como o lobo-guará, dentro do espaço urbano. No Bairro Sion, populações inteiras de ouriço moram no topo das árvores. O histórico jacaré-de-papo-amarelo da Lagoa da Pampulha deu este ano uma ninhada de filhotes, o que comprova que ele não está sozinho, como se imaginava. Na mesma represa, uma família de capivaras vive dando as caras, aparecendo para tomar sol. “O ambiente é favorável a eles e não oferece risco de predadores. Apesar do tamanho, o jacaré precisa de poucos peixes para se alimentar e os peixes em geral filtram a poluição da água. A triagem evita prejudicar o organismo do réptil”, conclui.

Moradores preocupados em ajudar

Otimista por natureza, o escritor mineiro Ângelo Machado prefere ter esperança na revolução dos bichos. E no caso desse entomologista, isso significa ter um inseto da ordem Orthoptera, concreto e verde, cantando lá fora, no quintal. Perguntado se a cidade está expulsando os animais do seu habitat, Machado tem opinião controversa: “Pelo contrário, o ambiente está ficando mais favorável, porque hoje as pessoas protegem os animais. Eu mesmo andava de bodoque na mão, matando passarinhos quando era criança. Outro dia, vi um tucano solto, voando perto de casa. Ninguém mexeu com ele”, conta.

Autor de livros infantis, Machado deu sua contribuição pessoal à causa ecológica e escreveu O dilema do bicho-pau, onde narra a aventura de um inseto que sai pelo mundo às voltas com uma dúvida: não sabe se é bicho ou se é pau. Ele é um observador privilegiado dos primeiros sinais trazidos pela primavera. Aos 77 anos, costuma promover gincanas informais entre os quatro filhos e seis netos, que são encarregados pelo avô de descobrir a primeira borboleta azul do ano, a primeira lagartixa da estação, o primeiro besouro pulador do fim de semana.

O professor emérito do Departamento de Zoologia da UFMG ensina que outra característica desta temporada é que em qualquer água empoçada tem sapo cantando, como é o caso da lagoa situada dentro da estação ecológica no câmpus da Pampulha. “Pode reparar. A partir de agora, começa também o canto da cigarra e dos grilos. As mariposas passam a entrar nas casas. A água da chuva abre os cupins, que liberam revoadas de aleluias. Pouca gente sabe, mas elas são formas aladas dos cupins que saem em busca da luz”, conta Machado.

Mãe-coruja

Ao sair de casa à noite, a produtora de festas Fernanda Machiavelli, de 33 anos, esbarrou em uma coruja empoleirada na grade do portão, de olhos bem atentos. Trata-se de uma fêmea, ou melhor, de uma mãe coruja, que mudou com dois filhotes para o Bairro Céu Azul. Não poderia haver melhor endereço que o escolhido pela família. “Amo coruja. Não sei explicar direito o porquê”, compara Fernanda. Aos poucos, ela vai descobrindo o motivo da fascinação pela ave, símbolo da filosofia e do conhecimento, apesar de estar mais associada, na atualidade, à figura das bruxas.

Segundo Fernanda, a ave é uma verdadeira mãe-coruja. Permanece o tempo inteiro preocupada com o bem-estar dos dois filhotes. No primeiro dia, conta, trouxe um calango entre as garras, que serviria de alimento para as crias. “O Ibama orientou a deixá-las morando na nossa árvore e ajudar o filhote que havia caído do ninho a subir de volta”, explica Fernanda.


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