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Estado de Minas

Arte da caligrafia usa a internet para prosperar

Arte de escrever à mão resiste ao avanço da tecnologia e das máquinas poderosas e se vale da internet para ampliar o mercado. Professora mantém até um curso de sucesso na capital


26/08/2011 06:00 - atualizado 26/08/2011 06:25


Ganhar o pão no bico de pena, ao subir e descer do pulso delicado, com talento e requinte para fazer valer a beleza das letras parece ser assunto dos antigos. No entanto, vivem assim em Belo Horizonte os calígrafos Célio Lopes, Sílvio Antônio de Sousa, Inês Maria e Kátia Xanchão. Três gerações que fazem a arte de escrever à mão sobreviver à multiplicação dos bytes e terabytes. A maioria deles, inclusive, não só resiste com devoção ao avanço das máquinas como também difunde a caligrafia em aulas particulares na cidade.

Kátia é professora em curso de sucesso do Senac Minas, onde ensina as técnicas das letras cursivas inglesa e holandesa. Sílvio, professor das antigas, autor de dois livros escritos à mão, dá palestras e vende DVDs com videoaula para todo o Brasil. Na fita, ele mesmo dá dicas e mostra curiosidades sobre o ofício. Talento e vocação em família, Inês Maria é mãe da professora Kátia. Dona de pequena gráfica no Bairro da Graça, Região Nordeste de BH, Inês conta que a caligrafia, gosto dos tempos de menina, foi fundamental em sua vida num momento de grande aperto financeiro em família. Daí em diante não parou mais e, hoje, conta com parcerias importantes, inclusive fora de Minas Gerais.

Célio Lopes, de 79 anos, não dá aulas particulares, mas aprendeu caligrafia com o pai, homem muito vaidoso e de letra caprichada. Depois que se aposentou na Olivetti, empresa na qual trabalhou por 22 anos, Célio encontrou na caligrafia modo de passar o tempo com boa prestação de serviço. Há oito anos escreve em ouro, prata e preto em convites diversos. “Não é pelo dinheiro. É muito pouco por convite, R$ 0,40 apenas. Mas é um prazer muito grande saber que alguém ainda dá valor à escrita. Na minha casa ter a letra bonita era um dever”, conta.

No Rio de Janeiro, nos anos 1960, a menina Inês Maria já demonstrava inclinação para a arte, especialmente pela habilidade com as mãos: “Aos 8 anos, fiz uma saia de crochê. A caligrafia veio mais tarde, há uns 40 anos. Fiz um curso porque gostava muito. Sempre tive grande interesse na escrita bonita, elegante”, diz, orgulhosa da filha Kátia, seguidora de seus ensinamentos. Mãe e filha têm relações ainda mais estreitadas pelo ofício com as letras. Hoje, ambas são professoras e trabalham juntas para dar conta da demanda alcançada pelo empreendimento da família no ramo dos convites.

Beleza

Sílvio já é velho conhecido fora do estado. Homem de caracteres traçados pelos dedos, não abre mão do computador para angariar seguidores Brasil afora. Na porta de entrada de seu site, anuncia: “Imitar o belo e bom é sublime. Todos nós somos dotados de inteligência. Você que está na internet e piorou sua letra, em cinco horas/aula irá escrever bonito, em 10 horas será profissional de caligrafia e, assim, um calígrafo de três tipos de letras: cursiva inglesa, gótica e roudy francesa”.

Professor Sílvio, como gosta de ser chamado, mantém loja no Centro de Belo Horizonte, perto da Praça Sete. A exemplo do que ocorreu com Célio Lopes, quando se aposentou, Sílvio, economista, ao deixar cargo no Ministério dos Transportes, também se enveredou pelos rumos da escrita. Dono de letra bonita, quarentão, forte e cheio de saúde, cansou de ficar de bobeira, jogando baralho e decidiu investir em novo trabalho: calígrafo. Deu tão certo que hoje orienta aprendizes de todas as idades a seguir seu caminho. “Ainda que difícil”, segundo ele.


Saiba mais


História de nobreza

Caligrafia, a arte da escrita bela, vem das palavras gregas: kalli (beleza), e grafia (escrita). Já na pré-história, o homem deixava gravada em cavernas sua percepção do mundo em pinturas rudimentares. Mas, apesar de sua importância, a história da humanidade só começou a ser contada com o surgimento da escrita, com seus caracteres, letras, alfabetos e representações fonéticas, cuja forma mais antiga foram os caracteres cuneiformes feitos pelos babilônios, em tábuas de argila, há mais de 4 mil anos.

Os instrumentos destinados à execução da escrita variam necessariamente conforme a matéria sobre a qual ela devia ser traçada. Empregou-se o estilo ponteiro metálico para escrever sobre os corpos duros. Posteriormente, o calamus para se escrever em papiros e pergaminhos. Seu substituto foi a pena de ave, preferencialmente a de pato. Daí, o famoso nome bico de pena, hoje feito de metal. Na Grécia e em Roma, a escrita em belos caracteres foi praticada pelos mais nobres. Os calígrafos eram tidos em alta conta.

No Brasil, em 1942, com a Reforma Capanema do sistema educacional, a caligrafia deixou de ser matéria obrigatória nas escolas, o que explica os garranchos da maior parte da rapazeada de lá para cá.


Letra de médico

Ao longo dos tempos, os doutores fizeram fama com seus rabiscos ininteligíveis. Há ruídos de que seus garranchos surgiram no século XVII, como código entre médicos e farmacéuticos para impedir as automedicações. Hoje, além do Código de Ética Médica, que determina cuidado com o assunto, há ainda a lei dos Direitos dos Usuários de Serviços de Saúde (10.241/99), que orienta sobre a necessidade de o paciente receber as receitas datilografadas ou em letra legível, sem a utilização de códigos e abreviaturas.

Determinação em família

Inês Maria ensinou ofício à filha, Katia Xanchão, e das duas trabalham juntas para dar conta da grande demanda de convites
Inês Maria ensinou ofício à filha, Katia Xanchão, e das duas trabalham juntas para dar conta da grande demanda de convites (foto: Euler Junior/EM/D.A Press)
No Bairro da Graça, na Região Nordeste de BH, bem perto da Igreja São Judas Tadeu, Inês e Kátia falam com gosto e orgulho da história de sucesso alinhavada a quatro mãos. Para entender a boa carteira de clientes e a grande procura por pessoas interessadas na arte da caligrafia nos dias atuais é preciso voltar um pouco no tempo, quando Inês se viu obrigada, com dois filhos, a dar jeito para não faltar o pão em casa. Há 26 anos, o marido, Guilherme, administrador, foi transferido do Rio de Janeiro para BH pela empresa em que trabalhava. Na ocasião, toda a família foi de mudança para Minas.

Pouco mais de década depois, o arrimo da família perdeu o emprego e Inês não pensou duas vezes para auxiliar o companheiro no sustento e na educação dos filhos. “Fiz um panfletinho, anunciando serviço de caligrafia artística. Entregava de mão em mão nas faculdades. Colocava anúncio em jornal e pedia a Deus para aparecer serviço para dar conta de pagar a propaganda. Comecei a dar aulas e isso ajudou bastante. Foi uma luta muito grande”, conta. O marido se tornou impressor. Mais parceiro do que nunca, é parte fundamental do êxito alcançado no negócio.

Kátia, além de delicadeza e simpatia, herdou a força produtiva dos pais. A professora tem vida profissional movimentada que vai além da demanda da gráfica da família. Formada em administração, ela dá continuidade aos planos de ensino da mãe. Conta que começou com aulas particulares e que, há seis anos, é contratada do Senac Minas. Lá, a procura é grande, com cursos regulares durante todo o ano.

Negócios à parte, nadadora na adolescência, Kátia conta que sempre gostou de trocar correspondências. Até hoje, faz questão de escrever à mão os recadinhos para as professoras da filha, Isadora, de 6 anos, que, segundo a avó Inês, já começa a mostrar intimidade com o bico de pena. A calígrafa fala com propriedade do curso de 60 horas, que ensina a letra cursiva ingleza, mesa de sombra, preparação de tinta e centralização da escrita.

 


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