
Não fosse a reserva de vagas, a maioria dos candidatos cotistas aprovados nos processos seletivos das universidades federais do interior de Minas não teria conseguido realizar o sonho de entrar no ensino superior. Das 10 instituições localizadas fora da capital, seis apresentaram o levantamento da nota de corte na primeira chamada e, em apenas uma delas, a Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), a pontuação dos beneficiados pela reserva de vagas superou a dos candidatos da livre concorrência na grande parte dos cursos. No Campo das Vertentes, houve repetição do ocorrido em Belo Horizonte, em que os alunos da escola pública passariam na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) mesmo sem o benefício.
Para o presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (Inep), Luiz Cláudio Costa, a diferença populacional de Belo Horizonte e do interior pode explicar por que as cotas foram fundamentais para a entrada de alunos de escolas públicas nas universidades do interior. “BH tem uma população muito maior, logo, o público cotista é maior também e mais significativo do que no interior. Lá, não fossem as ações afirmativas, esses alunos ficariam sem a oportunidade de entrar na faculdade, não porque não têm competência, mas por haver menos escolas privadas. Aí, eles ficam de fora mesmo”, diz. Para ele, o mecanismo de correção é importante. “Ele vai se equacionando e equilibrando e, com o tempo, vai se estabilizar”, afirma.
Na Universidade Federal de Lavras (Ufla), no Sul de Minas, em apenas três dos 23 cursos a nota mínima para aprovação foi maior entre os cotistas. Dos 615 classificados na primeira chamada, 84 entraram pelas cotas – a instituição reservou para este ano 12,5% das vagas, o mínimo previsto pela lei. Análise da universidade mostra que, do total de aprovados que se valeram do benefício, apenas 12 entrariam sem ele. Dessa forma, a política de ação afirmativa aumentou em até sete vezes a chance de o candidato entrar para a Ufla. Na segunda etapa, os números chamam ainda mais a atenção. Dos 314 classificados, 46 entraram pelas cotas, dos quais apenas um aluno passaria caso não tivesse o benefício. Entre eles, a reserva de vagas aumentou em 46 vezes a chance de aprovação.
Desempenho histórico
Os cotistas também só foram melhores em três cursos na Universidade Federal de Juiz de Fora: sistemas de informação noturno, história diurno e licenciatura em química noturno. No câmpus da Zona da Mata, a concorrência envolveu um número de cursos bem maior – 61 no total. A instituição, que já reservava 50% de suas cadeiras para estudantes de escolas públicas antes da lei, manteve o percentual, com as adequações de raça e questões socioeconômicas. A universidade afirma que o melhor desempenho dos alunos da ampla concorrência é histórico.
Curso garantido mesmo com 45 pontos a menos
No Triângulo Mineiro, a Universidade Federal de Uberlândia (UFU) ofereceu 77 cursos, sendo que em 67 deles a cota definiu a aprovação dos candidatos que tiveram nota inferior à da ampla concorrência. Em cursos disputados, como medicina veterinária, que teve 81 candidatos por vaga, a diferença foi grande: sem as cotas, seria necessário cravar pelo menos 817,77 pontos para passar. Mas quem fez 45 pontos a menos – os alunos inscritos na primeira modalidade (negro, pardo ou indígena com renda inferior a 1,5 salário mínimo per capita) – conseguiu uma vaga. Em engenharia eletrônica e de telecomunicação, que teve quase 21 candidatos disputando a vaga, a diferença entre o aluno da ampla concorrência e o da primeira modalidade de cotas, que marcou o menor número de pontos, foi ainda maior: 54,65.
Na Federal de Alfenas (Unifal), no Sul do estado, onde também foi adotado o percentual mínimo de reserva exigido pela legislação, a nota dos cotistas superou a dos estudantes que disputaram na modalidade de ampla concorrência em seis dos 21 cursos. Na maioria absoluta, eles só tiveram chance graças às cotas. Em alguns casos, foi grande a diferença. Em odontologia, por exemplo, a pontuação mínima da ampla concorrência foi 722,58. Já os candidatos da escola pública com renda familiar bruta per capita igual ou inferior a um salário mínimo conseguiram passar com 685,35 pontos.
Na Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), na Região Central, a nota de corte de quem disputou 30% de vagas reservadas só foi maior que a da ampla concorrência em oito dos 32 cursos. Em medicina, por exemplo, um dos mais cobiçados, a nota mínima entre cotistas foi 774,47, o que garantiu a aprovação, que teria ficado no patamar de pelo menos 810,34.
O presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (Inep), Luiz Cláudio Costa, destaca que os estudos do Inep, órgão ligado ao Ministério da Educação (MEC), mostram que os estudantes de escola pública que estão entre os 150 mil melhores têm nota superior aos mesmos 150 mil melhores da rede particular. “Estou plenamente convencido da necessidade de cotas no nosso país, por causa das oportunidades que não são dadas. Ao mesmo tempo, o mito de que elas prejudicariam a qualidade das universidades não ocorre. Nas federais, estudantes que entraram por cotas ou tinham assistência estudantil têm rendimento igual ou superior aos outros, pois eles pegam essa chance e a trabalham”, relata.
Exceção
A Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) foi a exceção. Dos 49 cursos presenciais, os cotistas deixaram a ampla concorrência para trás em 28 deles. O pró-reitor de Ensino, Marcelo Pereira de Andrade, explica que a universidade sempre teve o perfil de receber alunos trabalhadores e das camadas mais populares. “Cerca de 75% dos nossos estudantes da graduação recebem abaixo de 1,5 salário per capita. Estamos bem acima do que foi aprovado no Congresso, que põe esse patamar em 25%”, diz. Ele destaca ainda que, quanto menos disputado um curso, menor é a nota de corte. Assim, sobe a pontuação, não importa a modalidade, em cursos como medicina, psicologia e engenharias, ao passo que diminui nas licenciaturas. “Estamos buscando compreender melhor toda essa dinâmica”, afirma. Segundo Andrade, dentro dos 75% com a renda abaixo de 1,5 salário, há muitos alunos de escolas particulares. “No interior, essa é uma renda considerável”, relata. (JO)
