Por muito tempo, tratar a prisão de ventre parecia simples: bastava beber mais água e comer mais fibras. Mas quem convive com o intestino preso de forma persistente sabe que não é tão fácil assim. A constipação crônica, aquela que dura semanas ou meses, pode afetar o sono, o humor, a produtividade e a qualidade de vida. Em outubro, a Associação Britânica de Nutricionistas e Dietistas (BDA, na sigla em inglês) publicou uma diretriz inédita sobre o papel da alimentação nesse problema tão comum.

Elaborado a partir da análise de 75 ensaios clínicos, revisões sistemáticas e meta-análises, o documento traz 59 recomendações dietéticas práticas. O foco é sair do discurso genérico de “aumente as fibras” e apontar quais alimentos e suplementos realmente ajudam e em quais doses.

“Essas diretrizes agrupam intervenções com evidências sólidas e, na prática clínica, auxiliam na condução dos casos trazendo mais especificidade dos principais aliados no combate à constipação crônica”, comenta a nutricionista Gláucia Amaral Santana, coordenadora de Nutrição do Hospital Municipal de Aparecida de Goiânia (HMAP) - Iris Rezende Machado, unidade pública gerida pelo Einstein Hospital Israelita em Goiás.

Psyllium, kiwi e pão de centeio

As novas diretrizes confirmam algo que muitos nutricionistas já observavam na prática: nem todas as fibras têm o mesmo efeito sobre o intestino. No documento, o destaque foi para o o psyllium, uma fibra derivada da casca da semente da planta Plantago ovata. Ele é considerado o “padrão-ouro” entre os suplementos de fibra quando se consome ao menos 10 g/dia com frequência.

“O psyllium é uma fibra solúvel com alto poder de retenção de água. Ele forma um gel no intestino, aumenta o volume das fezes e melhora a consistência, facilitando a evacuação e reduzindo o esforço”, explica Santana. Outras fibras, como a inulina, apresentam resultados mais modestos e podem causar gases e desconforto abdominal.

Entre as frutas, o kiwi se sobressaiu. De acordo com a BDA, comer duas unidades por dia, ao longo de no mínimo quatro semanas, melhora a frequência na evacuação e a textura das fezes. A fruta combina fibras solúveis e enzimas que estimulam o trânsito intestinal. Além disso, fornece vitamina C e antioxidantes, o que a torna uma estratégia segura e bem tolerada.

As diretrizes consideram o kiwi uma das opções mais eficazes e fáceis de incluir na rotina. “Quando consumido com regularidade, o kiwi apresenta resultados semelhantes ao psyllium, auxiliando na melhora da frequência intestinal. Mas, como toda intervenção nutricional, é importante individualizar, respeitando a rotina, os hábitos e a cultura alimentar de cada pessoa”, pondera a nutricionista.

As novas diretrizes também apontam o magnésio como um aliado importante. O mineral está presente em:

  • Verduras de folhas escuras
  • Leguminosas
  • Nozes
  • Grãos integrais
  • Abacate
  • Peixes

Mas, de acordo com a especialista do HMAP, para uma pessoa conseguir atingir as doses estudadas, muitas vezes é necessário suplementar — o que não deve ser feito sem indicação e a orientação de um profissional de saúde.

Por fim, outros alimentos ricos em fibras são a semente de abóbora, o pistache, a chia, edamame (soja verde), beterraba, quiabo, amêndoa, ervilha e soja. Reprodução de Facebook Receita Natureba
Além do mamão e da ameixa, frutas como caqui, abacate, goiaba e pera são alimentos ricos em fibras solúveis. O consumo de frutas é extremamente importante para manter uma alimentação saudável. Imagem de Leopictures por Pixabay
Além do brócolis, alface, rúcula, espinafre e agrião também trazem em sua composição as fibras, assim como outros itens que podem ser cozidos, como a batata-doce, o brócolis ou a couve-flor. Andrea Ledesma Ramos - Flickr
Uma boa opção para inserir na dieta misturadas a pães, saladas, iogurtes ou até no cereal matinal, são as sementes como linhaça, gergelim ou chia. Elas apresentam boa dose de fibras. Divulgação
Uma maçã média possui aproximadamente quatro gramas de fibra. Uma parte disso está na forma de pectina, um tipo de fibra solúvel que tem sido associada a redução dos níveis do colesterol ruim.
100 gramas de feijão carioca cozido contém cerca de 8,5 gramas de fibras. Além disso, este alimento também é uma boa fonte de cálcio, proteína, ferro, magnésio, fósforo, potássio, selênio, folato e colina. Flickr/ Miriam Beijos
O brócolis é um alimento de baixa gordura e que auxilia na redução dos níveis do colesterol ruim no sangue (o LDL). Isso por conta do alto grau de fibras que possui e ajuda a metabolizar as gorduras de outros alimentos. Youtube Canal Chef Zeca
Uma xícara de quinoa cozida fornece cerca de 21% da quantidade diária recomendada de fibras. Ela é um pseudocereal originário da América do Sul, que pode ser consumido em forma de grãos, farinha ou flocos. freepik KamranAydinov
O arroz integral possui uma maior quantidade de fibras em comparação ao arroz branco. Ele costuma garantir uma sensação maior de saciedade para quem o consome. Divulgação
O mamão papaia fornece uma quantidade maior de fibras do que o formosa, um pouco mais de calorias e antioxidantes. Ele ajuda diretamente no bom funcionamento do intestino, dando equilíbrio nesta questão. - creative commons hippopx.com
O grão de bico é uma leguminosa rica em fibras, proteínas, vitaminas e minerais. Desse modo, 100 gramas deste alimento cozido pode conter entre 8 e 18 gramas de fibras. Divulgação
A ameixa preta é outro alimento importante, pois contém pectina, um tipo de fibra solúvel que ajuda no trânsito intestinal. Ela também apresenta sorbitol, um tipo de açúcar que facilita o funcionamento do intestino. - Flickr Paulo Pedro
O farelo de aveia é rico em fibras alimentares, fato que ajuda a apoiar a função intestinal saudável. De fato, apenas uma xícara (94 gramas) deste alimento contém impressionantes 14,5 gramas de fibra, sendo 1,5 vezes a mais que a aveia, flocos ou farinha. Divulgação
Além disso, elas previnem o desenvolvimento de doenças cardíacas e gastrointestinais, como alguns tipos de câncer e proporcionam sensação de saciedade, favorecendo o controle do peso corporal. Arquivo/MS
Elas também atuam na redução dos níveis de colesterol LDL, também conhecido como o colesterol “ruim” e ajudam a regular os níveis de açúcar no sangue, fator importante para quem possui quadro de diabetes, sobretudo a mellitus (tipo 2). Imagem Pixabay
Leguminosas, cereais e vegetais são ricos em fibras solúveis, enquanto as insolúveis aparecem mais em grãos integrais, mas também em frutas e vegetais. Freepik
Fibras solúveis são facilmente dissolvidas em água, formando uma espécie de “gel” no sistema digestivo. As insolúveis, por sua vez, não se dissolvem em água e são caracterizadas por reterem líquido.
As fibras alimentares são carboidratos não digeríveis pelo corpo humano que promovem uma série de benefícios para a saúde. Elas, então, são divididas em solúveis e insolúveis Imagem de Jason Goh por Pixabay
O baixo consumo de fibras traz alguns sintomas bastantes desconfortáveis como a prisão de ventre e o inchaço abdominal. Esses sinais indicam que é hora de retomar a atenção com a alimentação e o funcionamento do corpo Pixabay Anastasia Gepp
As fibras são responsáveis por aumentar o trânsito intestinal, além do volume e peso das fezes. Quando há o baixo consumo delas, associado a baixa ingestão de líquidos, o trânsito intestinal se torna lento e as fezes ressecadas, reduzindo o número de evacuações. Pixabay
As fibras que ajudam podem ser encontradas em alimentos de origem vegetal, como frutas, verduras e legumes, além de leguminosas, como feijões, lentilha e grão de bico, cereais integrais, como arroz, trigo, centeio e aveia. - Reprodução Youtube
A constipação, popularmente chamada de prisão de ventre, é uma das principais complicações relacionadas ao baixo consumo desse nutriente, afetando cerca de 20% da população mundial. Por isso, veja dicas de como melhorar o funcionamento do intestino. E entenda o papel das fibras. Imagem de Spencer Wing por Pixabay
No entanto, a população brasileira ingere apenas cerca de 50% dessa recomendação, o que pode acarretar problemas relacionados à saúde. Afinal, 88,7% dos alimentos mais consumidos pelos brasileiros apresentam baixo teor de fibras. reprodução YouTube Cirurgião na Cozinha
O consumo adequado de fibras também é parte fundamental de uma dieta adequada e ajuda bastante no funcionamento do intestino. a Organização Mundial da Saúde recomenda que um adulto saudável deve consumir mais de 25 gramas de fibras ao dia. Divulgação

O óxido de magnésio se mostrou mais eficaz que o leite de magnésia, e as águas minerais com alto teor de magnésio e sulfato também demonstraram bons resultados. “Em doses adequadas, o sulfato de magnésio tem efeito osmótico, ou seja, puxa água para dentro do intestino, amolecendo as fezes e facilitando a evacuação”, explica Glaucia Santana. O efeito não depende da marca da água, mas da composição mineral do líquido. “É importante observar o rótulo e dar preferência às que têm alto teor de magnésio e sulfato”, orienta.

Trocar o pão branco por pão de centeio também se mostrou eficaz, já que esse cereal contém fibras solúveis e fermentáveis que aumentam o volume das fezes e estimulam a flora intestinal. “O centeio pode ser um bom aliado, mas o estudo considerou doses muito altas, de cerca de seis a oito pães por dia, o que não é viável para a maioria das pessoas”, observa a especialista. “Ele pode fazer parte da alimentação, mas sempre em um plano equilibrado e acompanhado por nutricionista.”

Ameixa e maçã, que têm fama de “soltar o intestino”, perderam um pouco do protagonismo. As diretrizes concluem que, embora saudáveis e ricas em fibras, não há evidência científica robusta de que o consumo regular dessas frutas realmente funcione em casos de constipação crônica. “Esses alimentos continuam sendo boas opções em uma alimentação balanceada, mas não devem ser vistos como solução isolada”, afirma a Santana.

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Vale lembrar que outros bons hábitos também são essenciais para um intestino saudável, como a prática de atividade física, o sono regular e evitar o consumo excessivo de produtos ultraprocessados. Na dúvida, consulte um profissional especializado. 

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