Ana Lúcia Nunes da Costa descreve sua doença como uma jornada longa e solitária, principalmente enquanto ainda se desconhece o que está acontecendo -  (crédito: Arquivo Pessoal)

Ana Lúcia Nunes da Costa descreve sua doença como uma jornada longa e solitária, principalmente enquanto ainda se desconhece o que está acontecendo

crédito: Arquivo Pessoal

Passa a ser vendido no Brasil um medicamento oral para o tratamento de pacientes com linfoma de células do manto (LCM), câncer raro que atinge o sistema linfático, responsável por ajudar o corpo a combater a infecções, e que surge nos linfócitos, células do sistema imunológico. Esse tipo de linfoma é um dos vários subtipos de linfoma não-Hodgkin e afeta 1 em cada 200 mil indivíduos por ano no mundo, sendo a maioria homens, geralmente diagnosticados a partir dos 60 anos. A farmacêutica Eli Lilly é a responsável pela comercialização.

O Jaypirce (pirtobrutinibe) chega ao país após a aprovação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em 27 de novembro de 2023. O aval para uso pelo órgão foi baseado em estudos clínicos nos quais Jaypirce apresentou resposta geral ao tratamento de 57%, ou seja, quase 6 em cada 10 pacientes apresentaram diminuição do volume do tumor. A resposta completa foi de 19% (quando os exames não detectam sinais do câncer) e a parcial de 38% (quando há redução significativa do volume do linfoma). A duração dessa resposta teve uma mediana de 17,6 meses e a sobrevida global dos pacientes ficou em 23,5 meses, em um cenário em que o esperado anteriormente era em torno de 10 meses.

A doença é resultado de linfócitos B tumorais que se originam em uma área chamada de zona do manto, na borda externa dos gânglios linfáticos. O câncer pode não estar apenas nos gânglios linfáticos, mas também em outros órgãos, como medula óssea, baço, fígado e trato digestivo. A média geral de sobrevida para pacientes com LCM está entre três e cinco anos. Esse tipo de linfoma surge do desenvolvimento e crescimento anormal de linfócitos B tumorais, que correspondem a células normalmente existentes na zona do manto.

O hematologista, PHD em linfoma, leucemia e transplante, e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rony Schaffel, diz que, sendo esse um tipo raro de linfomas, tem diferenças em relação aos mais comuns. Segundo ele, o diagnóstico pode ser feito por diferentes exames - como a análise de amostras do tumor e a realização de avaliações radiológicas, entre outros - e ter como indicação também tratamentos distintos. Isso porque os primeiros sinais da doença podem variar. "Pode começar com gânglios no corpo todo, pode ser difundido pelo sangue e chegar à medula óssea, pode aparecer no intestino, por exemplo. E são vários os subtipos, uns mais agressivos que outros", informa.

O especialista acrescenta que o LCM é um dos cânceres mais difíceis de tratar que existem, e o prognóstico nunca é uma coisa só. Outro problema é que, como se trata de uma doença rara, não é incomum que médicos tenham dificuldade em entender o quadro de cada paciente. "O tratamento ideal, com quimioterapia e imunoterapia de manutenção, é muito agressivo. Também pode ser feito o que se chama transplante autólogo de medula óssea, quando o doador é o próprio paciente", diz.

Rony reforça que o novo remédio, à altura de tratamentos já feitos nos EUA e na Europa, promete um resultado melhor, especialmente para pacientes que não suportam os efeitos colaterais dos tratamentos convencionais, como os idosos, que recaem rápido, ou pessoas que são resistentes a esses tratamentos. "É um medicamento oral, de uso contínuo. O remédio agora vem suprir uma necessidade não atendida, tem uma resposta boa. A diferença é que funciona mesmo quando o paciente é resistente a outros tratamentos. E nem todo mundo suporta uma quimioterapia ou transplante."

O remédio

Jaypirce (pirtobrutinitbe) é o primeiro e único inibidor reversível da enzima tirosina quinase de Bruton (BTK) . “Estamos muito felizes com a aprovação e agora com a disponibilização de um medicamento que irá oferecer uma nova opção de tratamento, comprovadamente eficaz e seguro, para pacientes diagnosticados com linfoma de células do manto no Brasil”, afirma o diretor médico da Eli Lilly do Brasil, Luiz Magno. “É ainda mais especial poder anunciar a disponibilização de um medicamento que vai impactar significativamente a vida dos pacientes no ano em que a Lilly completa 80 anos de atuação no Brasil”, complementa.

Aprovação com base em eficácia

A aprovação do remédio para o tratamento do linfoma de células do manto foi baseada em dados de eficácia do estudo clínico internacional multicêntrico, aberto, de braço único de fase 1/2 chamado BRUIN, e publicado pelo Journal of Clinical Oncology.

O estudo clínico incluiu um total de 164 pacientes com diagnóstico de LCM. O conjunto de análise primária para a avaliação da eficácia baseou-se nos primeiros 90 indivíduos inscritos, que não tinham comprometimento do sistema nervoso central, que foram tratados com um inibidor prévio de BTK e que tinham recebido uma ou mais doses de Jaypirce, com pelo menos uma área de doença radiograficamente avaliável.

Os dados de eficácia de Jaypierce foram baseados na resposta global e na duração da resposta, e foram avaliados por um comitê de revisão independente. Os pacientes do estudo já tinham sido tratados, em média, com três linhas de terapia anteriores, sendo que 81,1% interromperam sua terapia prévia mais recente com inibidores de BTK devido à progressão da doença e 13,3% por intolerância ao tratamento.

Diagnóstico, estágios da doença e tratamentos

Pessoas que convivem com linfoma de células do manto recebem tratamento planejado com base em fatores que podem incluir: estágio da doença, extensão do tumor, subtipo de LCM, sintomas, bem como sua idade e tolerabilidade. Os tratamentos iniciais mais comuns para LCM envolvem quimioimunoterapia, no entanto, não há um tratamento padrão para pacientes caso o linfoma retorne após a terapia inicial.

Pacientes que apresentam recidiva da doença podem receber tratamento com quimioimunoterapia, agentes imunomoduladores e inibidores covalentes da tirosina quinase de Bruton (BTK), como explica Rony Schaffel. “O linfoma de células do manto tem uma taxa de sobrevida mediana de apenas três a cinco anos. A introdução dos inibidores da quinase de Bruton covalentes no tratamento do LCM refratário melhorou o prognóstico dos pacientes, mas a recaída ainda é a regra, seja por conta de falha ou intolerância a essas medicações. Nesse cenário, a chegada de pirtobrutinibe preencherá essas duas lacunas, pois foi demonstrada resposta em mais da metade dos pacientes resistentes aos inibidores de BTK, com uma duração mediana de consideráveis 18 meses", explica o médico.

Câncer raro

Os sintomas desse tipo de câncer podem variar com base no volume de doença e nos órgãos envolvidos por ela, como gânglios inchados, febres sem causa aparente, suor excessivo à noite, diminuição do apetite, perda de peso, dores de cabeça, fraqueza, fadiga e outros.

O linfoma de células do manto é distinguido por superexpressão de uma proteína que estimula células na fase de proliferação conhecida como ciclina D1. Isso pode levar a um grande acúmulo das células do LCM e o desenvolvimento de um tumor.

A superexpressão da ciclina D1 é causada por uma translocação que envolve os cromossomos 11 e 14. Essa importante translocação ocorre quando os cromossomos 11 e 14 trocam material genético entre eles, resultando em dois cromossomos anormais. Isso está presente em mais de 90% das pessoas que vivem com o linfoma de células do manto.

O corpo fala

Os primeiros sinais de que algo não ia bem foram fadiga extrema, suor noturno, prostração, petéquias principalmente na perna e na região do abdômen. Demorou para que a pedagoga Ana Lúcia Nunes da Costa, de 56, descobrisse o que estava acontecendo. Muitos exames e dois anos se passaram depois dos sintomas até que ficasse detectado o linfoma das células do manto. Chegaram a aparecer também linfonodos no pescoço, na axila e na virilha. O tratamento seguiu com a quimioterapia e a imunoterapia, depois que ficou descartada a possibilidade de um transplante de medula. Hoje ela está em remissão e em processo de manutenção com medicação (imunossupressores).

Ana Lúcia tem casos de câncer na família, e descreve sua doença como uma jornada longa e solitária, principalmente enquanto ainda se desconhece o que está acontecendo, até, enfim, o diagnóstico. "A doença é muito pouco divulgada. Não se sabe direito o que é", diz. Ana Lúcia sempre teve uma vida ativa, praticava exercícios, andava de bicicleta, trabalhava em escolas. A partir do câncer, tudo ficou limitado - sem forças, só tinha vontade de dormir - e ela lembra como ficou perdida ao se deparar com a nova situação. "É estarrecedor não saber o que está acontecendo, nem o médico saber, até encontrar uma pessoa que de fato entendia o meu caso", conta.

Para a pedagoga, identificar o câncer foi um alívio e ela hoje diz que vive de bem com a vida, mesmo com a probabilidade de a doença voltar. Não fica ansiosa - "um dia de cada vez", declara. "Aprendi a perceber qualquer sinal. O corpo fala, e eu não dei ouvidos. Hoje vejo a vida com mais prazer. É a vontade do Eterno. Seja qual for a fé, Ele sabe o melhor."

Segurança de Jaypirce

As reações adversas associadas a Jaypirce utilizado como monoterapia basearam-se em dados agrupados de 583 pacientes com neoplasias hematológicas, tratados com uma dose inicial de 200 mg uma vez por dia, em monoterapia, sem aumento da dose no ensaio clínico de fase 1/2 chamado BRUIN. Em pacientes com LCM, a frequência de descontinuação do tratamento devido a reações adversas foi de apenas 3% e a frequência de reduções de dose devido a reações adversas foi de 4,9%.

Sobre Jaypirce

Jaypirce é um inibidor altamente seletivo (300 vezes mais seletivo para BTK comparado a 98% de outras quinases testadas em estudos pré-clínicos), reversível (não covalente) da enzima BTK. A BTK é um alvo molecular validado encontrado em vários tipos de leucemias e linfomas de linfócitos B, incluindo linfoma de células do manto.

Em monoterapia, é indicado para o tratamento de pacientes adultos com linfoma de células do manto recidivante ou refratário que tenham sido previamente tratados com pelo menos duas linhas de terapia sistêmica, incluindo um inibidor covalente de BTK. É um medicamento oral disponível em comprimidos de 100 mg ou 50 mg, que devem ser tomados em uma dose diária de 200 mg, com ou sem alimentos. "O remédio é uma esperança, mas é preciso que se tenha estudos mais extensos, e por mais alguns anos", pondera Rony Schaffel.