A publicidade de alimentos ultraprocessados, que são altamente palatáveis, mas nutricionalmente pobres, costuma ser prevalente durante o tempo de tela, -  (crédito: Pressfoto/ Freepik)

A publicidade de alimentos ultraprocessados, que são altamente palatáveis, mas nutricionalmente pobres, costuma ser prevalente durante o tempo de tela,

crédito: Pressfoto/ Freepik

Quanto maior o tempo em frente às telas (televisão, videogame ou celular e/ou tablets), pior a qualidade da dieta dos adolescentes, aponta um estudo brasileiro realizado por pesquisadores da Universidade Federal do Paraná (UFPR). O uso excessivo de tela está associado ao maior risco de sobrepeso e obesidade, além de baixos níveis de atividade física, menor duração do sono e menor qualidade de vida relacionada à saúde.

Segundo a pesquisa, 74,4% dos adolescentes avaliados apresentaram um uso excessivo de tela, o que significa que aproximadamente três em cada quatro ficam mais de duas horas por dia em frente às telas, superando o limite de duas horas diárias recomendado para essa faixa etária pela Academia Americana de Pediatria.

Para chegar aos resultados, os pesquisadores analisaram dados de 1,2 mil estudantes do segundo ensino fundamental e do ensino médio, matriculados em 30 escolas públicas de Curitiba – incluindo crianças e adolescentes entre 10 e 19 anos. O tempo de tela foi coletado separadamente, considerando os três tipos de dispositivos: televisão, videogame e telas portáteis (computador, celular e tablet). Os alunos indicaram o número de vezes que usavam cada dispositivo e o tempo para que pudesse ser calculada a média semanal de uso de cada um deles.

Depois disso, eles responderam a um questionário sobre seus hábitos alimentares e a frequência de consumo de vários itens, o que possibilitou classificar a qualidade da dieta como baixa, média ou alta. Os pesquisadores fizeram ajustes para diversas variáveis, como sexo e faixa etária, comportamentos relacionados à saúde (prática de exercício físico e índice de qualidade da dieta), renda do entorno escolar e, por fim, ambiente construído para a atividade física.

De acordo com a pesquisa, a televisão foi o dispositivo com maior tempo excessivo (56,5%), seguida das telas portáteis (53,2%) e do videogame (22%). E a variável que foi significativamente associada ao tempo excessivo de TV foi a piora da qualidade da dieta, o que reforça que o tempo que os jovens passam em frente à TV está diretamente ligado ao hábito alimentar não saudável e ao consumo de alimentos ultraprocessados.

Os ultraprocessados são aqueles alimentos que passaram por uma grande transformação na indústria e carregam boas doses de aditivos, como corantes, conservantes e flavorizantes, capazes de mudar cor, textura, sabor e aroma – aditivos cosméticos usados para deixá-los mais palatáveis e atraentes. Esses alimentos incluem cereais matinais, embutidos, bolachas, salgadinhos, pratos prontos, refrigerantes, sucos de caixinha, chocolates e balas, entre muitos outros.

Segundo a nutricionista Serena del Fávero, do Hospital Israelita Albert Einstein, uma dieta de má qualidade e rica em alimentos ultraprocessados durante a adolescência pode ter impactos significativos na saúde desse jovem, favorecendo o desenvolvimento de sobrepeso e obesidade e aumentando o risco de doenças crônicas, como problemas cardiovasculares, diabetes tipo 2 e até alguns tipos de câncer. “Além disso, o consumo de nutrientes inadequados pode afetar o crescimento e o desenvolvimento físico, além de comprometer a função cognitiva e o desempenho acadêmico”, alerta.

A nutricionista ressalta também que os hábitos alimentares formados na infância e na adolescência frequentemente persistem na vida adulta, aumentando o risco de problemas de saúde a longo prazo. “Uma dieta de má qualidade na adolescência não afeta apenas a saúde atual, mas também estabelece as bases para problemas de saúde futuros”, diz.

Segundo a nutricionista Gabriela Mieko, da equipe da especialista do Einstein, o aumento do tempo de tela está associado à piora na qualidade da alimentação dos adolescentes por várias razões: primeiro porque, na maioria das vezes, esse tempo coincide com o consumo de lanches e petiscos, que tendem a ser de baixa qualidade nutricional e ricos em açúcares, gorduras saturadas e sal. “Isso ocorre porque a atenção do adolescente fica dividida, o que pode levar ao menor controle sobre a quantidade e qualidade do que é consumido”.

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Além disso, reforça Mieko, a publicidade de alimentos ultraprocessados, que são altamente palatáveis, mas nutricionalmente pobres, costuma ser prevalente durante o tempo de tela, incentivando ainda mais o consumo desses produtos. “Assim, o ambiente propiciado pelo tempo de tela favorece as escolhas alimentares menos saudáveis, contribuindo para uma piora na qualidade da alimentação”, afirma.

Como buscar o equilíbrio

A popularização do acesso a computadores, celulares e?tablets?tem ampliado a gama de dispositivos eletrônicos a serem considerados quanto ao tempo de tela. Essa é uma tecnologia cada vez mais presente na rotina dos adolescentes, inclusive na escola, e especialmente após a pandemia de COVID-19. Diante desse cenário, qual seria a forma de melhorar a qualidade da dieta e a adesão à prática de atividade física?

“Incorporar ações educativas sobre a importância da nutrição e da atividade física para a saúde no próprio ambiente escolar é muito importante. Juntamente a isso, incentivar o adolescente a participar de esportes e atividades físicas organizadas na escola ou na comunidade pode oferecer alternativas divertidas e sociais ao tempo de tela e proteger contra o sedentarismo. Por fim, o envolvimento de pais e responsáveis é fundamental para promover um ambiente familiar que valorize as refeições nutritivas e a prática de atividades físicas, reforçando hábitos saudáveis”, destaca Serena.

Segundo a nutricionista Gabriela, o fato de mais um estudo brasileiro evidenciar a relação entre tempo de tela, qualidade da dieta e atividade física destaca um problema de saúde pública crescente e fornece dados que podem orientar políticas públicas e programas de intervenção adaptados à realidade brasileira.

“Além disso, reforça-se a necessidade de ações multidisciplinares que envolvam familiares, educadores, profissionais de saúde, governos e a sociedade civil para abordar os desafios de maneira integrada, na promoção de estilos de vida saudáveis entre os adolescentes, contribuindo para a melhoria da saúde pública e o bem-estar da população brasileira”, enumera.