Há sete anos, o projeto mineiro “Vivendo e Aprendendo” transforma sessões de hemodiálise em atividades educacionais, seguindo o modelo do Ensino de Jovens e Adultos (EJA). A iniciativa surgiu em decorrência de uma pesquisa realizada internamente pelo Hospital Evangélico de Belo Horizonte (HE), em 2017, sobre a qualidade de vida dos pacientes renais crônicos atendidos pela unidade de Venda Nova. Na pesquisa, foi observada uma alta taxa de analfabetismo e/ou falta de escolaridade entre os pacientes.



Assim, um ano após o levantamento, foi estabelecida uma parceria com a Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte, que designou a Escola Municipal Padre Marzano Matias, localizada na região de Venda Nova, para operacionalizar um projeto nas instalações do HE. Essa iniciativa possibilitaria a realização de aulas durante as sessões de hemodiálise para os pacientes interessados.

Desde 2018, 610 pacientes renais crônicos em tratamento na unidade Venda Nova do HE tiveram a oportunidade de estudar enquanto faziam as sessões de hemodiálise. “A iniciativa transcende o tratamento médico de doenças que comprometem o funcionamento dos rins de forma crônica, para gerar melhoria efetiva da qualidade de vida dessas pessoas, por meio da educação”, destaca Renata Starling, coordenadora clínica e nefrologista da unidade de Nefrologia do Hospital Evangélico de BH em Venda Nova.

                                                                  

'Do ponto de vista médico, Vivendo e Aprendendo possibilita maior autonomia ao paciente sobre sua saúde por meio do letramento', destaca a nefrologista Renata Starling

Hospital Evangélico de BH/ divulgação

“A gente fica quatro horas ligado à máquina. Com tempo livre para leitura ou outras atividades, as horas passam mais rapidamente e é bem melhor. A mente funciona de forma mais eficiente. Eu amo colorir e matemática. Sinto muita felicidade. Quando percebo, a sessão já acabou”, conta Adriana Carvalho Barbosa, de 50 anos, que faz hemodiálise há cinco anos e estudou até o quinto ano, mas não concluiu o ensino fundamental.

Atualmente, há nove professores para nove turmas, nos turnos da manhã, tarde e noite. Cada paciente inscrito tem agendadas três aulas semanais, que coincidem com as sessões de hemodiálise, totalizando 12 horas por semana. Renata destaca que o ensino possibilita uma maior autonomia do paciente em relação à sua saúde, além de elevar a autoestima e a esperança em dias melhores, já que o tempo dedicado à máquina de hemodiálise é aproveitado de forma ativa.

Adriana Carvalho durante a aula

Hospital Evangélico de BH/ divulgação

A professora Vânia, com 35 anos de carreira, já considerou se aposentar, mas isso significaria não lecionar mais para esse público. “Eu me sinto honrada porque este é um trabalho diferente de tudo que já fiz antes e que combina o trabalho de educar com o de oferecer ainda mais esperança para os pacientes/alunos”, relata. Ela foi convidada para integrar a equipe de professoras responsáveis pelo projeto, que começou com duas professoras.

Professora Vania Rodrigues Chaves chegando ao salão de hemodiálise para as aulas

Hospital Evangélico de BH/ divulgação

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Os pacientes precisam cumprir uma carga horária de 420 horas/aula para concluírem o Ensino Fundamental, o que nem sempre é fácil devido às complicações da doença renal crônica. Em parceria com a equipe multidisciplinar e médica da unidade Venda Nova, os professores, que já têm experiência no Ensino de Jovens e Adultos (EJA), desenvolveram uma metodologia de ensino específica para garantir o atendimento individualizado dos pacientes/alunos durante as sessões de hemodiálise.

A primeira formatura ocorreu em 2019, com três formandos. Devido à pandemia, as turmas de 2020 e 2021 formaram-se juntas no final de 2021, com 30 participantes. Em 2022, foram 21 pacientes/alunos que receberam o diploma, e no ano passado, foram 26. Este ano, 85 estão matriculados nos três turnos.

Carlos Nascimento, vendedor de rua de 53 anos, é um dos formandos de 2023 e sente falta das aulas. Por isso, deseja dar continuidade aos estudos. “Eu não gostava de português e agora gosto muito, e sou bom em matemática também. Tirei 8,9 em matemática. Quero continuar para ter uma base para aproveitar as quatro horas de hemodiálise, estudar, obter outro diploma e me formar”, conta o paciente que faz o tratamento há sete anos.

Carlos Nascimento é ex-aluno do projeto, mas quer dar continuidade aos estudos

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