Os produtos atingem o organismo de forma intensa, sobretudo os neurônios  -  (crédito: Marco Verch/Divulgação)

Os produtos atingem o organismo de forma intensa, sobretudo os neurônios

crédito: Marco Verch/Divulgação

O ambiente doméstico pode estar contaminado com químicos potencialmente prejudiciais ao cérebro, alerta um estudo da Universidade Case Western Reserve, nos Estados Unidos. Publicado, na revista Nature Neuroscience, o artigo destaca que moléculas encontradas em produtos extremamente comuns, como desinfetantes, móveis e até cremes de cabelo, atacam uma célula cerebral especializada chamada oligodendrócito, responsável pela proteção dos neurônios.

Os pesquisadores alegam que há dados insuficientes sobre os impactos dos produtos químicos do dia a dia na saúde do cérebro; por isso, investigaram mais de 1,8 mil substâncias às quais os seres humanos estão expostos. Eles buscaram, em especial, compostos que danificam os oligodendrócitos — já se sabe que disfunções nessas células do sistema nervoso central estão associadas a transtorno bipolar, esquizofrenia e esclerose múltipla, entre outros distúrbios neurológicos.

Os cientistas descobriram que duas classes de produtos químicos danificam estas células: os retardadores de chama organofosforados e os compostos de amônio quaternário. Os primeiros são substâncias aplicadas em várias superfícies, como móveis e eletrodomésticos, para, no caso de incêndios, diminuir o ritmo da propagação do fogo. Já os segundos são à base de desinfetantes domésticos, cuja utilização, segundo os pesquisadores, aumentou desde a pandemia de covid-19.

Neurodesenvolvimento

Para estudar o potencial dos produtos químicos na destruição dos oligodendrócitos, a equipe do Instituto de Ciências Gliais da Faculdade de Medicina de Case Western utilizou sistemas celulares e organoides — estruturas tridimensionais compostas por tecidos de determinados órgãos, que recriam a funcionalidade destes. O material biológico foi exposto aos retardadores de chama organofosforados e aos compostos de amônio quaternário, que causaram, respectivamente, danos à maturação e morte das células.

Os pesquisadores também demonstraram, em laboratório, que esses produtos danificam os oligodendrócitos no cérebro em desenvolvimento de camundongos. Para eles, a exposição aos químicos poderia ajudar a explicar a expansão de doenças neurológicas em crianças, nos Estados Unidos. Recentemente, a Organização Mundial da Saúde divulgou um relatório apontando que enfermidades associadas ao sistema nervoso central já são as mais comuns no mundo, ultrapassando as cardiovasculares.

Segundo Paul Tesar, diretor do Instituto de Ciências Gliais da Faculdade de Medicina e principal pesquisador do estudo, uma pequena parte dos casos de problemas neurológicos pode ser atribuída somente à genética, indicando que há fatores ambientais desconhecidos, que também contribuem para as patologias.

"A perda de oligodendrócitos está subjacente à esclerose múltipla e outras doenças neurológicas", destaca Tesar. "Mostramos, agora, que produtos químicos específicos em produtos de consumo podem danificar diretamente os oligodendrócitos, representando um fator de risco anteriormente não reconhecido para doenças neurológicas."

Erin Cohn, autora principal do artigo e estudante de pós-graduação do Programa de Formação de Cientistas Médicos da Faculdade de Medicina, disse, em nota, que os químicos estudados afetaram, na pesquisa, apenas os oligodendrócitos. "Compreender a exposição humana a esses produtos químicos pode ajudar a explicar um elo perdido na forma como surgem algumas doenças neurológicas", acredita.


Cautela

Para Oliver Jones, professor de química no Instituto Real de Tecnologia de Melbourne, na Austrália, a interpretação do estudo exige cautela. "Quando avaliamos os riscos de um produto químico, precisamos considerar coisas como a dose (a que quantidade do composto estamos expostos), a via (como estamos expostos) e a duração (por quanto tempo estamos expostos). Não é uma questão de saber se algo é tóxico ou não, mas, sim, se é tóxico nas condições a que provavelmente estaremos expostos", explica Jones, que não participou do estudo.

No caso do artigo publicado na Nature Neuroscience, destaca Jones, os autores expuseram células em uma placa de Petri a uma quantidade relativamente alta desses compostos, o que não é a mesma via de dosagem ou duração de exposição que os humanos normalmente encontrariam. "Portanto, embora o trabalho revele alguns dados potencialmente interessantes e úteis, deve ser tratado como preliminar", diz.

Paul Tesar concorda com a necessidade de mais estudos para verificar se a associação encontrada em laboratório se repete no mundo real. "Nossas descobertas sugerem a necessidade de um exame mais abrangente dos impactos desses produtos químicos domésticos comuns na saúde do cérebro", diz. "Esperamos que o nosso trabalho contribua para decisões sobre medidas regulatórias ou intervenções comportamentais com objetivo de minimizar a exposição química e proteger a saúde humana."


Óleo de cozinha

O reaproveitamento do óleo de cozinha é uma prática comum em todo o mundo, mas um estudo mostra que o consumo de alimentos que passaram por esse método de preparo pode levar à degeneração de células cerebrais da prole. A pesquisa, feita com ratos, será apresentada no congresso anual da Sociedade Americana de Bioquímica e Biologia Molecular, que começa hoje, em San Antonio, na Califórnia.

Os pesquisadores descobriram que o aumento da neurodegeneração de ratos que consumiram o óleo reutilizado está associado aos efeitos da substância na rede de comunicação entre fígado, intestino e cérebro.

"O eixo fígado-intestino-cérebro desempenha um papel crucial na regulação de várias funções fisiológicas, e sua desregulação tem sido relacionada a distúrbios neurológicos", explica Kathiresan Shanmugam, professora da Universidade Central de Tamil Nadu, na Índia, e líder do estudo.

Segundo Shanmugam, a fritura a altas temperaturas tem sido associada a vários distúrbios metabólicos, mas, até agora, não havia pesquisas de longo prazo sobre a influência do consumo de óleo reutilizado e outros danos ao organismo. "Até onde sabemos, somos os primeiros a relatar que a suplementação de óleo frito a longo prazo aumenta a neurodegeneração na prole da primeira geração."
Nocivos

A reutilização de óleo de fritura remove antioxidantes naturais e pode produzir compostos nocivos, como acrilamida, gordura trans e peróxidos, diz o estudo. No experimento, os pesquisadores descobriram que ratos alimentados com óleo de gergelim ou girassol reaquecidos apresentaram aumento do estresse oxidativo e inflamação no fígado, comparados àqueles que receberam apenas a ração ou a mistura desta com gordura não reaproveitada.

Os animais também apresentaram danos significativos no cólon que provocaram alterações nas endotoxinas e lipopolissacarídeos — toxinas liberadas por algumas bactérias. "Como resultado, o metabolismo lipídico do fígado foi significativamente alterado e o transporte do importante ácido graxo ômega-3 do cérebro, DHA, foi diminuído. Isso, por sua vez, resultou em neurodegeneração, que foi observada na histologia cerebral dos ratos que consumiram o óleo reaquecido, bem como de seus descendentes", diz Kathiresan Shanmugam.

Embora sejam necessários mais estudos, a pesquisadora diz que a suplementação com ácidos graxos ómega-3 e nutracêuticos, como a curcumina e o orizanol, pode ser útil na redução da inflamação do fígado e da neurodegeneração.

"Mas são necessários estudos clínicos em humanos para avaliar os efeitos adversos da ingestão de alimentos fritos, especialmente aqueles feitos com óleo usado repetidamente", destaca Shanmugam.