Problema está no diagnóstico e indicação de quando, como e se há necessidade de preencher -  (crédito: Freepik)

Problema está no diagnóstico e indicação de quando, como e se há necessidade de preencher

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É provável que você conheça alguém que se aventurou no uso de preenchimentos faciais de ácido hialurônico. Nos últimos anos, esse procedimento, usado há décadas para tratar lipoatrofia facial relacionada ao HIV/Aids e para repor volume no processo de envelhecimento, virou um coringa na estética, sendo oferecido para tudo e a todos. “E assim criou-se uma legião de pessoas com idade indefinida, sem identidade, muito diferentes do que eram, sem expressão, com rosto não muito humano, mas sem qualquer ruga. Nesse cenário, surgem modas como harmonização facial, demonização facial, pillow face (cara de travesseiro), com mídias sociais repletas de fotos de antes e depois e memes, muitos memes”, lembra a cirurgiã plástica membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Beatriz Lassance. Mas, agora é a hora de colher os frutos nada fabulosos desse exagero: o envelhecimento. “A mídia internacional está chamando de 'filler fatigue', ou fadiga de preenchedor. Esse uso frequente, repetido e de forma inadequada dessas substâncias, ao longo do tempo, distende mais e mais os tecidos, assim criando a necessidade de cada vez mais preenchedor e, logo, piorando os sinais de envelhecimento”, explica a cirurgiã plástica. Depois da farra do botox, que mal administrado pode resultar em uma aparência congelada ou falsa, caímos na farra dos preenchedores? É exatamente por isso que a corrida aos consultórios agora é por uma outra causa: dissolver o preenchimento, esvaziar o balão.

Segundo Beatriz, um rosto envelhecido pode ser comparado a um balão vazio: ao encher de ar, fica todo esticado e brilhante. “Mas ao esvaziar fica mais enrugado do que antes, sendo necessária então uma quantidade ainda maior de ar para manter o balão desenrugado”, diz a médica. O preenchimento exagerado é, inegavelmente, um produto do nosso tempo. Na América, o uso do ácido hialurônico acontece há quase 20 anos - e não para de crescer. Segundo relatório da Global Market Insights (GMI), o tamanho do mercado de preenchimento dérmico é de US$ 5,5 bilhões em 2022 no mundo. A expectativa é a de que cresça 10,5% ao ano, até atingir US$ 14,4 bilhões em 2032, segundo as projeções da GMI. De forma alguma, a cirurgiã plástica é contra o uso desse preenchedor – que ela considera uma ferramenta valiosa quando bem indicada. “Conseguimos restaurar estruturas profundas como a parte óssea, repor compartimentos de gordura perdidos, melhorar a proporção das estruturas da face e até melhorar a qualidade da pele. O problema está no diagnóstico e indicação de quando, como e se há necessidade de preencher”, explica Beatriz Lassance.

A corrida pelo esvaziamento das substâncias injetadas no rosto acontece de forma progressiva. No Brasil, alguns famosos, modelos, cantores e influencers já optaram pela reversão de preenchimentos. “A hialuronidase é uma enzima injetável, uma cópia de uma proteína encontrada no corpo, usada para dissolver preenchimentos de ácido hialurônico. Além de moderar um efeito indesejado (como bochechas muito generosas) ou corrigir um erro (preenchimento migrado, irregular ou ruim), a enzima é essencial para gerenciar a rara emergência de preenchimento que é uma oclusão vascular”, explica a médica especialista em cosmetologia pelo Instituto BWS, Cláudia Merlo. Apesar da popularidade persistente dos injetáveis, as reversões do preenchimento estão aumentando, uma espécie de reação à era de extravagância no uso de injetáveis. Há, agora, um medo pairando no ar: os pacientes querem fugir das distorções estéticas e do efeito envelhecedor a longo prazo. “Usamos a hialuronidase para dissolver rostos supercheios, pastosos e distorcidos. O excesso de preenchimento não apenas cria uma estética estranha, mas também pode levar à obstrução do canal linfático e acúmulo de fluido, função muscular limitada (que pode causar expressões tensas) e estiramento permanente dos tecidos moles ao longo do tempo. Mas também dissolvemos para corrigir pequenas imperfeições, como canais lacrimais deixados inchados por um gel mal colocado. As pessoas precisam realizar os procedimentos com responsabilidade, pois não podem achar que é só fazer e desfazer”, alerta Cláudia Merlo.

A culpa das distorções é da falta de julgamento estético entre alguns injetores, médicos e não médicos, mas também um impulso dismórfico de alguns pacientes de sentir uma gratificação instantânea que vem de parecer e sentir-se fantástico após a injeção. Se esse sentimento não for controlado pelo médico, ele pode ir rapidamente na direção errada. “O paciente procura um consultório a partir do que ele vê no espelho. Por exemplo, o famoso bigode chinês, que é o sulco nasogeniano. A causa desse sulco mais profundo pode ser a diminuição do compartimento de gordura da maçã do rosto pela idade ou emagrecimento. Simplesmente preencher esse sulco pode dar a impressão de um rosto mais pesado, mas repor essa gordura de forma adequada estende os ligamentos e reposiciona todas as estruturas, produzindo realmente um efeito lifting. Ou então, se os compartimentos de gordura estiverem adequados, a causa pode ser flacidez dos ligamentos. Nesse caso, seria errado preencher qualquer coisa. O tratamento mais adequado pode ser através do uso de tecnologia, como o ultrassom microfocado, ou mesmo cirurgia de face”, explica a cirurgiã plástica.

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O preenchimento, segundo ela, deve ser usado para restaurar o volume perdido, não para fazer levantamento de peso e nem para camuflar sinais de envelhecimento gravitacional. A tentativa de levantar os tecidos flácidos com ácido hialurônico não pode ser feita sem inflar o rosto para um efeito de desenho animado. Outra manobra que pode dar errado é tentar remodelar o rosto, acrescenta, impondo contornos não naturais. “Quantas vezes atendi pacientes querendo operar as bolsas sob os olhos e melhorar as olheiras e tratei com preenchedor na região das maçãs do rosto, sem necessidade de cirurgia. Ou ainda pacientes que vieram para colocar preenchedor nas olheiras e indiquei a cirurgia das pálpebras, retirando as bolsas. Com frequência recebo pacientes lindas que há anos fazem preenchimentos e tratamentos estéticos com colegas dermatologistas, que, enxergando que não é mais possível tratar a flacidez, conscientemente indicam uma cirurgia de face. De forma inversa, muitos pacientes me procuram para realizar cirurgia de face e indico tratamentos estéticos, retardando em alguns anos os procedimentos mais invasivos. Ou ainda, durante a cirurgia de face, utilizo preenchedores de ácido hialurônico ou gordura como complemento”, diz a médica.

Mas o problema está no fato de que os pacientes não apenas estão potencialmente recebendo mais preenchedores do que precisam em cada consulta, mas também reagendam prematuramente, com base em uma crença incorreta de que o preenchedor desaparece em seis meses e deve ser reinjetado naquele momento. O mito amplamente divulgado de que o ácido hialurônico desaparece em um cronograma previsível brota de ensaios clínicos, cujos pontos finais fixos (de 6, 12 ou 24 meses) foram mal interpretados como expectativa de vida de preenchimento concreto. Muitos médicos reafirmam hoje que esses testes estavam apenas demonstrando que o efeito clínico do preenchimento em um usuário iniciante não era tão perceptível nas fotos após X meses.

Embora a longevidade do preenchimento varie de acordo com o produto e o paciente, estudos recentes de ressonância magnética mostraram que ele dura muito mais do que o anunciado. “O ácido hialurônico realmente é reabsorvido pelo organismo, pois trata-se de uma substância que produzimos naturalmente. Mas, quando falamos da necessidade de manutenção do procedimento após um ou dois anos, estamos nos referindo à duração do resultado estético e não à presença da substância no organismo. O ácido hialurônico realmente pode demorar bem mais do que dois anos para ser completamente absorvido pelo corpo”, explica a dermatologista, membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia, Paola Pomerantzeff.

E quanto tempo exatamente o ácido hialurônico demora para ser absorvido? Segundo a dermatologista, não se sabe ao certo. “Cada vez mais estudos têm sido realizados para determinar a permanência dos preenchedores de ácido hialurônico na pele. Mas é difícil dar uma resposta definitiva, pois nem todo preenchedor de ácido hialurônico é igual”, diz a médica. “Para ser usado como preenchedor, o ácido hialurônico passa por um processo de reticulação, também conhecido como cross-link, que forma ligações entre as moléculas de ácido hialurônico para torná-lo mais resistente à degradação e, ao mesmo tempo, mais firme e denso. Com isso, o produto é capaz de conferir volume e tem sua absorção dificultada pelo organismo. Ácidos hialurônicos de diferentes fabricantes têm graus de reticulação distintos e, consequentemente, são absorvidos pelo organismo em velocidades diferentes”, explica Paola.

O início de uma reação

Embora as preocupações com a fadiga do preenchimento não pareçam reduzir a demanda geral por esses produtos em uma escala ampla e que altere as estatísticas, os médicos dizem que estão começando a ver os pacientes recuarem de várias maneiras. Cláudia Merlo costuma explicar ao paciente que as condutas são sempre individuais. Portanto, quando a questão é de uma flacidez dérmica, a médica indica o uso de Radiesse, um bioestimulador injetável, indicado para melhorar a qualidade da pele reduzindo a flacidez de pele. “A substância é aplicada para promover uma inflamação controlada, a fim de estimular as células formadoras de colágeno (fibroblastos) a produzirem colágeno, por volta de 18 meses. Com o estímulo de colágeno, a pele fica mais elástica e firme. A técnica pode ser combinada com o ultrassom microfocado, que ajuda a promover o skin tightening, que é aquele ‘aperto’ da pele com o músculo, quando ela fica firme”, conta a médica.

Por isso, o melhor conselho é escolher bem o profissional, verificando questões como: certificação, conhecimento anatômico, experiência, obsessão por segurança e disposição para dizer "não". Em seguida, adote uma mentalidade de menos é mais. “Duvide de fotos no Instagram (existem tantos filtros), tratamentos mágicos e novidades milagrosas: o barato pode sair caro”, enfatiza Beatriz.