Treta entre Motta e Benedita: por que o PT votou contra a Constituição de 1988

Partido assinou a Carta Magna entregue ao país por Ulysses Guimarães, mas sem referendar no plenário o texto produzido pelos constituintes

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Os ânimos exaltados no plenário da Câmara proporcionaram discussões tensas e inflamadas sobre os mais variados assuntos nas últimas semanas. Pautas como o PL Antifacção, a dosimetria das penas dos condenados por tentativa de golpe e os mandatos de Carla Zambelli (PL-SP) e Glauber Braga (PSOL-RJ) se tornaram motivo de embates entre deputados. Nesse clima beligerante, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), fez uma provocação ao PT por uma posição adotada no final da ANC (Assembleia Nacional Constituinte).

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Na madrugada da quarta-feira, 10, algumas horas depois da retirada à força de Glauber do plenário, Motta respondeu a um discurso do líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ), sobre Ulysses e a Constituição. Do alto da mesa diretora, o presidente da Câmara chamou de “incoerência” o uso pelo PT da memória de Ulysses e da Carta Magna.

“Escutar aqui, por diversas e reiteradas vezes, integrantes do Partido dos Trabalhadores, partido que eu respeito, respeito a sua história, invocar e falar sobre Ulysses Guimarães quando esse próprio partido votou contra a atual Constituição é realmente uma incoerência muito histórica”, disse Motta.

Vinte minutos depois, a deputada Benedita da Silva (PT-RJ), que estava entre os 16 constituintes do PT, foi ao microfone para se posicionar sobre o episódio de 1988. Com ar grave, ela primeiro reclamou pelo fato de Motta ter provocado a discussão na cadeira de presidente, e não em outro microfone, como prevê o regimento.

Em seguida, Benedita começou a falar sobre a participação do partido na época da Constituinte. De fato, o PT votou contra a aprovação do texto final da Constituição. No entanto, o partido é signatário do texto, ou seja, participou da promulgação do texto final, em vigor no país desde 5 de outubro de 1988.

Ao rebater Motta, com um exemplar da Constituição na mão, Benedita leu a composição da mesa diretora da Constituinte na promulgação do texto:  “Ulysses Guimarães, Presidente, Mauro Benevides, 1º Vice-Presidente; Jorge Arbage, 2º Vice-Presidente; Marcelo Cordeiro, 1º Secretário; Mário Maia, 2º Secretário; Arnaldo Faria de Sá e 3ª Secretária, Benedita da Silva, que assinou, com toda a sua bancada, a Constituição de 1988”, disse a deputada, com ênfase no cargo que ela ocupou na ANC.

Motta respondeu com elegância: “Agradeço à vossa excelência, deputada Benedita, a quem tenho grande respeito e que tem uma história muito bonita nesta casa”. E seguiu com a sessão. A treta, rápida, teve ampla repercussão nas redes sociais.

Os motivos do PT
Na época da Constituinte, as discussões no PT giravam em torno de estabilidade no emprego, reforma agrária, e liberdade sindical. O partido votou contra o texto por entender que ele negava esses pontos e ainda elevava a propriedade privada ao status de direito fundamental.

Outro ponto de divergência era em relação aos militares. O PT não aceitava a condição de tutela militar no país e se recusava a aprovar uma Constituição que reconhecia as Forças Armadas com poder de intervenção na vida política para “garantir a lei e a ordem”.

O partido também não concordava com o sistema eleitoral, considerado “distorcido e injusto”, com o voto dos territórios e estados com menos eleitores valendo mais que o voto dos estados mais populosos, com maior densidade eleitoral, e nos quais os trabalhadores estavam mais organizados. Outro fator era a discordância da manutenção do Senado com poderes de revisão das votações na Câmara dos Deputados.

Havia, ainda, uma questão de estratégia política. Fundado oito anos antes, o PT buscava se diferenciar das demais legendas, de centro e de direita, que representavam as elites, na visão dos petistas. O partido de Lula procurava marcar posição em diferentes temas, mesmo que ficasse em posição minoritária e sofresse críticas pela atuação isolada. Foi assim, por exemplo, na eleição de Tancredo Neves para presidente contra Paulo Maluf no Colégio Eleitoral, em 1985. O PT foi o único partido de oposição à ditadura que não votou em Tancredo.

Discurso de Lula
O PT focava em uma Constituição que contemplasse mais direitos sociais e trabalhistas e que propiciasse maior distribuição de renda. Sob esses aspectos, a Carta Magna foi considerada aquém dos objetivos dos petistas. Deputado federal e líder do PT na ANC, Lula criticou o novo texto, mas informou a decisão de assiná-lo, tomada pelo diretório nacional.

Em discurso na Câmara no dia 22 de setembro de 1988, Lula explicou a posição do partido: “Ainda não foi desta vez que a classe trabalhadora pôde ter uma Constituição efetivamente voltada para os seus interesses. Ainda não foi desta vez que a sociedade brasileira, a maioria dos marginalizados, vai ter uma Constituição em seu benefício”, disse o então deputado federal.

“Patrão, neste país, vai continuar ganhando tanto dinheiro quanto ganhava antes, e vai continuar distribuindo tão pouco quanto distribui hoje. É por isto que o Partido dos Trabalhadores vota contra o texto e, amanhã, por decisão do nosso diretório – decisão majoritária – o Partido dos Trabalhadores assinará a Constituição, porque entende que é o cumprimento formal da sua participação nesta Constituinte”, afirmou Lula. 

Em 2013, durante uma cerimônia comemorativa de 25 anos da Carta Magna, Lula, já ex-presidente, disse que o PT era “duro na queda” e queria um texto mais radical. Por esse motivo votou contra. “Se nosso regimento fosse aprovado, o país seria ingovernável, porque nós éramos duros na queda”, disse o presidente, fazendo referência ao partido. “Votamos contra porque queríamos algo mais radical, que não foi possível”.  “Assumimos o texto final porque o PT sempre teve responsabilidade com o país”.

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