O legado de Barroso na resistência democrática diante das ameaças ao Supremo
Ministro se despede do STF depois de 12 anos de intensa atividade, com participação destacada em julgamentos de grande repercussão para a sociedade. Também esteve em evidência na defesa da Constituição e das instituições de Estado
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Defensor da escola alemã e dos mandatos de doze anos para membros do Supremo, Luís Roberto Barroso deixa o STF, com um legado ímpar, oito anos antes do prazo estipulado para a aposentadoria compulsória. Barroso foi o comandante do Supremo Tribunal Federal na fase mais atribulada da história da corte e construiu uma sólida imagem de defensor da Constituição e da democracia.
“Esta é a última sessão plenária de que participo”, avisou Barroso no final da tarde desta quinta-feira, 9.”Fico no tribunal mais alguns dias da próxima semana para devolver dois ou três pedidos de vista e encerrar as pendências” acrescentou o ministro, que deixa se despede do cargo depois de 15 anos no Supremo.
Barroso disse na despedida que ainda não tem definidos os planos para a vida fora do STF. Sabe que se dedicará à vida acadêmica e que, fora do Brasil, o primeiro destino será a Alemanha, em novembro, a convite de uma instituição de ensino. Em janeiro, segue para a França, para dar aula em um curso na Sorbonne. Em suas palavras, pensa em “viver um pouco da vida”, sem a exposição pública, as obrigações e as exigências do cargo que ocupou durante 12 anos.
Mandato marcante
Indicado em 2013 para o STF na vaga do ministro Ayres Britto, pela presidente Dilma Rousseff, Barroso teve uma passagem marcante pela magistratura. Antes mesmo de assumir a presidência da corte, ele se levantou na defesa da Constituição e da democracia contra as pressões de Jair Bolsonaro, da família e de seus aliados. Essa atuação se tornou mais intensa a partir dos ataques do 8 de Janeiro e de sua posse no comando do tribunal, em junho de 2023, em substituição à ministra Rosa Weber.
À frente do Supremo, Barroso teve papel de destaque, durante a pandemia de covid-19, no combate à desinformação e ao negacionismo. Ele desempenhou esse papel, principalmente, no período em que presidiu o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), entre 2020 e 2022.
Ele também esteve à frente de temas como pesquisa em células-tronco, união homoafetiva, limitação do foro privilegiado e descriminalização do porte de maconha para uso pessoal. Teve influência ainda em julgamentos sobre limitação do foro privilegiado, regras de pesquisa em células-tronco, união homoafetiva e direito ao aborto em caso de feto anencéfalo, processo que ainda vai ser finalizado.
No universo da lacração das redes sociais, Barroso bombou em memes com a fala “perdeu, mané, não amola”. Foi uma resposta atravessada que ele deu em 2022 a um provocador que o seguiu na rua em Nova Iorque depois da derrota de Jair Bolsonaro na tentativa de reeleição ao Planalto.
Briga com Gilmar
Também ficou famoso um bate-boca em 2018, no plenário, com o ministro Gilmar Mendes. Eles se desentenderam em uma discussão sobre regras eleitorais e Barroso caprichou no vocabulário para fustigar o colega de toga: “Me deixa de fora desse seu mau sentimento, você é uma pessoa horrível, uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia.”
Anos depois, os dois fizeram as pazes. No discurso de despedida, Barroso agradeceu a parceria de Gilmar, decano do STF, durante seu mandato de presidente. No final, emocionados, os dois se abraçaram.
Nascido em Vassouras (RJ), Barroso deixa o STF aos 67 anos. Professor de Direito Constitucional da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), ele tem mestrado na Universidade de Yale, nos Estados Unidos, doutorado na Uerj e pós-doutorado na Universidade de Harvard, também nos EUA.
Ao se despedir nesta quinta, ele fez uma breve reflexão sobre seu tempo no STF. “Todos nós julgamos causas difíceis, complexas, com interesses múltiplos. E cada um procura fazer o melhor. De minha parte, ao longo desses anos, diante das questões mais delicadas, eu as estudei, refleti e me convenci de qual era a coisa certa a fazer. E fiz”, afirmou. “Não carrego nenhum arrependimento nem nunca tive medo de nada. Não falo isso por pretensão ou arrogância”, concluiu.