Contra o ‘ativismo judicial’: as razões de Mendonça na troca de farpas com Moraes
Críticas a "excessos" e defesa de "autocontenção" da corte às vésperas do julgamento de Bolsonaro foram recados aos ministros depois de citação de seu nome em relatório da PF no cerco a Malafaia
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A troca de farpas de André Mendonça e Alexandre de Moraes em evento recente no Rio expôs o clima tenso e dividido entre os onze ministros do STF (Supremo Tribunal Federal). Convidados para palestras privadas para empresários e políticos, os ministros fizeram críticas veladas que têm como pano de fundo os processos sobre tentativa de golpe de Estado e atentado à democracia, que começam a ser julgados na semana que vem.
Em palestra para o setor privado na manhã de sexta-feira, 22, Mendonça foi enfático ao atacar o “ativismo judicial” e interferências nos demais poderes. “O bom juiz deve ser reconhecido pelo respeito, não pelo medo”, afirmou o ministro. Moraes assimilou as críticas e rebateu, horas depois, também sem citar nomes: “O respeito se dá pela independência”.
Relator dos processos da trama golpista, Moraes comparou o pedido de “autocontenção” lançado por Mendonça pela manhã a um gesto “autocrata” de “ditador”, que defende a própria “liberdade sem limites” e sem ser “responsabilizado”.
O tom das autocríticas trocadas entre os ministros evidenciou o clima quente e sem consenso no Supremo. O julgamento da ação penal 2668, que tem o estado-maior da trama golpista denunciado, começa na terça-feira, 2. O ex-presidente deve ter sua sentença decretada até dia 12. A pena máxima pedida é de 49 anos de prisão. A defesa nega seu envolvimento com os crimes e pediu sua absolvição.
O avanço do cerco a Bolsonaro tem relação com os motivos que levaram Mendonça a criticar abertamente a corte e os seus pares. Naquela semana, Mendonça estava incomodado, irritado até, de forma incomum, segundo relato ouvido pelo PlatôBR. Pastor e de estilo normalmente discreto, suas críticas ao ativismo judicial não são novas. A postura foi a mesma em debates anteriores, como no julgamento do marco civil da internet, em que ele defendeu tese divergente da maioria e atacou os mesmos desvios que identifica na corte e em seus colegas de toga. O que fugiu do usual foi a virulência com que se expressou.
As razões de Mendonça
Dias antes da Polícia Federal indiciar o ex-presidente e colocar Silas Malafaia como investigado no inquérito sobre a escalada recente de ataques ao STF, Mendonça visitou gabinetes de colegas para manifestar o sua insatisfação. O motivo era o avanço inadvertido das apurações contra lideranças evangélicas. Para ele, movimento poderia voltar-se sem controle contra a imagem da corte e de seus membros. Mendonça pediu pacificação de ânimos.
Na noite de quarta-feira 20, ele ficou ainda mais irritado ao saber da operação da PF que acusou Bolsonaro e Malafaia de, em parceria, tramarem os ataques contra o processo. O líder evangélico teve o celular apreendido e o passaporte confiscado no aeroporto do Galeão ao retornar de viagem a Portugal.
Ex-ministro da Justiça e ex-advogado-geral da União, Mendonça chegou ao STF em 2021 pelas mãos de Bolsonaro. Malafaia assumiu a indicação, e o ex-presidente nunca a negou. Vem daí o apelido de “ministro terrivelmente evangélico”, promessa de campanha em 2018 pelo apoio eleitoral desse segmento religioso.
A gota d’água veio na quinta-feira, 21, quando Mendonça tomou conhecimento de que seu nome aparecia no pedido de busca autorizado por Moraes contra Malafaia. Em duas páginas da representação da PF, tornada pública pelo relator, Mendonça é citado em episódio que sugere tentativa de direcionamento de recurso da defesa para tirar o processo da Primeira Turma. Incomodado, o ministro “terrivelmente evangélico” quebrou a fleuma na palestra da manhã seguinte.te.
As razões de Mendonça, particulares ou não, tocam em um ponto compartilhado por outros membros da corte, que defendem um freio de arrumação ou uma “autocontenção”. Alguns ex-integrantes do Supremo, como Marco Aurélio Mello, Carlos Ayres Brito e Celso de Mello, têm defendido moderação e distância de atos do Legislativo e do Executivo. Com a condenação iminente de Bolsonaro e a previsível campanha por deslegitimação da decisão da Primeira Turma, a ideia de blindagem ao STF cresce entre os demais ministros.