SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O Brasil registrou, de 2005 a 2025, um aumento de 111% no número de mulheres ocupando cargos na Câmara dos Deputados e de 60% no Senado Federal. Os números, no entanto, ainda são considerados insuficientes por especialistas, quando comparados à representatividade feminina nos demais países da América Latina.
Dados de relatórios da União Interparlamentar, associação global dos parlamentos nacionais, e da ONU Mulheres, organização das Nações Unidas dedicada à igualdade de gênero, analisados pela reportagem, mostram que o Brasil caiu 41 posições nos últimos 20 anos em ranking que posiciona os países quanto à representatividade nas câmaras baixas ou unilaterais - Câmara dos Deputados, no caso da política brasileira.
O país saiu do 92º lugar em 2005 para o 133º em 2025, mesmo com o registro de crescimento no número de vagas ocupadas por mulheres no Congresso Nacional. Dos 513 deputados, 44 eram mulheres há 20 anos. Hoje, são 93 deputadas, conforme dados referentes a 1º de janeiro de 2025.
O avanço foi mais tímido no Senado. Antes, das 81 vagas, 10 eram ocupadas por mulheres, e agora são 16 senadoras.
O crescimento fica aquém do esperado, tanto em relação ao registrado em outros países da América Latina, quanto se considerado que a primeira legislação que instituiu a cota de gênero para candidaturas fez 30 anos em 2025.
O país latino com melhor desempenho nesse aspecto é Cuba, segundo lugar no ranking mundial, atrás apenas de Ruanda, na África. A ilha caribenha tem 55,7% do parlamento unicameral ocupado por mulheres (262 das 470 posições). Em 2005, as mulheres ocupavam 35% dos cargos. Em terceiro e quarto lugares estão Nicarágua (55% da câmara única) e México (50,2% da Câmara dos Deputados e 50% do Senado), respectivamente. Em sétimo, a Costa Rica (49,1% da câmara única).
No Brasil, mulheres representam 18,1% da Câmara e 19,8% do Senado. O país ocupa a 133ª posição na lista global, o pior desempenho em representatividade feminina na América do Sul, bem atrás de países como Bolívia (8º lugar), Equador (19º), Argentina (20º) e Guiana (28º), os mais bem posicionados.
Para Débora Thomé, doutora em ciência política e professora do IDP (Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa), isso significa que os partidos precisam investir mais em candidaturas femininas, tornando-as verdadeiramente competitivas.
"Esse avanço do número de mulheres nesse quarto de século é irrisório", afirma. "O Brasil e os outros países latino-americanos tinham medidas muito parecidas de mulher na política antes dos anos 2000. Hoje, entre os dez melhores países do mundo de representação feminina, muitos são latino-americanos, e o Brasil continua lá atrás", acrescenta.
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Cotas para mulheres
A primeira lei de cotas para mulheres na política, em 1995, estabeleceu 20% de candidaturas femininas nas eleições municipais. Já a lei 9.504, de 1997, determinou que ao menos 30% das candidaturas proporcionais fossem reservadas a um dos sexos.
Em 2009, a lei foi alterada para que cada partido ou coligação preenchesse esse mínimo de 30%. Até então, quase nenhuma sigla respeitava as vagas reservadas às candidatas mulheres.
A lei foi considerada ineficaz por especialistas, em parte porque a cota era de candidaturas e não de cadeiras, afirma a cientista política Maiane Bittencourt, mestre pela UFPR (Universidade Federal do Paraná)
"Até 2009, bastava 'reservar' vagas na lista. Isso quer dizer que muitos partidos não preenchiam ou recorriam a candidaturas fictícias ('laranjas'), e o financiamento/tempo de mídia não era vinculado às mulheres", diz.
Um segundo motivo está no sistema proporcional de lista aberta, adotado para o Legislativo, no qual as vagas conquistadas pelo partido ou pela coligação são ocupadas pelos candidatos mais votados, até o número de cadeiras destinadas a cada grupo.
"Altamente individualizado e caro, o sistema também penaliza quem recebe menos recursos internos. A literatura documenta esses mecanismos e seu efeito limitado nas eleitas antes de 2018", acrescenta.
Salto
O maior salto recente de mulheres no Congresso acontece a partir de 2014, diz Thomé, reflexo tanto de leis que tentam fortalecer o desenho das cotas, como também de uma nova onda do feminismo no Brasil, impulsionada pelas redes sociais.
Em 2018, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) decidiu que pelo menos 30% do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e do tempo de propaganda no rádio e na TV deveriam ser destinados às candidaturas femininas, com uso exclusivo desses recursos em suas campanhas. A emenda constitucional 117, de 2022, elevou essas regras ao patamar constitucional.
"A partir do momento em que o partido tem que gastar 30% do dinheiro com candidaturas femininas, ele também tem que investir em candidaturas de mulheres competitivas. Então, você começa a aumentar também cada vez mais o contingente de mulheres de grupos conservadores", afirma Thomé. Se a maioria de parlamentares no Congresso são de centro e direita, não seria diferente para as mulheres, acrescenta.
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Para a melhora no quesito representatividade, os partidos têm o papel central de apoiar candidaturas femininas. "Temos boas leis, só precisamos que, de fato, sejam aplicadas."
