A Câmara Municipal de Belo Horizonte aprovou por unanimidade, nesta quinta-feira (4/12), o início do processo que vai investigar o vereador Lucas Ganem (Podemos) por suspeita de apresentar documentação irregular ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE-MG) para comprovar residência na capital durante as eleições de 2024. Minutos após a votação, foi formada a comissão responsável pela apuração interna, e a primeira reunião, que marca o pontapé oficial do processo de cassação, pode ocorrer ainda nesta sexta-feira (5/12).
Natural de São Paulo, Lucas do Carmo Navarro venceu a disputa por uma das 41 cadeiras na Câmara com mais de 10 mil votos, tendo como principal bandeira a causa animal. A denúncia que desencadeou o processo chegou à Mesa Diretora na segunda-feira. Protocolado pelo advogado Guilherme Soares, o documento compila indícios levantados pelo Ministério Público Eleitoral (MPE) e pela Polícia Federal (PF) que sugerem que o vereador teria usado um endereço falso em BH para disputar o pleito.
Após análise jurídica, a Procuradoria da Câmara se manifestou favoravelmente à abertura do procedimento. Na votação em plenário, 39 dos 40 vereadores presentes apoiaram o início da investigação. O presidente da Casa, Juliano Lopes (Podemos), e o próprio parlamentar investigado não votam. Ganem foi o único ausente na sessão. Não participou nem mesmo de forma remota, como é permitido pelo regimento da Casa.
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Com a aprovação do plenário, uma comissão processante foi sorteada para conduzir a investigação. O colegiado será presidido por Bruno Miranda (PDT), líder do governo; a relatoria ficará com Edmar Branco (PCdoB). Completa a composição o vereador Helton Júnior (PSD). A comissão terá até 90 dias, contados a partir da primeira reunião, para ouvir testemunhas, analisar documentos e elaborar o parecer final, que poderá recomendar ou não a cassação do mandato.
Em coletiva, o relator Edmar Branco evitou antecipar o rumo das apurações, mas adiantou que a primeira reunião deve ocorrer ainda hoje, quando será definido o calendário de trabalho. “Vamos montar a agenda. Ainda não há previsão fechada”, afirmou. Ele afirmou ainda que a equipe irá ouvir “todos os envolvidos”, incluindo Ganem, o Ministério Público e a Polícia Federal, para construir um relatório “à altura do que Belo Horizonte espera”.
Nos bastidores, porém, circula a indicação de que uma das primeiras frentes de investigação será o rastreamento de onde servidores do gabinete de Ganem utilizam o vale-alimentação pago pela Câmara. A suspeita é de que parte deles, apesar de nomeados na capital, estaria atuando em Indaiatuba (SP), cidade onde o vereador tem vínculos.
A decisão final sobre o futuro do mandato volta ao plenário após o parecer da comissão. Para que a cassação seja aprovada são necessários ao menos 28 votos favoráveis. Até lá, Ganem segue normalmente no cargo.
Na véspera da votação, Ganem tentou convencer a Presidência da Câmara a cancelar o processo. Ele alega que a denúncia se baseia em fatos já investigados pela Polícia Federal e pela Justiça Eleitoral, e defende que o Legislativo estaria “usurpando” atribuições que cabem exclusivamente ao Judiciário. A reportagem procurou o parlamentar para obter um posicionamento, mas até o fechamento desta edição não houve retorno.
Se a cassação for confirmada, Ganem se tornará o terceiro vereador da história do Legislativo de Belo Horizonte, fundado em 1900, a perder o mandato. Também ficará inelegível por oito anos, o que inviabiliza sua já anunciada pré-candidatura a deputado estadual por Minas Gerais. Nesse cenário, o suplente Rubão (Podemos), que inclusive apresentou uma denúncia contra o colega no TRE-MG, assumiria a vaga.
'Forasteiro'
A denúncia enviada à Câmara acusa Ganem de ser um “forasteiro” em Belo Horizonte. Aos 28 anos, Lucas do Carmo Navarro pertence a uma tradicional família da política paulista. Ele é primo do deputado federal Bruno Ganem (Podemos-SP), filho da deputada estadual Clarice Ganem (Podemos-SP) e cunhado da vereadora paulistana Simone Ganem (Podemos-SP).
O sobrenome “Ganem” foi adotado em referência a família que forma esse núcleo político consolidado no interior de São Paulo, cuja principal bandeira é a defesa da causa animal.
A movimentação na Câmara pela cassação do vereador ocorre paralelamente às apurações do Ministério Público Eleitoral (MPE) e da Polícia Federal. Os elementos reunidos até o momento, na avaliação do MPE, configuram indícios robustos de irregularidades na transferência do domicílio eleitoral de Ganem para Belo Horizonte.
A legislação exige que o candidato resida no município por, pelo menos, um ano antes do pleito, condição que, segundo os investigadores, não teria sido cumprida. O inquérito da PF, aberto após denúncia anônima, questiona o endereço registrado pelo parlamentar. Em diligência feita em outubro, agentes da PF foram ao endereço informado pelo vereador e encontraram uma família que disse viver ali há mais de dez anos e afirmou não conhecer o vereador.
Testemunhas ouvidas pelo Ministério Público, entre elas a deputada federal Nely Aquino, presidente do Podemos em Minas, relataram ainda tentativas frustradas de entrega do material de campanha no endereço registrado pelo parlamentar. Há indícios, segundo as investigações, de que Ganem só teria buscado um imóvel na capital depois do resultado das urnas. Outro dirigente do partido confirmou que não havia comitê de campanha nem equipe atuando na cidade.
'Ele vem muito pouco'
A rotina do vereador dentro da Casa, porém, já vinha despertando atenção. À imprensa, o presidente admitiu que o vereador é pouco visto pelos corredores. “Ele (Lucas Ganem) vem muito pouco aqui na Câmara Municipal. Vocês podem perguntar aos demais vereadores, ele fica muito ausente aqui, e das comissões. Quando participa, é de forma virtual”, disse.
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A reportagem do Estado de Minas esteve no gabinete do vereador na segunda-feira (01/12). Ganem não estava. A chefe de gabinete, Rebecca Navarro, que é prima do parlamentar, recebeu a imprensa e informou que a equipe só pretende se manifestar após o posicionamento oficial das autoridades.
