O Observatório Social de Belo Horizonte (OSBH), organização da sociedade civil que acompanha a aplicação dos recursos públicos municipais, pretende acionar a Justiça caso o prazo para a participação popular na elaboração do projeto de Lei Orçamentária Anual (LOA) da capital não seja prorrogado. O período para envio de contribuições termina nesta quinta-feira (16/10), mas, segundo a entidade, a população foi privada de informações para analisar os números e propor alterações.
O ponto central da divergência é a ausência de dados abertos sobre as receitas e despesas municipais. Diferentemente de anos anteriores, os arquivos não foram disponibilizados em planilhas editáveis no site da Câmara Municipal, o que, segundo o Observatório, inviabiliza o cruzamento e a interpretação detalhada dos dados.
“Imagina o que é você adotar somente a sua capacidade de leitura, que é o que o PDF nos obriga. A gente percebeu que a audiência não teve questionamento nem dos vereadores, o que é um sinal de que as próprias assessorias também não tiveram acesso ao material da forma adequada”, afirma a presidente do OSBH, Leice Garcia.
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A entidade considera que essa limitação comprometeu as audiências públicas realizadas nessa segunda (13/10) e terça-feira (14/10) pela Comissão de Orçamento e Finanças. Os encontros, que deveriam servir para ouvir a população, acabaram, na avaliação da ONG, esvaziados de debate.
“É uma lesão a um direito, mas é também um atentado à cidadania ativa. Se a audiência fosse hoje, eu teria pontos a questionar, por exemplo, sobre a função da agricultura. Quando a gente tem condição de trabalhar o dado, tem condição de questionar. O que aconteceu não foi uma audiência pública de fato”, critica Leice.
A ausência de acesso aberto aos números é, segundo ela, muito além de um problema técnico, um retrocesso institucional. “A gente não pode tratar isso como se fosse algo burocrático. Quando um direito, ainda que assegurado por lei, é atropelado, é corrompido, ele corre o risco de cair em desuso e aí o retrocesso está assegurado”, disse em entrevista ao Estado de Minas.
A falha fere princípios básicos de transparência previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e na Lei de Acesso à Informação (LAI), assegurados desde os anos 2000. Em Belo Horizonte, o envio das planilhas abertas com detalhes das despesas e receitas sempre foi prática comum durante as discussões da LOA. A ausência neste ano, portanto, causa estranhamento, diz a presidente do Observatório.
“Estamos falando de um projeto que mostra as prioridades do governo, define ações para os próximos anos e garante continuidade administrativa. Ter acesso apenas a PDFs é um retrocesso de mais de uma década. Nunca se viu coisa assim”, afirmou.
Câmara prometeu avaliar prorrogação
Durante a primeira audiência, o presidente da Comissão de Orçamento e Finanças, vereador Leonardo Ângelo (Cidadania), reconheceu as falhas e prometeu avaliar o pedido de ampliação do prazo para participação popular. “Vamos tomar todas as providências necessárias para atender a população. Tudo que estiver ao alcance da comissão será feito. É bem provável que a prorrogação ocorra. No que depender de mim, se for preciso convocar uma reunião extraordinária, será feito”, afirmou o parlamentar na ocasião.
Entretanto, a sinalização positiva não se confirmou. No dia seguinte, segundo o relato da presidente do Observatório, o tom mudou. “Ele disse que tinha pedido informações, mas que era um caso difícil. Poderia, no máximo, conseguir uma prorrogação de um dia, sendo que fomos lesados em 13 dias do nosso direito de acesso”, contou Leice.
Caso a prorrogação não seja concedida, o Observatório Social planeja ingressar com um mandado de segurança no Ministério Público, pedido judicial contra ato ilegal de uma autoridade pública, para garantir o direito de acesso e participação da sociedade civil no debate orçamentário.
Procurado pela reportagem, o vereador Leonardo Ângelo afirmou que os prazos definidos para a apresentação e análise das emendas populares seguem o regimento interno e são amplamente divulgados com antecedência. “Para auxiliar neste trabalho, o Poder Legislativo dispõe de uma equipe técnica dedicada a prestar suporte na análise tanto das emendas populares quanto das propostas pelos vereadores”, disse em nota.
Ele pondera que uma mudança no prazo poderia comprometer o ritmo das atividades legislativas e desorganizar o cronograma subsequente, mas admite a possibilidade de, em futuras edições, ampliar o período destinado à análise das emendas pelos parlamentares. A Câmara só entra em recesso de fim de ano após a votação da Lei Orçamentária Anual (LOA), tradicionalmente realizada nos primeiros dez dias de dezembro. Qualquer atraso na tramitação, portanto, poderia impactar diretamente o calendário da Casa.
“A manutenção do cronograma é crucial para que possamos cumprir o prazo final de votação do Orçamento, também regimental. Reconhecemos o direito de qualquer cidadão pleitear a prorrogação. É por isso que, em respeito à participação popular, a Comissão de Orçamento se compromete a estudar, em conjunto com a Mesa Diretora, a possibilidade de estabelecer um prazo mais extenso para a análise das emendas populares nas próximas oportunidades, buscando conciliar a demanda da sociedade com a necessidade de cumprir o rigoroso calendário legislativo”, diz o texto.
Orçamento de 2026
O projeto de Lei Orçamentária Anual (LOA) para 2026 prevê receitas de R$ 24,1 bilhões e despesas de R$ 24,9 bilhões, configurando um déficit estimado em R$ 786,6 milhões. Os dados foram apresentados pela subsecretária de Planejamento e Orçamento, Mariana Gomes, e confirmam o cenário de desequilíbrio já indicado na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) aprovada anteriormente.
Ao ser questionada sobre a diferença entre o déficit de R$ 589 milhões previsto na LDO e o resultado orçamentário projetado na Lei Orçamentária Anual (LOA), a subsecretária de Planejamento justificou que os dois números não são comparáveis.
"Não tem como fazer um paralelo, porque o resultado primário da LDO desconsidera uma série de receitas e de despesas. A despesa é apurada por valores pagos, não por valores empenhados. A gente considera na meta da LDO despesas que vão ser pagas no ano usando despesas do ano anterior, enquanto aqui na LOA eu falo das receitas que estão prevendo que vão ingressar no próximo ano", disse.
A subsecretária afirmou ainda que essa diferença de abordagem é técnica e segue orientações estabelecidas pelos manuais de contabilidade pública federal. Assim, o fato de o resultado da LOA indicar valores diferentes dos da LDO não representa, necessariamente, um risco fiscal ou descompasso nas contas do município.
“São conjuntos, agregados de despesas, muito diferentes, de modo que não é possível a gente fazer esse paralelo. A gente não consegue, porque a metodologia de apuração das duas é totalmente diferente”, afirmou.
A saúde continua sendo o principal destino do dinheiro público municipal, com previsão de R$ 7 bilhões em investimentos e custeio. Em seguida vem a educação, com R$ 4 bilhões, e a mobilidade urbana, que deve receber quase R$ 2 bilhões.
Um dos aumentos mais expressivos está justamente no transporte público, cujo orçamento passará de R$ 1,02 bilhão em 2025 para R$ 1,7 bilhão em 2026, um salto de 66,6%. Grande parte desses recursos será usada para o pagamento de subsídios às empresas de ônibus, política mantida pela prefeitura para evitar reajuste na tarifa, atualmente fixada em R$ 5,75 nos coletivos convencionais.
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O valor exato dos repasses ainda não foi detalhado, mas, apenas em 2024, os subsídios somaram R$ 744,7 milhões.
