Bolsonaro tem afinidade política com o premiê húngaro, o político de extrema direita Viktor Orbán -  (crédito: EPA)

Bolsonaro tem afinidade política com o premiê húngaro, o político de extrema direita Viktor Orbán

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A revelação sobre a estadia de Jair Bolsonaro por dois dias na embaixada da Hungria, em fevereiro, pode ter implicações nas investigações sobre o ex-presidente por suspeita de tramar um golpe para permanecer no poder após as eleições de 2022.

Vídeos divulgados pelo jornal americano The New York Times na segunda (25/03) mostram a chegada e a saída de Bolsonaro entre os dias 12 e 14 de fevereiro no que o jornal chamou de uma "aparente tentativa de pedir asilo político".

A defesa do ex-presidente divulgou uma nota confirmando a estadia e afirmando que a presença de Bolsonaro na embaixada — que fica em Brasília, cidade onde o ex-presidente reside — foi para "manter contatos com autoridades do país amigo".

 

 

A BBC News Brasil procurou a defesa de Bolsonaro, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.

A ida de Bolsonaro para a embaixada aconteceu apenas alguns dias depois de a Polícia Federal (PF) confiscar seu passaporte e prender o coronel Marcelo Câmara, seu ex-ajudante de ordens; e Filipe Martins, ex-assessor para Assuntos Internacionais da Presidência.

Agora, a revelação do episódio e a suspeita de que Bolsonaro tenha pedido asilo vai levar a Polícia Federal a investigar as circunstâncias dessa estadia na embaixada, de acordo com uma fonte da PF ouvida pela BBC News Brasil.

Os investigadores querem saber se Bolsonaro violou ou tentou violar algumas das restrições impostas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no âmbito do inquérito que resultou na apreensão de passaporte do ex-presidente. A PF ainda não se pronunciou oficialmente sobre o assunto.

O político está proibido de viajar para fora do país por ordem do STF, pois é investigado na operação Tempus Veritatis, que investiga as suspeitas sobre a existência de uma organização criminosa para dar um golpe e manter Bolsonaro no poder após as eleições de 2022, nas quais ele perdeu.

O ministro Alexandre de Moraes, que é relator do processo no STF, também proibiu o ex-presidente de manter qualquer tipo de comunicação com os outros investigados, incluindo através de advogados.

O descumprimento dessas determinações não gera efeitos automáticos, mas pode justificar um pedido de prisão preventiva, explica a criminalista Beatriz Alaia Colin, do escritório Wilton Gomes.

A simples ida de Bolsonaro para a embaixada não configura saída do território nacional, explica o advogado Thiago Amparo, professor de direito da Fundação Getulio Vargas.

Embora seja uma confusão comum, as embaixadas não são território estrangeiro. Mas elas estão sim protegidas pela inviolabilidade prevista na Convenção de Viena, o que significa que as autoridades brasileiras não podem entrar no local sem o consentimento do país, explica Amparo à BBC News Brasil.

Bolsonaro pode ser preso caso tenha pedido asilo?

A possibilidade da decretação de prisão preventiva tem sido bastante discutida desde a revelação da passagem de Bolsonaro pela embaixada.

Criminalistas ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que existe a possibilidade de um pedido de asilo embasar uma prisão preventiva, mas acreditam que isso não é muito provável.

Diferentemente da prisão para o cumprimento de pena, a prisão preventiva é uma medida temporária que pode ser tomada no curso de um processo penal e, para ser autorizada pela Justiça, precisa cumprir diversos requisitos e ser bem fundamentada.

Segundo o criminalista Raul Abramo, além do descumprimento de medida cautelar (como as impostas a Bolsonaro), a prisão também pode ser para a "conveniência da instrução criminal", quando o suspeito ameaça testemunhas, por exemplo, ou se está forjando provas ou destruindo provas. Ou para a "garantia de futura aplicação da lei penal" ou seja, se houver provas de que o acusado está prestes a fugir para não cumprir a pena de uma eventual condenação.

"No caso de Bolsonaro se evadir para um país - especialmente um que não tem acordo de extradição com o Brasil - ele ficaria inatingível pelo Estado brasileiro, o que entraria em 'garantia de aplicação da pena'", diz Raul Abramo.

Mas a simples estadia na embaixada não poderia ser prova de que há esse risco, diz ele. E é discutível se um pedido de asilo poderia ser evidência de uma fuga iminente.

"Minha interpretação é de que não seria suficiente, mas é algo que pode ser analisado de forma diferente pela Justiça", afirma Abramo.

Já o especialista em direito criminal Miguel Pereira Neto acredita que o pedido de asilo poderia, sim, embasar a decretação de uma prisão preventiva.

"Pedir asilo em uma embaixada, quando uma série de medidas cautelares estavam sendo cumpridas, é um grande indício para frustrar a aplicação da lei e tumultuar a instrução criminal", afirma ele.

"Além de caracterizar preparação para fuga", conclui advogado, que é conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP).

Foto mostra fachada da embaixada da Hungria
EPA
Bolsonaro tem afinidade política com o premiê húngaro, o político de extrema direita Viktor Orbán

A criminalista Beatriz Alaia Colin diz que, em sua interpretação, o pedido não seria suficiente. No entanto, diz ela, é possível que a Justiça entenda que "um pedido de asilo impediria, de certa forma, a aplicação da lei penal brasileira, o que, junto a outros fundamentos, poderia embasar um pedido de prisão preventiva", diz.

Especialista em direito criminal, sócio do Lacaz Martins, Pereira Neto, Gurevich & Schoueri Advogados e conselheiro do IASP

O ministro Alexandre de Moraes já tomou uma decisão afirmando que pedidos de asilo político podem configurar tentativa de evitar a aplicação da lei penal e justificar a manutenção de uma prisão preventiva.

Analistas políticos têm dito, no entanto, que no caso de Bolsonaro o ministro tem evitado tomar medidas mais drásticas para evitar acusações de parcialidade.

De qualquer forma, seria preciso provar que Bolsonaro de fato pediu um asilo e tem a intenção do ex-presidente é evitar eventuais penas - algo que a PF ainda está investigando e que a defesa de Bolsonaro nega.

Moraes deu 48 horas para a defesa do ex-presidente explicar a visita à embaixada à Justiça.