Carolina Fedatto
Especial para o EM
Em “Benny, o inventor”, Jacques Fux recusa estereótipos e aposta na invenção de novos ângulos para narrar a experiência de viver e comunicar-se de modo singular, fora da linguagem verbal convencional.
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Longe de recorrer a explicações ou diagnósticos, o autor apresenta Benny como um protagonista pleno, que não precisa ser justificado: ele é, sobretudo, um criador. E aqui reside uma das singularidades mais fortes do livro: diferentemente da maioria das narrativas infantojuvenis, centradas em crianças, Benny é um homem de meia-idade. E sua linguagem não passa pelas palavras, mas por gestos, sons e pequenos rituais que recriam a vida cotidiana. Nesse gesto literário, Fux recusa o olhar externo e condescendente e, em vez disso, aposta na potência da diferença como força de invenção.
Esse deslocamento se acentua na escolha do foco narrativo: é o irmão quem conta a história, fazendo com que o texto seja tecido pela intimidade, pela memória e pelo humor cúmplice. Ao narrar a partir de quem convive com Benny, o autor instala o leitor no interior da vida familiar, transformando episódios aparentemente triviais, como bater portas, esconder pneus de carrinhos ou exagerar no pó de café, em passagens carregadas de poesia, comicidade e ternura. Essa proximidade faz com que Benny não seja simplesmente observado, mas partilhado com o leitor: não o vemos “de fora”, somos convidados a passar um dia com ele.
Jacques Fux, vencedor de prêmios como o São Paulo de Literatura, o Manaus e o FNLIJ, insere aqui uma dimensão autobiográfica. Escrever sobre o irmão é também escrever sobre si, como ele próprio assume em nota final. A literatura nasce, assim, da memória familiar, mas alcança um campo universal, capaz de questionar os modos de ver e de narrar a diferença.
As ilustrações de Lalan Bessoni expandem esse horizonte. Realizadas a partir de traços manuais, inspirados em fotografias e memórias, e finalizadas digitalmente, elas captam o movimento, a leveza e a energia de Benny. Nesse trabalho de interpretação da narrativa, gestos, expressões corporais, cores vivas e ângulos inesperados materializam no papel a vitalidade do protagonista. Ao evitar caricaturas ou representações estigmatizantes, Bessoni oferece ao leitor um retrato afetivo e dinâmico do personagem.
Outro aspecto fundamental do livro são os recursos de acessibilidade. A edição conta com apresentação dos personagens, resumo do enredo, glossário de termos destacados e versão audiovisual com narração, audiodescrição e Libras, acessível via QR code. Esses elementos não são acessórios, mas parte constitutiva da obra, ampliando o público e promovendo a autonomia de leitores com diferentes necessidades. O texto final, escrito por integrantes da organização social “Mais Diferenças”, reforça essa perspectiva ao afirmar que “nada sobre nós, sem nós”, reconhecendo a importância da participação direta de pessoas com deficiência na produção e avaliação de obras literárias.
Ao articular texto, imagem e recursos de acessibilidade, “Benny, o inventor” se distingue tanto pela estética quanto pela ética. É uma narrativa que afirma a diferença como força criadora e mostra como a literatura para crianças pode ser ao mesmo tempo lírica, inventiva e inclusiva. O livro não se limita a falar de deficiência: faz da invenção de gestos e sons uma metáfora para outras formas de linguagem e afeto, levando o leitor a olhar também, talvez, para suas formas singulares de estar no mundo.
CAROLINA FEDATTO é bacharel, mestre e doutora em Linguística pela Unicamp
“Benny, o inventor”
De Jacques Fux
Ilustrações de Lalan Bessoni
FTD Editora
48 páginas
R$ 70
Sobre os autores
Autor do texto de “Benny, o inventor”, Jacques Fux nasceu em Belo Horizonte em 1977. Escritor, pesquisador, professor e tradutor, fez doutorado na Universidade de Lille, na França, e pós-doutorado na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. Já ganhou o Prêmio São Paulo de Literatura, o Prêmio Manaus, o Prêmio Cidade de Belo Horizonte, o Prêmio Paraná, o Selo Altamente Recomendável da FNLIJ e o Prêmio CAPES, e foi finalista do Jabuti, do APCA e do Barco a Vapor.
O ilustrador Lalan Bessoni é de Foz do Iguaçu (PR) e vive em São Paulo. Formado em Ilustração pelo Istituto Europeo di Design (IED), atua na área desde 2010, com trabalhos em livros, revistas e projetos gráficos no Brasil e na América Latina.
