EXPOSIÇÃO

Curador de exposição de Rembrandt aponta conexões com barroco mineiro

Em artigo, Luca Baroni ressalta as visões do mestre holandês e dos artistas de Minas: 'Querem nossa atenção, nos surpreender e que fiquemos intrigados'

Publicidade
Carregando...

Luca Baroni

Fique por dentro das notícias que importam para você!

SIGA O ESTADO DE MINAS NO Google Discover Icon Google Discover SIGA O EM NO Google Discover Icon Google Discover

Especial para o EM

Quando penso em Rembrandt, penso em um artista que olhava o mundo com uma atenção incomum. Suas obras não idealizam a realidade: abordam-na com clareza e respeito, reconhecendo a complexidade, a fragilidade e a dignidade mesmo nas situações mais comuns. Essa capacidade de atribuir valor à experiência cotidiana é uma das razões pelas quais Rembrandt continua central na história da arte e, de modo importante, ainda ressoa com um público amplo.

No norte da Europa do século XVII, a gravura era frequentemente considerada um meio secundário, usado principalmente para reproduzir pinturas célebres em uma época anterior à fotografia. Seguindo o exemplo de mestres anteriores, como o alemão Albrecht Dürer, o holandês Lucas van Leyden e os italianos Parmigianino e Federico Barocci, Rembrandt ajudou a romper essa convenção. Para ele, a água-forte não era uma ferramenta de reprodução, mas um espaço de investigação. As matrizes eram retrabalhadas ao longo do tempo, alteradas na luz, na densidade e no ritmo da linha. Cada impressão representa uma decisão. A imagem nunca é definitiva; ela evolui. A gravura torna-se, em suas mãos, uma forma de pensamento, um lugar onde a hesitação e a resolução permanecem visíveis.
Ver suas gravuras é, de muitas maneiras, como entrar diretamente no ateliê do artista.

Essa atitude experimental é inseparável de outro aspecto fundamental de sua arte: sua atenção constante à presença humana. Quer retratando narrativas bíblicas, figuras de rua, estudiosos ou a si mesmo, Rembrandt sempre olha para indivíduos, não para símbolos. Seus personagens não são tipos abstratos; são pessoas marcadas pelo tempo, pela emoção e pela memória. Seus autorretratos mostram um artista atento à própria transformação — juventude, confiança, luta, maturidade. Em nosso tempo, em que a autorrepresentação é constante e muitas vezes superficial, Rembrandt oferece um modelo mais lento e reflexivo de olhar para si mesmo.

Apresentar Rembrandt no Brasil, hoje, significa oferecer ao público a oportunidade de encontrá-lo diretamente. Com frequência, me perguntam qual é a relação entre o barroco de Minas Gerais e a obra de Rembrandt. O barroco mineiro foi feito para devoção, com tópicos sagrados, e era mostrado em igrejas e em espaços públicos. As gravuras de Rembrandt, por outro lado, foram feitas para serem vistas pelo espectador sozinho, em um estúdio ou em ambiente privado. Então, há uma diferença fundamental, mas, também, uma importante similaridade entre Rembrandt e os artistas do barroco mineiro: ambos querem nossa atenção, querem nos surpreender, querem que fiquemos intrigados. Isso é muito diferente, por exemplo, da Renascença Italiana, quando a maior parte das obras de arte expressa filosofias que estão acima do público comum. Pelo contrário, as obras de Rembrandt e do Barroco Mineiro são feitas para o povo. 

A exposição de Rembrandt na Casa Fiat de Cultura não é apenas uma oportunidade de ver obras importantes. É, também, um meio de expandir a geografia da história da arte. Ela nos convida a considerar a arte europeia não como um cânone fechado, mas como parte de uma rede mais ampla de relações culturais que se transformam ao longo do tempo. As questões levantadas pelas gravuras de Rembrandt sobre identidade, luz, narrativa e a representação do sagrado não pertencem a uma única tradição.

A possibilidade de apresentar esta exposição no Brasil também aponta para uma direção cultural mais ampla. A história da arte não se desenvolve de forma isolada, nem as obras pertencem exclusivamente aos lugares onde foram criadas.

Gravuras de Rembrandt em exposição na Casa Fiat
Gravuras de Rembrandt em exposição na Casa Fiat Reprodução


Elas viajam, encontram novos contextos e ganham novas interpretações através do olhar de diferentes públicos. Trazer Rembrandt a Belo Horizonte significa participar de uma história cultural compartilhada, uma história que não se move em uma única direção. Espero, no futuro, levar exemplos significativos do barroco mineiro à Europa, especialmente à Itália, em um espírito de troca recíproca e sustentável. É nesse movimento de ir e vir, nas perguntas que se abrem em vez de se fecharem, que a história da arte permanece viva.

LUCA BARONI é curador da exposição “Rembrandt – o mestre da luz e da sombra”, em exibição na Casa Fiat de Cultura 

“Rembrandt – O mestre da luz e da sombra”

Exposição com 69 gravuras originais do artista holandês. Casa Fiat de Cultura (Praça da Liberdade, 10, Funcionários, BH). De terça-feira a sexta-feira, das 10h às 21h, e aos sábados, domingos e feriados, das 10h às 18h, exceto às segundas-feiras. O espaço não abrirá nos dias 22, 24, 25, 29 e 31 de dezembro de 2025 e 1º de janeiro de 2026. Até 25 de janeiro.

Tópicos relacionados:

arte barroco

Acesse o Clube do Assinante

Clique aqui para finalizar a ativação.

Acesse sua conta

Se você já possui cadastro no Estado de Minas, informe e-mail/matrícula e senha. Se ainda não tem,

Informe seus dados para criar uma conta:

Digite seu e-mail da conta para enviarmos os passos para a recuperação de senha:

Faça a sua assinatura

Estado de Minas

Estado de Minas

de R$ 9,90 por apenas

R$ 1,90

nos 2 primeiros meses

Aproveite o melhor do Estado de Minas: conteúdos exclusivos, colunistas renomados e muitos benefícios para você

Assine agora
overflay