Ilustração -  (crédito: Ilustração)

Ilustração

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Mesmo com os defeitos do livro e contrariando a vontade do pai, Rodrigo e Gonzalo García acharam que valia a pena publicar “Em agosto nos vemos”.

 

“A perda de memória que nosso pai sofreu em seus últimos anos foi, como é fácil de imaginar, duríssima para todos nós. Mas particularmente a maneira como essa perda diminuiu suas possibilidades de continuar escrevendo com o rigor de costume foi, para ele, uma fonte de frustração desesperadora. Ele nos disse isto com a clareza e a eloquência de um grande escritor: ‘A memória é, ao mesmo tempo, minha matéria-prima e minha ferramenta. Sem ela, não existe nada’”, reafirmam eles no prefácio do livro póstumo.

 

“Este 'Em agosto nos vemos' foi fruto de um derradeiro esforço para continuar criando contra ventos e marés. O processo foi uma batalha entre o perfeccionismo do artista e o declínio de suas faculdades mentais. (…) Àquela altura, só sabíamos do veredito de Gabo: 'Este livro não presta. Tem que ser destruído.' Não o destruímos, mas o deixamos de lado, com a esperança de que o tempo decidisse o que fazer com ele. E lendo o livro uma vez mais, quase dez anos depois de sua morte, descobrimos que o texto tinha muitíssimos méritos desfrutáveis. De fato, não está tão lapidado como seus maiores livros. Tem alguns tropeços e pequenas contradições, mas nada que nos impeça de apreciar o que há de mais relevante na obra de Gabo: a capacidade de invenção, a poesia da linguagem, a narração cativante, o entendimento acerca do ser humano e o carinho por suas vivências e desventuras, sobretudo no amor. O amor, provavelmente o tema principal de toda a sua obra”, contam.

 

 

Rodrigo e Gonzalo finalizam: “Num ato de traição, decidimos colocar o prazer de seus leitores acima de todas as outras considerações. Se os leitores celebrarem o livro, é possível que Gabo nos perdoe. É nisso que confiamos. O peso da idade transcendeu para a sua obra”.

 

Em “Diatribe de amor contra um homem sentado”, Graciela, a protagonista, reflete sobre a velhice: “Se não fosse pelos amanheceres, seríamos jovens a vida inteira. A verdade é que a gente envelhece quando amanhece. O entardecer é deprimente, mas nos prepara para a aventura de cada noite. Os amanheceres, não. Nas festas, assim que sinto o silêncio da madrugada, começa um comichão no meu corpo que não sossega. É preciso ir embora depressa de olhos fechados para não ver as últimas estrelas. Porque, se o dia nos surpreende na rua com roupa de festa, joga em cima de nós uma enxurrada de anos, e a gente nunca mais se livra deles. É por isso também que eu não gosto de fotografias: a gente revê as fotos no ano seguinte, e já parece que elas saíram do baú dos avós”.


Despedida

 

Em “Gabo & Mercedes – Uma despedida”, que pode levar os fãs de García Márquez às lágrimas, Rodrigo García fala do sofrimento dos últimos anos de vida do pai e da angústia de Mercedes Barcha, sua companheira por toda a vida. “Um dia você acorda e está velho. Assim, sem aviso prévio, é assustador”, afirmou Gabo.

 

O filho conta um episódio engraçado também quando o pai estava internado. “Numa dessas ocasiões, estou no quarto ao lado quando escuto o grupo de mulheres às gargalhadas. Entro e pergunto o que está acontecendo. Dizem que meu pai abriu os olhos, olhou para elas com atenção e disse tranquilamente: '– Não consigo trepar com todas.'”

 

O ponto alto, entretanto, de “Gabo & Mercedes” é o drama final da demência, antes da internação com pneumonia e câncer no pulmão, que mataram Gabo em 17 de abril de 2014, no aconchego do seu casarão na Cidade do México. Mercedes decidiu não prolongar o sofrimento com internação hospitalar e risco de cirurgias, diante de grande debilidade física do marido. A família concordou que ele morresse em paz em casa, um mês depois de completar 87 anos.

 

Capa do livro

Capa do livro

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