EDITORIAL

Os números melhoram, a realidade insiste

Ao se contentar com a "menor pobreza desde 2012", corre-se o risco de institucionalizar o que é aceitável: não a riqueza nem a dignidade

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Dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) trouxeram uma informação para lá de comemorada: a pobreza no Brasil caiu para 23,1% da população, o menor patamar desde 2012 – em 2023, esse índice era de 27,3%. A extrema pobreza também recuou, de 4,4% para 3,5%. Em números absolutos, mais de 8,6 milhões de pessoas deixaram a linha da pobreza entre 2023 e 2024.

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É impossível negar o significado desse avanço: a combinação de recuperação do mercado de trabalho, geração de empregos e a atuação de programas sociais – como os benefícios de transferência de renda – têm papel claro na reversão dessa trajetória. Mas as estatísticas expõem a fragilidade socioeconômica do país. A situação é tão ruim que um patamar de pobreza de 23% pode ser celebrado como progresso.


Quando falamos em milhões de brasileiros na pobreza, estamos nos referindo a pessoas que vivem com cerca de US$ 6,85 por dia, o equivalente a aproximadamente R$ 694 por mês (teto definido por critério internacional estabelecido pelo Banco Mundial). Fazer de R$ 694 um referencial “aceitável” revela o quão modestas são as condições que consideramos mínimas. Essa era a realidade de 48,9 milhões de pessoas no ano passado. Em 2023, o contingente na pobreza era de 57,6 milhões.


Em situação ainda pior, o número de brasileiros na extrema pobreza, que viviam com renda de até US$ 2,15 por dia, cerca de R$ 218 mensais em valores corrigidos, passou de 9,3 milhões para 7,4 milhões. Ou seja, 1,9 milhão deixaram a condição de um ano para o outro. Melhorou, mas ainda é gente demais em situação muito carente.


O avanço recente não elimina desequilíbrios históricos entre regiões, gêneros, raças e classes sociais. A redução dos extremos de pobreza não garante acesso digno a educação, saúde, saneamento, transporte nem redução de desigualdades de oportunidades e renda. Quem sai da linha da pobreza continua, muitas vezes, em vulnerabilidade – com informalidade no mercado de trabalho, insegurança econômica e poucas possibilidades reais de ascensão.

Os números mostram que os ganhos recentes foram fortemente impulsionados por programas de transferência de renda. Segundo o estudo, sem eles, a extrema pobreza seria quase três vezes maior no país, subindo de 3,5% para 10% da população, enquanto a proporção da pobreza aumentaria de 23,1% para 28,7% em 2024. É uma dependência perigosa. Se a economia vacilar, se o emprego formal não se estabilizar ou se os benefícios forem ajustados para menos, a fragilidade da conquista será exposta – e milhões poderão voltar à condição anterior. Ao se contentar com a “menor pobreza desde 2012”, corre-se o risco de institucionalizar o que é aceitável: não a riqueza nem a dignidade, mas a mera subsistência.


Sim – os dados do IBGE merecem ser reconhecidos. É um recuo real e uma conquista coletiva, que mostra que políticas públicas combinadas com recuperação econômica podem produzir resultados. Mas isso não deve ser lido como fim da pobreza, e muito menos como solução estrutural.


Mais do que comemorar percentuais, é urgente converter esse alívio em ambição: não apenas reduzir a pobreza, mas elevar a dignidade. Trabalho decente, salários reais, educação de qualidade, saúde, habitação, mobilidade e cidadania plena. Até que isso aconteça, será sempre legítimo exigir mais – não apenas para reduzir números, mas para reconstruir vidas.

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