Devemos evitar o "rage bait"
O algoritmo das mídias sociais é moldado para propagar aquilo que engaja, seja positiva ou negativamente
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Ao navegar nas mídias sociais, facilmente nos deparamos com conteúdos que nos convidam ao engajamento a partir do absurdo. Uma opinião extremamente controversa ou um posicionamento ignorante são as iscas perfeitas para comentarmos a postagem incendiária para ressaltar o óbvio. Poucos cliques no teclado touchscreen e pronto: manifestamos nossa visão em prol de um mundo minimamente coerente.
O que não entendemos, ao cair nesse tipo de armadilha, é que estamos sendo usados por esses usuários que se passam como ignorantes naquele pequeno recorte exposto. Isso tem nome: rage bait, ou “isca de raiva”, na tradução livre do inglês, a palavra do ano escolhida pela Universidade de Oxford.
“O fato de a expressão ‘rage bait’ existir e ter tido um aumento tão drástico no seu uso nos torna cada vez mais conscientes das táticas de manipulação às quais podemos ser submetidos on-line”, escreveu Casper Grathwohl, presidente da Oxford Languages, no comunicado de divulgação da escolha.
A escolha da Oxford é certeira. O algoritmo das mídias sociais é moldado para propagar aquilo que engaja, seja positiva ou negativamente. Na maior parte das vezes, na verdade, esse alcance tem como combustível a discordância, o ódio. A fórmula de funcionamento dessas linhas de código, apesar de secreta, é facilmente entendida por quem trabalha pautado pelas más intenções: trata-se de um jeito fácil de ganhar dinheiro e exposição a partir do famoso “bait”.
Esse exemplo se encaixa perfeitamente no X, o antigo Twitter. Em sua aba “para você”, a mídia social abastece o usuário com conteúdos adaptados ao que ele mais consome na linha do tempo. Parte desses posts, no entanto, nos convida a reações explosivas, a partir de opiniões claramente moldadas para incentivar críticas.
Em exemplo hipotético, seria como um torcedor do Flamengo, recém-campeão da Libertadores, recebesse um conteúdo, na tela do seu smartphone, que criticasse a qualidade do futebol praticado pelo clube, justamente nesse momento vitorioso. Ou criticasse duramente o nível do elenco rubro-negro, apesar da conquista. É evidente que não há qualquer coerência nessas hipóteses, mas o objetivo é claro: irritar para engajar.
A menos de um ano da eleição presidencial, o eleitor precisa ficar de olho em quem surfa nessa onda nas mídias sociais. Em um contexto polarizado, o campo das redes se torna extremamente fértil para quem busca dinheiro e engajamento fácil a partir dos vícios contidos nos algoritmos da Meta, do X e do TikTok, para citar alguns exemplos.
Neste sentido, é fundamental que as instituições promovam iniciativas de letramento digital para o cidadão – diante do potencial de influência que as mídias têm no processo democrático. Trata-se de uma obrigação na ordem do dia dos partidos políticos, dos atores políticos e, sobretudo, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e seus braços nos estados. E também do jornalismo profissional.
A reflexão trazida pela Oxford calha bem neste sentido e não deve se limitar somente aos mais jovens, a chamada geração Z, parcela da população mais acostumada aos neologismos herdados do inglês. “O objetivo da palavra do ano é incentivar as pessoas a refletirem sobre onde estamos como cultura, quem somos no momento, por meio da lente das palavras que usamos”, afirmou Casper Grathwohl. “O objetivo principal é gerar conversa”, complementou.