ARTIGO

Intoxicação por metanol: uma tragédia anunciada na saúde pública brasileira

É preciso compreender que impostos e fiscalização são instrumentos de proteção sanitária. Fiscalize, denuncie e exija produtos com origem atestada

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Fellippe Wolff
Farmacêutico, mestre em ciências farmacêuticas e professor de toxicologia do curso de farmácia da UNIASSELVI

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A intoxicação por metanol volta ao noticiário não como um acidente isolado, mas como uma tragédia anunciada que expõe uma grave crise de saúde pública. Segundo o Ministério da Saúde, até esta segunda-feira (20/10), foram confirmados 47 casos e 57 estão sob investigação. Já foram descartadas 578 notificações. Ao todo, nove mortes foram confirmadas, com outras sete sendo investigadas. O cenário reforça a urgência de compreender os riscos que se escondem nas bebidas adulteradas.

O metanol é o álcool mais simples na natureza, amplamente utilizado como solvente analítico, insumo industrial e combustível. Em bebidas destiladas, sua presença é residual e natural, resultado da fermentação da pectina, uma fibra solúvel que compõe a parede celular de diversas frutas e vegetais. No entanto, a destilação correta é essencial: o descarte da fração inicial, conhecida como “cabeça”, remove compostos voláteis tóxicos, incluindo o metanol, cujo ponto de ebulição (64,7°C) é inferior ao do etanol (78,3°C).

A negligência nessa etapa eleva drasticamente o risco de contaminação, quando produtores clandestinos, visando maximizar o rendimento, frequentemente ignoram a separação correta das frações, misturando a “cabeça” e a “cauda” (esta última rica em outros contaminantes) ao produto final, transformando uma bebida malcozida em uma fonte potencial de intoxicação grave.

No cenário atual, o problema transcende a falha técnica. Em busca de lucro fácil, a adulteração intencional de bebidas é realizada com metanol industrial ou combustível para simular maior teor alcoólico. Esta atividade ilícita possui um impacto econômico e social gigantesco: o Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP) estima perdas anuais de R$ 85,2 bilhões com falsificação de bebidas, enquanto a Federação de Hotéis, Restaurantes e Bares do Estado de São Paulo (FHORESP) alerta que 36% das bebidas alcoólicas vendidas no país são falsificadas. Esses números revelam uma ameaça real e cotidiana à saúde pública.

A toxicidade do metanol decorre de seu metabolismo hepático. O fígado converte o metanol em formaldeído, e depois em ácido fórmico, composto altamente tóxico que provoca acidose metabólica grave, cegueira irreversível e, muitas vezes, morte. Os sintomas – visão turva, náuseas e confusão mental – podem surgir horas após a ingestão, mascarando a gravidade do quadro. Sem tratamento, o paciente evolui para convulsões, coma e parada cardiorrespiratória.

O tratamento é uma corrida contra o tempo. Primeiramente, devem ser aplicadas medidas de suporte (garantia de via aérea e estabilidade circulatória) e correção da acidose com bicarbonato de sódio. A seguir, utiliza-se fomepizol ou etanol farmacêutico como antídotos, pois ambos competem com o metanol pela mesma enzima hepática, impedindo a formação do ácido fórmico. Em casos graves, a hemodiálise é indicada para remover o metanol e seus metabólitos do sangue.

Ao menor sinal de intoxicação, a assistência médica imediata é essencial. A rede CIATox (Centros de Informação e Assistência Toxicológica) oferece orientação técnica gratuita 24 horas por dia a profissionais e à população, sendo um pilar da resposta nacional a emergências químicas.

Os casos recentes de intoxicação por metanol refletem mais do que falhas de fiscalização, são um alerta sobre nossas escolhas de consumo e a urgência da educação toxicológica.

É preciso compreender que impostos e fiscalização são instrumentos de proteção sanitária. Fiscalize, denuncie e exija produtos com origem atestada.

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