Libertação dos reféns é importante, mas não significa paz à vista
A alegria da volta dos reféns foi, sem dúvida, um gesto que permite ter esperança de tornar-se pressão forte o suficiente para um cessar-fogo pleno
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A libertação dos 20 reféns israelenses pelos terroristas do Hamas, depois de 738 dias de cativeiro – e a devolução, por Tel Aviv, de 1.968 prisioneiros palestinos –, é um passo importante para se falar na possibilidade da chegada da paz a uma região que jamais a conheceu. Mas, é preciso enfatizar, é apenas um passo, embora de grande significado. Fazer os dois lados baixarem armas realmente é tarefa que requererá de árabes, judeus e setores da comunidade internacional assumirem compromissos hoje impensáveis por todos os lados.
Há que se concluir, de saída, que a região está devastada institucionalmente, condição que não traz nada além de instabilidade. Exceto por Israel, os países ao redor estão mergulhados na pobreza e na desordem, elemento facilitador ao surgimento de zonas de exclusão controladas por senhores locais da guerra – bandos armados que, sob a capa da religiosidade, detêm o controle de lucrativas atividades criminosas.
Uma pergunta para a qual não há resposta é sobre como restaurar a institucionalidade desses países, submetidos a décadas de um jogo selvagem, visível e invisível, de potências, que sustentaram autocracias – das militares aos sultanatos – conforme os interesses de momento. Moderações internacionais mostraram-se frágeis e as seguidas intervenções, inclusive com força bruta, apenas aprofundaram o caos. A desconfiança dos povos afetados sobre a boa vontade estrangeira é plenamente justificável.
Isso leva a um segundo questionamento: a formação do Estado Palestino seria um fator capaz de dar início à construção de uma paz de verdade? Vejamos o que, hoje, é a Palestina: escombros, doenças, fome, miséria, carência – em uma palavra: morte. As massas de gente flagradas voltando àquela destruição o fizeram pelas razões de que, primeiramente, os homens precisam de raízes que os identifiquem, mas, sobretudo, porque não têm um destino onde possam reconstruir a vida com o mínimo de certeza. Ainda que mais de 140 países-membros da Organização das Nações Unidas reconheçam a existência do Estado da Palestina, tal condição contribui em nada para que o país fique realmente de pé.
O Estado Palestino, porém, é negado veementemente pelo governo de Israel, que em momento algum sinalizou com a suspensão da política de expansão territorial ou, tampouco, com a saída militar de cidades que são montes de entulho. O que está posto, por ora, é a troca de reféns por prisioneiros e um frágil cessar-fogo. Condições essas que, apesar da ponta de confiança que surge, não são garantias de que possam evoluir à suspensão definitiva das hostilidades e a rascunhos de um acordo de paz.
A tornar os passos futuros difíceis de serem calculados, pesa também a situação política do presidente de Israel, Benjamin Netanyahu, indiciado pela Justiça do país por suborno e fraude – ação que poderia levá-lo à prisão com a saída do poder. Depois da eleição de 2022, o governo se sustenta em uma coalizão da direita religiosa, radical e expansionista, que conta com 64 das 120 cadeiras do Parlamento.
Mesmo com a alegria da volta dos reféns, nada apaga a dor do passado nem torna otimismo o ceticismo com o futuro. Foi, sem dúvida, um gesto que permite ter esperança de tornar-se pressão forte o suficiente para um cessar-fogo pleno, condição fundamental para negociações mais profundas. Mas, por enquanto, é preciso tratar as coisas como realmente são: é impossível enxergar a paz no horizonte.