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Há juízes em Belo Horizonte!

Quem não tiver coragem, dedicação e empatia não pode ser juiz. Não serve para nenhuma profissão

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O Judiciário brasileiro está mergulhado em profunda crise de legitimidade. Infelizmente, há juízes distanciados dos anseios da sociedade brasileira. Embora muitos magistrados ainda se comprometam com o sacerdócio da profissão.


Sou antigo e talvez seja visto como ultrapassado. Emprego o surrado chavão: no meu tempo não era assim. Ingressei na carreira da magistratura mineira, por concurso público, em 1989. Circulava pelas comarcas do interior num surrado Volkswagen Gol. Trabalhava com a minha própria máquina de escrever Remington portátil. Labutava no gabinete e em casa, fins de semana inclusive. Não raramente, era necessário o serão domiciliar. Ia diariamente ao fórum. Considero essa presença física do juiz indispensável, mesmo em tempos de internet e teletrabalho.


Hoje, como 3º vice-presidente do Tribunal de Justiça, coordeno práticas autocompositivas e ações de cidadania. Viajo muito pelas Minas Gerais, pregando (talvez quixotescamente) o “evangelho” de uma nova postura mental.


Recentemente, contudo, experimentei a maior decepção dos meus 36 anos de carreira. Acompanhei de perto um drama familiar, iniciado numa sexta-feira. Faleceu uma jovem médica, em Belo Horizonte. Morte súbita e traumática. Era necessária autorização judicial para a cremação do corpo, último pedido escrito da falecida. A família queria cumprir o desejo extremo.


Entrou em um labirinto kafkiano, cujo enredo a ética judicial me impede de detalhar. O velório transcorreu no sábado, entre 11 horas e 15 horas. Corria-se contra o relógio. À dor da perda somava-se a angústia da decisão do juiz plantonista, que não vinha. E nem veio. Ao fim da vigília, foi lacrada a urna funerária. O corpo teve de ser removido para uma câmara frigorífica. As centenas de pessoas presentes ficaram estarrecidas. Alguns diziam se tratar de uma “monstruosidade”.


Somente na terça-feira seguinte uma decisão humanitária autorizou a cremação. Foi assinada pelo juiz de direito Cássio Azevedo Fontenelle. Lembrei o célebre caso do moleiro alemão Arnold, que um magistrado livrou da perseguição de cruel governante. Arnold exclamou: “Há juízes em Berlim!”. Dr. Cássio, há juízes em Belo Horizonte!


Quem não tiver coragem, dedicação e empatia não pode ser juiz. Não serve para nenhuma profissão. Não deveria sequer existir, a rigor. E nenhuma família merece experimentar o travo amargo da injustiça. A família da jovem falecida é a minha família. Diria o poeta Carlos Drummond de Andrade: como dói!


Por quatro dias, senti enorme vergonha de ser magistrado. No domingo, fiquei acamado, triste e impotente. O Dr. Cássio me reabilitou como juiz e como pessoa. Ainda se pode crer na humanidade. Vamos em frente.

ROGÉRIO MEDEIROS GARCIA DE LIMA

Desembargador e 3º vice-presidente
do Tribunal de Justiça de Minas Gerais

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