Editorial

A selvageria que ignora o desmonte colonialista

Se, evidentemente, é impossível frear 100% dos casos de violência, o Itamaraty tem como obrigação o socorro aos brasileiros agredidos

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Adolescente agredido em uma escola em Aveiro, Portugal. Uma série de entregadores de comida perseguidos e espancados nas imediações de Dublin, na Irlanda. Mulher vítima de golpes de canivete em Massachusetts, nos Estados Unidos. Todos esses casos têm uma circunstância em comum: a xenofobia contra cidadãos brasileiros que vivem fora do país.


Na tentativa de buscar uma vida melhor, diante das injustiças sociais que traduzem a história das famílias brasileiras, muitos procuram uma vida fora do país na tentativa de se alavancar financeiramente. Os destinos escolhidos costumam convergir: a busca pelo "sonho americano" em Massachusetts ou na Flórida; a opção por Portugal pela facilidade da língua e dos acordos bilaterais que reduzem a burocracia; e a escolha pela Irlanda, um dos países europeus de língua inglesa com custo de vida mais barato e, ao mesmo tempo, pouco restrito à entrada de imigrantes.


O que nasce como mundo ideal, no entanto, rapidamente encontra desafios não planejados. Casos recentes escancaram a xenofobia vivida por brasileiros e outros imigrantes que tentam ganhar a vida lá fora. No caso de Aveiro, em Portugal, um elemento a mais compõe a cena: o racismo. Um estudante brasileiro de 16 anos foi chamado de "macaco" e "preto" e, na sequência, agredido fisicamente.

"Colegas" gravaram toda a atrocidade, em meio ao crescimento do Chega, partido da direita radical portuguesa, que quadruplicou o número de cadeiras do Parlamento eleito no primeiro semestre.
Na Irlanda, o modus operandi já é conhecido. Diante da falta de oportunidades no mercado formal, imigrantes procuram serviços sem proteção social, como o delivery de comida, que não requer um grande investimento para dar o pontapé inicial. Diante da facilidade da mobilidade urbana por bicicletas, muitos optam por ganhar a vida pedalando. Não contam, porém, com as emboscadas armadas por xenófobos em bairros nos arredores de Dublin. As armadilhas são feitas, principalmente, durante a noite, sobretudo em Finglas, onde grupos de até 10 pessoas cercam os entregadores e os espancam até mesmo com uso de barras de ferro.


Há, entre os entregadores, um pacto para evitar atendimentos a determinados bairros irlandeses, principalmente durante a noite. O caso mais recente envolve Alexandre Athos Pinheiro Teixeira, de 23 anos, agredido em Cork, no sul do país. O goiano foi perseguido por um SUV enquanto entregava comidas. Levou garrafadas e foi atropelado. Sofreu uma fratura exposta na perna esquerda.


Todos os ataques têm o ódio e a crueldade como fatores primordiais. Os xenófobos culpam os imigrantes pela redução das vagas de emprego e pelo aumento da população local, o que eleva o preço dos aluguéis, por conta do aumento da demanda, e do custo de vida em geral – ao menos na versão de quem opta pelo preconceito.


Quem procura razões para tamanha violência ignora, no entanto, a maneira como se construiu a riqueza do Norte global. A maior parte das famílias ricas europeias conquistaram a ascensão social a partir do colonialismo, que, no Brasil, deixa feridas nunca superadas do ponto de vista econômico e social, a partir, principalmente, da escravidão, mas não só dela.


Em seu livro “As Veias Abertas da América Latina”, um clássico da literatura socioeconômica sobre a história do continente, o jornalista uruguaio Eduardo Galeano (1940-2015) afirma, com outras palavras, que o cidadão nascido nas Américas perdeu o direito até de se chamar como “americano”, gentílico hoje usado para se referir somente aos estadunidenses.


Na obra, o escritor narra, historicamente, como aconteceu o desmonte imperialista no continente americano. Entre outras histórias, cita o caso de Potosí, cidade boliviana que chegou a ser uma das mais ricas do mundo a partir de jazidas de prata da montanha de Cerro Rico, posteriormente esgotadas pela exploração espanhola – uma história que se estende aos demais países latinos e também à África.


Diante de tais constatações e por sua atenção sempre muito dedicada à agenda diplomática, o presidente Lula (PT) tem o dever de zelar pelos brasileiros vítimas da xenofobia. Se, evidentemente, é impossível frear 100% dos casos de violência, o Itamaraty tem como obrigação o socorro aos brasileiros agredidos. A intermediação internacional não consegue fazer milagres, mas pode, ao menos, se mostrar preocupada com quem sofre tais injustiças. 

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