A volta ao leito principal da política externa do governo Lula passa pelas negociações do G20, que se iniciaram nesta semana sob a presidência do Brasil. Porta-voz do encontro, o chanceler Mauro Vieira reiterou que as nossas prioridades no G 20 são articular uma campanha mundial contra a fome e a miséria, enfrentar a emergência climática e promover a transição para a energia limpa, e restabelecer a capacidade de governança global dos organismos multilaterais, sobretudo do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), que está paralisado.

Antes do encontro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve uma conversa de quase duas horas com o secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, na qual as divergências entre o Brasil e os Estados Unidos sobre Israel ficaram do seu verdadeiro tamanho, ante a robusta convergência de posições sobre a necessidade de conquistar a paz em Gaza e viabilizar a solução de dois estados, com a independência da Palestina.

Ontem, na Argentina, onde a polêmica declaração de Lula não é um assunto da mídia, Blinken declarou que qualquer expansão dos assentamentos israelenses na Cisjordânia seria inconsistente com o direito internacional: “Tem sido uma política de longa data dos EUA, tanto sob administrações republicanas como democratas, que novos colonatos são inconsistentes para alcançar uma paz duradoura”, advertiu. “Eles também são inconsistentes com o direito internacional. Nossa administração mantém firme oposição à expansão dos assentamentos. E, na nossa opinião, isto apenas enfraquece – e não fortalece – a segurança de Israel”, disse o secretário de Defesa dos EUA em entrevista coletiva em Buenos Aires.

É verdade, o governo Lula ensaia uma mudança de estratégia na política externa que tangencia a perspectiva de uma ordem “pós-ocidental”, o que seria um realinhamento ao Sul Global em contraposição aos Estados Unidos e às potências ocidentais. O chanceler Mauro Vieira negou a intenção de o Brasil se colocar no cenário internacional como uma espécie de “mediador universal”, mas deixou claro que o governo brasileiro não deixará de se posicionar em relação aos conflitos. É aí que mora o perigo.

Se esse posicionamento for em busca da paz e defesa da democracia, estaremos no rumo certo. Entretanto, certas declarações e omissões do presidente Lula levam a questionamentos sobre a sua verdadeira posição quanto, por exemplo, a Venezuela e Nicarágua, à guerra da Ucrânia e ao Hamas, em Gaza.

No momento, porém, o mais importante é circunscrever o conflito com o governo de Israel em razão da tese de genocídio em Gaza, que passou a ser adotada por Lula, com grande repercussão favorável no mundo árabe e na esquerda. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu aproveitou-se dessa posição para escalar a crise e descontextualizar o debate sobre o cessar-fogo imediato, a ajuda humanitária, a necessidade de uma paz duradoura e solução de dois estados, ou seja, Israel e Palestina, com fronteiras seguras e definitivas.

Apesar de sua declaração infeliz, não se deve perder de vista que a posição de Lula coincide com a de todas as chancelarias do G20 quanto à necessidade de acabar com a guerra e criar o Estado da Palestina, ao contrário da de Netanyahu, que defende a guerra sem tréguas e implacável e não aceita a solução de dois estados. O problema é outro, a volta da política externa brasileira ao eixo do multilateralismo, do pragmatismo e defesa dos interesses objetivos do Brasil, como um país emergente do Ocidente, o que exige que se relacione bem tanto com todos os estados. Tanto com os Estados Unidos quanto com a China, com a Rússia e Ucrânia, com a Autoridade Palestina e Israel, mesmo que relações atuais entre os dois governos sejam péssimas.